Clique aqui para imprimir




Regionalidade

DANIEL LIMA - 04/12/2020

Antes de mais nada é preciso esclarecer o que parece um enigma à maioria dos leitores que se descuidaram e não atentaram para um dos textos mais recentes: os 38% da manchetíssima se referem ao total relativo de votos que os prefeitos que dirigirão o Grande ABC a partir de janeiro do ano que vem obtiveram do colégio eleitoral geral, de mais de dois milhões de votos. Ou seja: são no conjunto prefeitos de uma minoria de representantes legais que os consagraram nas urnas.  Os demais votos disponíveis viraram abstenções, votos nulos, votos em branco e votos nos adversários. 

Agora vamos ao que mais interessa: teria o reiniciante PT (que ganhou apertado as prefeituras de Diadema e de Mauá) massa crítica organizacional e filosófica para retomar o caminho das pedras lançado e cultivado durante bom tempo pelo prefeito Celso Daniel, em meados da última década do século passado?

Celso Daniel é o pai do espírito de regionalidade do Grande ABC quando se trata de Poder Público. Na mídia, todos sabem quem é. Se não sabem deveriam ler mais. 

Memória eleitoral 

Afastado das prefeituras dos sete municípios nas eleições de 2016, sob os efeitos arrasadores da Operação Lava Jato, o PT retoma o que espera ser um novo ciclo de ouro. E não se pode dizer que as perspectivas não sejam no mínimo alvissareiras para o partido: nas próximas disputas eleitorais os incumbentes Paulinho Serra e Orlando Morando estarão fora do páreo. Voltar a ser maioria na região não é uma miragem, portanto. 

A memória eleitoral, portanto, não favorecerá a continuidade de tucanos nos respectivos paços municipais. Mas, claro, reeleição não se limita à mentalização social favorável a quem já ocupa o cargo e não tenha os podres poderes eventualmente exercidos levados em conta por autoridades graduadas.  

Tenho cá a impressão de que teremos uma regionalidade menos vergonhosamente esquálida nos próximos quatro anos. Até porque seria praticamente impossível aprofundar a letargia do poço atual. 

Safra de incompetências 

A safra de atuais prefeitos é extremamente incompetente na gestão regional. Aperfeiçoou-se a miséria intelectual e operacional dos prefeitos da fornada imediatamente anterior. 

Desde a morte de Celso Daniel o conjunto de prefeitos eleitos na região obedece a uma escala de aniquilamento dos pressupostos da integração inteligente e produtiva. E todos contam com o aval da sociedade desorganizada, quando não representada por grupelhos que só pensam naquilo – aproximar-se dos mandachuvas da vez. Não faltam exemplares de combatividade no passado e de adestramento bovino no presente.

José de Filippi Júnior virou prefeito pela quarta vez em Diadema. Já tem histórico de regionalidade no Clube dos Prefeitos, eleito que foi pela primeira vez na temporada 1997-2000, quando Celso Daniel iniciou a carreira de maior regionalista (provavelmente o único) a ocupar um Paço Municipal no Grande ABC. 

O prefeito de Mauá, também petista, Marcelo Oliveira, três vezes vereador, certamente já ouviu falar em Celso Daniel e nos conceitos de integração regional. Não negaria fogo, portanto, a uma empreitada de reformismo completo do Clube dos Prefeitos. 

Maioria com menores 

Quem sabe com o reforço de Clovis Volpi, ex-tucano eleito prefeito de Ribeirão Pires, e do ex-petista Claudinho da Geladeira, eleito prefeito de Rio Grande da Serra, o Clube dos Prefeitos passe a ter maioria voltada muito além do municipalismo insuficiente para o início de uma retomada dos processos que colocariam os sete municípios mais conectados entre si. 

Já escrevi tanto sobre regionalismo a bordo do Clube dos Prefeitos que não valeria a pena repetir algumas das iniciativas que devem ser tomadas para alterar o rumo errático que se impôs àquela instituição desde que Celso Daniel se foi. 

Talvez uma expressão que resuma os objetivos básicos do Clube dos Prefeitos seja ancorada por algo como “pacto pela governabilidade regional”. 

Matemática pragmática 

Esse é o primeiro de muitos passos que precisam ser deflagrados para que o futuro não repita o presente nem o passado deste século. 

Por isso que, nesse ponto, a importância dos experientes José de Filippi Junior e Clovis Volpi, e dos novatos Marcelo Oliveira e Claudinho da Geladeira, ganha musculatura. Embora não representem o maior peso político e tampouco maior riqueza em forma de PIB (Produto Interno Bruto), a matemática favorece inicialmente a composição estratégica do bloco – eles seriam quatro contra três tucanos eleitos em novembro. 

É claro que o ideal mesmo seria ver os sete prefeitos cuidando da obviedade de interesses convexos, mas o nível de ingenuidade do passado não me assola no presente. 

Ou seja: há condicionantes político-partidárias que interditam na prática o que os sete prefeitos supostamente prometeriam à mídia e à sociedade em forma de trabalho integrado. Foi assim no passado, mesmo com a liderança técnica de Celso Daniel.  

De mal a pior 

A diferença é que naquele mesmo passado os prefeitos faziam mais nos próprios municípios e se comunicavam mais em termos de regionalidade. Nos últimos quatro anos o que tivemos no Clube dos Prefeitos foi um partidarismo deletério substituto de um corporativismo ideológico de quatro anos anteriores sob o controle do petista Luiz Marinho. 

Por essas e outras ouso sugerir como medida inicial de uma retomada minimamente comprometida do Clube dos Prefeitos que os prefeitos de Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra tomem a iniciativa de, como novos protagonistas da vida pública regional, movimentem-se em torno do objetivo básico de ocupar estrategicamente aquela entidade. 

Ocupar estrategicamente significa que devam se juntar com o respaldo da matemática da maioria dos votos e dos vetos sem, entretanto, interditar a participação dos representantes de Santo André, São Bernardo e São Caetano. 

Meios justificam fins

Em tese, não poderia haver um muro a separar o que do ponto de vista de desenvolvimento econômico sustentável jamais deveria deixar de ser a soma de argamassas municipais na construção de um edifício de regionalidade apto aos desafios que se acumulam.

Entretanto, não custa lembrar algo que soaria como politicamente incorreto, mas assertivamente indispensável: muitas vezes algo como o atingimento da meta de somar sete parceiros às mesmas empreitadas é menos relevante na prática do que dar o bote inicial de uma maioria de quatro votos.  

O que isso significa? Que o atual estágio de regionalidade tendo um monolítico bloco do Poder Público Municipal como agente de controle, é algo semelhante ao equilíbrio emocional daqueles dois seguranças do Carrefour que, ao sufocarem um negro, botaram mais fogo na lenha de campanhas antirracistas. 

Grandes despertariam? 

Pareceria, em princípio, um disparate a sugestão de começar o jogo de restauração dos princípios mínimos de regionalidade antepondo matematicamente os quatro prefeitos novatos em relação ao conjunto atual aos três remanescentes, tornando um dos quais o titular do colegiado.

Em situação de normalidade prática, jamais cometeria o que se apresentaria como um crime que impactaria os conceitos de regionalismo que me movem desde sempre. Entretanto, quando o que temos como herança deste século de degringolada econômica e social é uma instituição que não enxerga um palmo à frente do nariz da responsabilidade de mudanças, talvez mesmo o melhor seja recomeçar o jogo com um quatro-a-três. Melhor que um sete de falsa conversão. A imposição política dessa medida provocaria um choque nos prefeitos de Santo André, São Bernardo e São Caetano. Eles provavelmente despertariam do desprezo atual àquela instituição. 

Lufadas de esperança 

As vitórias eleitorais do PT em Diadema e em Mauá foram em princípio bençãos ao Grande ABC. Vamos ganhar supostamente uma nova arquitetura político-institucional. Teremos a possibilidade de mais pontos e contrapontos industrializados por visões diversas, conflitantes, mas com potencial de ajuntamento na hora do pega para capar. Uma configuração que se apresenta muito mais instigante quando comparada ao marasmo atual de uma unanimidade falsa, porque ineficaz e silenciosamente divisionista.

Não nego jamais que fiquei particularmente feliz com a volta de José de Filippi Júnior e o sucesso de Marcelo Oliveira. 

Diadema precisa passar por uma prova dos nove relevante, da qual o Partido dos Trabalhadores é mesmo peça-chave: a gestão predominantemente de esquerda e com visão socialista de Diadema a partir da vitória de Gilson Menezes em 1982 deixou um rastro de sucessos e insucessos que os próximos quatro anos dimensionariam com mais agudeza. O custo da máquina pública sob a ótica socialista de Diadema é elevadíssimo e exigirá do novo-velho prefeito medidas de correção de rota. 

Já em Mauá, a derrota de Atila Jacomussi tornou-se o mínimo indispensável para que a sociedade local não fosse ridicularizada ante o histórico de aborrecimentos administrativos que misturou impeachment local e encarceramentos provisórios. 

Meta para quatro anos 

O Clube dos 38%, com subdivisões ou não, deveria fazer um pacto além fronteiras ideológicas, partidárias e eleitorais: terminar o mandato conjunto com reconhecimento eleitoral menos vergonhoso, quer como candidatos à reeleição, quer na forma de sucesso dos candidatos à sucessão. 

Para tanto, só existe uma saída: o investimento de capital intelectual no Clube dos Prefeitos. A começar (e sempre caio nesse redemoinho inevitável) com a contratação de uma consultoria internacional especializada em competitividade econômica. Fora isso, qualquer agenda que descambe a questões fora da bitola de criação de riqueza, não passaria de diversionismo, mesmo que supostamente relevante. 

O que faz a diferença na hora do vamos ver é o ambiente econômico. E nesse ponto o Grande ABC só não é um cemitério porque cidades e regiões não morrem do dia para a noite, mesmo que os dias e as noites se repitam há 30 anos, com intervalos de recuperação insuficientes e insustentáveis. 



IMPRIMIR