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Economia

DANIEL LIMA - 06/10/2021

Está faltando minha assinatura no artigo que quatro inquietos moradores da Capital publicaram hoje na página de Tendências/Debates da Folha de S. Paulo? Minha assinatura não faz falta lá; talvez nem aqui, mas como sou insistente vou pegar uma carona no que está na Folha e vou fundir ao que escrevo ao longo dos anos para resumir a história.  

Trata-se do seguinte: os mercadistas imobiliários, facção nefasta dos empresários do setor, seguem andando e dançando para os consumidores. Mais que isso: querem que a sociedade em geral se lasque. O lucro está em primeiro, em segundo e em todos os demais postos de um ranking de 10 objetivos.  

É uma tradição de CapitalSocial, mais que de LivreMercado, publicação que a antecedeu, enveredar pelos caminhos e descaminhos do mercado imobiliário.  

Entidade inútil  

Há 771 artigos que tratam direta ou adicionalmente do setor. Não é preciso repetir que há um símbolo-mor do estado crítico desse acervo. A família Bigucci, que manda e desmanda no inútil Clube dos Construtores do Grande ABC (oficialmente Acigabc) destaca-se pela ausência do que chamaria de responsabilidade social, que vai muito além das quatro linhas corporativas e institucionais.  

O padrão de atuação do Clube dos Construtores não é diferente do que apodrece em termos de institucionalidades no Grande ABC.  

Há desprezo completo aos moradores que estão longe de formar algo que minimamente representaria capacidade de expressão e de cobranças. Ou seja: não temos bulhufas de sociedade organizada como alguns triunfalistas propagam. Somos uma casa de ninguém. Com isso, os espertos tomam conta do barraco de vazios cooperativos.  

Empreiteiras urbanas  

É nesse ambiente que vem de longe e se deteriora que o mercado imobiliário deita e rola. Há escândalos em profusão que jamais foram apurados. Também há empresários sérios que, por conta do ambiente em estado de putrefação, são obrigados a se submeterem a coerções de todos os tipos. Se for especificar o que significa “todos os tipos” provavelmente serei objeto de retaliações maiores do que as já sofri. Há gente graduada demais nessa farra do boi avalizada em muitos casos pela mídia dependente de publicidade das empreiteiras urbanas.  

Excluir o Poder Público dessa bancarrota de relações que deveriam ser republicanas é encontrar agulha de resistência em paiol de obrigatoriedade compulsória.   

Quatro na Folha  

O temário do artigo da Folha de S. Paulo de hoje é basicamente o conceito de verticalização, cuja variável é adensamento.  

Os artistas da malandragem negocial da Capital, que fazem gato de exageros e sapatos de lucratividade, seguem livres, leves e soltos numa empreitada nociva ao conjunto dos moradores.  

Eles, essa franja de aproveitadores vendem a ilusão de que verticalização sem condicionantes de adensamento é a melhor saída o futuro urbanístico no sentido mais amplo da Capital. Aqui, no Grande ABC gataborralheiresco, repete-se a farsa. Há ilhas de verticalizações insanas espalhadas pelos territórios municipais. Deem uma olhadinha no Bairro Jardim, em Santo André, ou nas proximidades do Paço Municipal de São Bernardo. São Caetano é um cipoal de verticalização e loucura de mobilidade urbana.   

Menos competitivo 

Só não existe mais agressões porque o mercado imobiliário do Grande ABC é uma titica de galinha perto do da Capital, com participação de apenas 5% no total de vendas nos últimos anos. Muito menos que as mentiras históricas do Clube dos Construtores, que colocava a incidência de negócios em 30%. Tudo até que um presidente daquela entidade, mais responsável, caso de Marcus Santaguita, desmascarou o antecessor ao incluir a seriedade de uma empresa que perscruta o mercado imobiliário longe de favoritismos.  

Vou reproduzir na sequência o artigo completo da Folha de S. Paulo de hoje. O material que vai para o meu arquivo de papel é assinado por Raquel Rolnik, urbanista e professora titular da FAU-USP; Sergio Reze, músico, ativista em urbanismo e membro da direção do Movimento Defenda São Paulo; Lays Araújo, articuladora política da iniciativa Negra por uma Nova Política sobre drogas (INNPD); e Veronica Bilyk, coordenadora do movimento Pró-Pinheiros.  

Pensei melhor e fui ao acervo de CapitalSocial. Entre tantas opções, escolhi um texto que publiquei em dezembro de 2013. Os leitores poderão analisar criticamente o material, tendo como contraponto o artigo a oito mãos da Folha de S. Paulo de hoje. Vou intercalar os dois trabalhos. O título da Folha de hoje (“Falácia da Verticalização”) tem muito a ver com a análise que fiz na edição de 5 de dezembro de 2013 (“Parte de agenda ignorada aqui é prioridade da gestão Haddad”). Os leitores talvez cheguem à conclusão de que CapitalSocial tem experiência suficiente, quando não muito sofrimento ante as forças de pressão, para tratar o mercado imobiliário com os adjetivos que merece. Vamos aos dois textos:  

 Folha de hoje  

Uma narrativa tem aparecido recentemente em artigos, colunas de jornais, entrevistas em rádios e posicionamentos —sobretudo de entidades ligadas ao mercado imobiliário, mas não somente delas— definindo movimentos de oposição a processos de verticalização intensa em bairros de São Paulo como NIMBY (sigla em inglês para “not in my backyard”, ou “não no meu quintal”). Essa expressão tem sido utilizada para etiquetar pessoas ou grupos que se coloquem em oposição a projetos ou contra a verticalização da forma como tem ocorrido em São Paulo, importando uma narrativa de outros países de forma a ocultar os interesses do mercado e das finanças na produção dessas mudanças.   

 CapitalSocial de 2013 

Preparei e editei há quase dois anos nesta revista digital o que chamei de “Agenda para o Desenvolvimento Sustentável do Mercado Imobiliário”. É claro que o inútil Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC, sob a batuta do empresário Milton Bigucci, não deu a devida importância. Até porque, no fundo, o material foi também um desafio que, entre outros objetivos, testou até que ponto o dirigente estava realmente interessado em mudar a realidade do setor na região. De zero a 10 a nota dele é menos 10. Se adotasse uma parcela daquelas medidas Milton Bigucci se consagraria. Reescreveria a biografia à frente daquela instituição. Para ser mais preciso, escreveria a biografia como dirigente, porque o resultado de mais de duas décadas de controle do mercado imobiliário pelo presidente da MBigucci é uma sucessão de páginas em branco, quando não manchadas. 

 Folha de hoje  

Apontamos aqui as falácias dessa narrativa. Ela tem como pressuposto que todo e qualquer processo de verticalização resultaria em um espaço urbano mais inclusivo e democrático —o que não é necessariamente verdade e não tem se concretizado na prática. O que assistimos na cidade de São Paulo, neste momento, é a um “boom” imobiliário vertical intenso, que está devastando bairros e não tem ampliado o acesso à moradia para quem mais precisa. Pelo contrário, os produtos imobiliários ofertados têm expulsado boa parte da população que ali se encontrava, assim como postos de comércio e serviços, em função da valorização imobiliária decorrente dessa verticalização.  

 CapitalSocial de 2013 

Milton Bigucci deixou, assim, de apresentar um único legado que poderia ser reverenciado. Mas seria mesmo demais acreditar que um intruso – afinal, sou apenas jornalista – seria levado a sério, já que nem mesmo quem é do ramo e que debandou ao longo dos anos teve espaço institucional para atuar. Não conheço a fundo as propostas do novo Plano Diretor de São Paulo, embora leia exaustivamente tudo sobre o assunto divulgado pela mídia. Em pelo menos um ponto me antecipei oferecendo uma proposta, dividida em dois tópicos, bem mais avançada do que a que está sendo debatida. Seria demais também acreditar que a Administração Fernando Haddad aprofundasse o Plano Diretor e chegasse à agenda que escrevi. A iniciativa poderia botar mais fogo ainda em suas vestes político-partidárias e interpartidárias, porque o PT e as agremiações que lhe dão sustentação já estão em pé de guerra por conta da máfia dos fiscais mancomunada com a máfia imobiliária. Haddad mexeu num vespeiro e incomodou quem vive principalmente de financiamentos eleitorais espúrios. Deu na Folha de S. Paulo de ontem, quarta-feira, que entre as principais propostas da gestão Fernando Haddad está direcionar o crescimento imobiliário para as margens dos corredores de ônibus e metrô, como forma de desestimular o uso de carro. A ideia, segundo a Folha, foi criticada por três dos quatro participantes do debate realizado por aquela publicação. Para eles, algumas vias não suportariam mais adensamento imobiliário. O assunto parece não ter relação com a Província do Grande ABC, mas tem tudo a ver, porque vivemos numa metrópole, em vasos comunicantes. Antes de passar à argumentação dos opositores e do defensor do adensamento imobiliário nos eixos já atendidos por sistema de transporte, reproduzo as duas sugestões conjugadas que redigi há dois anos, retirada do texto que está abaixo, em forma de link:  

 Folha de hoje  

Além disso, como vem ocorrendo, esse processo não garante o uso do solo adequado em relação à infraestrutura urbana; não respeita as características ambientais e os bens e áreas de valor cultural e afetivo da comunidade; e não assegura o retorno para a coletividade da valorização de imóveis decorrente dos investimentos públicos e das alterações da legislação de uso e ocupação do solo. O propalado adensamento, que teria como efeito diminuir a expansão em direção às periferias, na verdade está provocando processos de gentrificação, expulsando os moradores de classe média dos bairros consolidados e os de mais baixa renda para locais ainda mais distantes, reproduzindo uma intensa expansão de ocupações, de bairros autoconstruídos, no absoluto desespero de quem não tem onde morar.  

 CapitalSocial de 2013 

1. Gradualismo na utilização da mecânica de aplicação de outorgas onerosas. Explicação – A introdução do anteparo de outorgas onerosas para atenuar impactos ambientais e viários de edificações excessivamente verticalizadas ainda está longe do ponto ideal. O adicional financeiro exigido para elevar o índice de construção, com consequente investimento dos valores em serviços públicos, não é de todo resolução amenizadora dos impactos dos grandes empreendimentos imobiliários. Está certo que a redução dos limites de construção em relação à área física de determinado terreno significa avanço nas relações do Poder Público e o mercado imobiliário, mas é possível melhorar. O gradualismo sugerido é simples: o peso financeiro das outorgas onerosas seria menor na medida em que os endereços pretendidos pelos investidores imobiliários se afastassem de uma lista previamente definida de corredores viários mais intensamente disputados. Ou seja: contrapartidas financeiras seriam abrandadas quanto mais os empreendimentos imobiliários se afastarem das áreas comercialmente mais nobres. 2) Projetos para a ocupação harmoniosa dos principais corredores viários e seus entornos. Explicação – A febre do mercado imobiliário longe está de apresentar sintomas de loucura. Muito pelo contrário: os investimentos são planejadamente executados para obterem o maior índice possível de retorno financeiro. Os principais corredores viários são o centro dos ataques, intensificando-se medidas de elevação do preço do metro quadrado como mecanismo retroalimentador de novos empreendimentos. A participação do Conselho de Ética no aprofundamento de análises de especialistas que seriam recrutados para mergulhar nas entranhas dos investimentos correria na mesma raia de responsabilidade na aprovação de cada projeto nas instâncias públicas. Os impactos sociais e ambientais de cada lançamento imobiliário nos eixos viários mais suscetíveis à demanda veicular seriam detalhadamente medidos de modo a não se incorrer no agravamento do quadro de desastre associado à massificação de veículos. 

 Folha de hoje  

O debate sobre adensamento é mais complexo do que querem fazer crer aqueles que usam do termo NIMBY com a intenção de desqualificar movimentos que se contraponham aos interesses do complexo imobiliário financeiro. Mais falaciosa ainda é a questão da democratização e do direito à cidade. Ao pautar o debate sobre o planejamento da metrópole em NIMBY versus YIMBY (acrônimo para “yes, in my back yard”, um movimento pró-adensamento das cidades) insiste-se na tese de que a única discussão relevante no planejamento urbano é se vamos ou não aumentar os coeficientes de aproveitamento em bairros consolidados. 

 CapitalSocial de 2013 

Expostas as ideias que, insisto em lembrar, completam dois anos neste 9 de dezembro, reproduzo os trechos mais importantes da matéria de ontem da Folha de S. Paulo. Prestem atenção e vejam como tem tudo a ver com o que escrevi e que, repito, Milton Bigucci, o todo-poderoso e solitário cavalheiro do mercado imobiliário da região, simplesmente desdenhou: a) A ocupação prevista pelo texto (do Plano Diretor de São Paulo), segunda a urbanista Lucila Lacreta, do Movimento Defenda São Paulo, é equivalente ao da Avenida Paulista: “Em muitos locais, a cidade não vai comportar esse cenário”, afirmou. Para ela, essa proposta carece de estudo que garanta que essas regiões da cidade não ficarão asfixiadas. Opinião parecida tem o engenheiro Ivan Maglio, coordenador do atual Plano Diretor, em vigor há mais de uma década. Para ele, a proposta inviabilizará algumas áreas da cidade. “A (av) Heitor Penteado (zona oeste) não vai suportar um padrão construtivo de quatro vezes mais que o tamanho do terreno”. O vereador Andrea Matarazzo (PSDB), que faz oposição ao atual governo municipal, diz que a proposta é inviável. “Parece que esse plano foi feito para uma cidade vazia, que não existe”. Defensor da proposta, o vereador José Américo (PT), presidente da Câmara, afirma que o Plano Diretor em discussão é “muito bom para a cidade”, pois “vai trazer um crescimento qualificado”. Segundo ele, o texto deve ser votado até abril, antes do início da campanha eleitoral. O secretário Fernando de Mello Franco (Desenvolvimento Urbano) é um entusiasta da ideia de povoar os corredores de transporte público. Para ele, ter prédios de seis a oito andares, com comércio no térreo e em diálogo com a cidade por meio de calçadas largas, é totalmente factível em São Paulo – escreveu a Folha de S. Paulo.  

 Folha de hoje  

Se quisermos falar sobre densidades, salientemos que as maiores não estão nos bairros verticais. Estão, sim, nos territórios populares. Aliás, essas formas de construir nos bairros populares, extremamente densas, é que deveriam ser objeto de reflexão sobre que urbanismo queremos e como, a partir de suas lógicas, poderíamos ter outras qualidades urbanísticas e arquitetônicas. Mas, para essas, a narrativa da política urbana é a criminalização: são os ïnformais”, os “ïlegais”, os sujeitos a políticas de remoção ou a intervenções de infraestrutura de má qualidade. E a manipulação discursiva que anuncia seu desaparecimento a partir da ampliação das áreas tomadas pelos produtos verticais do mercado imobiliário. 

 CapitalSocial de 2013 

Aos leitores de CapitalSocial que eventualmente estejam com preguiça de acessar o texto completo do link abaixo, reproduzo apenas os pontos cardeais daquela proposta que ofereci a um mercado imobiliário regional completamente divorciado da sociedade civil entre outras razões porque o presidente do Clube dos Construtores e Incorporadores jamais teve compromisso com o ontem, não está nem aí com o hoje e quer que o amanhã se dane.  Vejam os pontos sobre os quais desenvolvi as propostas: a) Mapeamento do IPTU residencial, comercial, serviços e industrial. b)  Composição de Conselho de Ética contando com representantes da sociedade civil. c) Políticas proativas para disciplinar a contratação de agentes de distribuição de material propagandístico em vias públicas. d) Mapeamento completo de áreas industriais disponíveis. e) Gradualismo na utilização da mecânica de aplicação de outorgas onerosas. f)  Completa transparência administrativa, incluindo-se atividades empresariais dos dirigentes da entidade. g) Comitê misto de avaliação das relações entre agentes econômicos e mutuários de imóveis. h) Organização estatística do valor do metro quadrado na venda de imóveis novos e usados. i) Organização estatística do valor do metro quadrado na locação de imóveis novos e usados. j) Pesquisa anual para aferir o manancial de questões que movimentam o mercado imobiliário. k) Projetos para a ocupação harmoniosa dos principais corredores viários e seus entornos. L)  Plano Estratégico para dar completa transparência à aprovação de empreendimentos. m) Plano Estratégico à organização dos mananciais. n) Mapeamento completo e divulgação permanente de áreas públicas que constam da lista de licitações. o) Formação de diretorias específicas das áreas de incorporadoras, construtoras e imobiliárias. p) Conselho Permanente de acompanhamento e reforço de organismos responsáveis pela condução de políticas públicas de operação do sistema viário. q) Prestação de contas anual em assembleia geral. r) Desenvolvimento de políticas para aumentar a formalização do mercado de trabalho. s) Conselho para analisar criticamente todos os entraves burocráticos ao desenvolvimento do setor, estabelecendo-se medidas em comum para toda a região.  

 Folha de hoje   

Os cidadãos que protestam exercem o legítimo direito de expressar sua opinião sobre as formas de transformação da cidade, considerando os impactos ambiental, social e de vizinhança; os espaços públicos e os ambientes gerados pelas novas edificações; os significados afetivos e simbólicos das regiões; a manutenção de diversidade tipológica e de uso; e os “modi vivendi” construídos ao longo da história —nos bairros do centro consolidado, mas também nas periferias populares. Reduzir esse debate a coeficientes de aproveitamento e gabaritos é abrir mão de pensar a cidade que queremos e que merecemos construir coletivamente. 



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