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Imprensa

DANIEL LIMA - 07/06/2022

Hoje é o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, segundo descoberta que faço de manhã ao ler o jornal Valor Econômico e a Folha de S. Paulo.  

No topo da primeira página dos dois jornais que assino (também sou assinante do Estadão digital e do Diário do Grande ABC), uma tarja preta destaca a data. Não faltam reportagens e anúncios de página inteira.  

O Consórcio de Imprensa é melhor no marketing do que nos produtos finais.  

Não fossem os dois jornais e seus conglomerados de mídia da chamada Grande Imprensa, também integrantes do Consórcio de Imprensa, até acreditaria que a data de hoje seria um símbolo de resistência a supostas intolerâncias e perseguições.  

No fundo, se trata mesmo de um grito contra as redes sociais que tomaram o mando de parcelas dos jogos e, sobremodo, ao governo de plantão que cortou as pernas e os braços de dinheiros fáceis.  

MARKETING POLÍTICO  

O Consórcio de Imprensa (e nesse ponto me alio a profissionais experientes da mídia nacional que sabem o caminho das pedras de interesses recônditos transformados em democracia) faz marketing político e campanha eleitoral subjetivos. Age como a maioria das mídias velhas de guerra de menor porte. O modus-operandi rompe fronteiras dos tempos.  

Para que não me incluam no rol de supostos indignados com qualquer coisa que não seja a prática de jornalismo para valer, vou reproduzir abaixo a entrevista que concedi em agosto de 2015 (olhem a data!) à revista República, com circulação na região.  

Faço ali uma proposta inédita no jornalismo nacional (e desconhecia até então, como desconheço até hoje, algo semelhante) cuja pretensão era contribuir para tornar democrático para valer, no sentido mais amplo do conceito, o comportamento da mídia em geral.  

REPORTAGEM PREMIADA  

Reportagem Premiada foi a expressão que utilizei para sintetizar o que pretendia. É claro que não houve repercussão além daquelas próprias páginas e das páginas desta revista digital.  

Nenhum agente público da região (inclusive nossos nobres representantes nos Legislativos municipais, estaduais e federal) se dignou a mover uma palha na direção proposta. Não é preciso ir longe para entender as razões. Os poderosos de plantão que se curvam às forças estranhas ao jornalismo de verdade detestariam perder a boquinha, que os coloca em vantagem ante pretensos concorrentes junto ao eleitorado.  

Decidi, para esta edição, esterilizar questionamentos do jornalista André Marcel de Lima, impressos naquela revista. Exponho apenas minhas respostas, que dizem tudo sobre o nível técnico das perguntas formuladas.  

Reportagem Premiada é um achado à ética e à moralidade da prática jornalística. O Dia Nacional da Liberdade de Imprensa é uma farsa de cunho eleitoreiro, uma estratégia, mais uma, da mídia militante que atribui a terceiros os conflitos no ambiente política estressado desde algum tempo.  

A falta de regalias do Estado a potentados midiáticos é a questão-chave do jornalismo velho de guerra. Vamos à entrevista de sete anos atrás. Sem qualquer alteração.    

PRAZO VENCIDO  

A quase totalidade do jornalismo impresso no País não se deu conta de que o produto que entregam a cada dia tem prazo de validade vencido. As demais mídias, sobretudo os bons sites e os programas jornalísticos da TV fechada, principalmente, praticamente esgotam a pauta dos jornais impressos do dia seguinte. Há pouca interpretação e muita repetição. O Valor Econômico e o Estadão conseguem saltar dessa redoma de ortodoxia. A Folha de S. Paulo tem gigantesco grupo de colunistas que salva a pátria do noticiário rasante. Os leitores de veículos impressos vão exigir cada vez mais interpretação, análise, opinião. A informação rasa fica para os sites, mas o melhor é não subestimar a força do digital. Já há exemplos bem-sucedidos de aprofundamento e análise.  

MISTUREBA DELITIVA  

A mistureba pouco ética de interesses jornalísticos e publicitários avança na medida em que os veículos impressos perdem receitas e leitores para outras mídias. Talvez a salvação no futuro, uma salvação que já se insinua embora com consistência duvidosa, seja a massificação da leitura online paga, que se espalha pelos grandes jornais. Acredito num processo retroalimentador entre o material físico e o virtual como mola propulsora de sustentação financeira.     

PROVINCIANISMO REGIONAL  

Em linhas gerais e de forma bem resumida, regionalismo midiático significa aparelhar-se de dados, de estudos e de contextos na elaboração de reportagens e análises que não desprezem o mundo externo. Provincianismo midiático é o encarceramento triunfalista e obtuso ditado por informações restritas à região, desconsiderando o mundo externo. E esse mundo externo é elástico, como comprovam as estatísticas e informações relacionadas, por exemplo, ao G-22, grupo formado pelos sete municípios locais e as 15 maiores economias do Estado. O G-22 é fundamental para analisarmos até que ponto estamos conseguindo nos sustentar em várias questões ante a concorrência.  

Provincianismo midiático é o que mais se pratica na região, daí chamar o antigo Grande ABC de Província do Grande ABC. Em suma, os veículos regionais não podem ser escravos do próprio território em que atuam. Devem ter o controle do mando de jogo das informações locais frente quaisquer concorrentes externos, sem se enclausurar numa bolha inviolável.   

JOIOS E TRIGOS  

Há monumentais carregamentos de joio e pouquíssimos registros de trigo com a multiplicação de plataformas de comunicação. É preciso ser especialista na matéria chamada jornalismo para distinguir alhos de bugalhos. Não existe jornalismo respeitável sem profissionais que saibam se comunicar. Para saber se comunicar é preciso ter talento, conhecimento, personalidade e determinação. E ser profissional da área. Há amadores e aprendizes aos borbotões que fazem muita fumaça, apenas fumaça, os quais só resistem ou mesmo ganham terreno de audiência porque vivemos num País pouco exigente com as fontes de informação.   

QUESTÃO DE ESTADO   

Uma das alternativas, além do amadurecimento dos projetos de jornalismo online pago, é a expansão de iniciativas deflagradas no Primeiro Mundo e que consistem em fundações voltadas principalmente ao jornalismo investigativo. A atividade jornalística é questão de Estado, tanto quanto a Educação, a Saúde e a Segurança, entre outras. Deveria, portanto, ser pensada inclusive como instrumento fundamental à democracia. Socorrem-se setores econômicos em períodos de baixa de mercado enquanto a mídia impressa sofre há muitos anos com crises que parecem eternas. Entregam-se tantos recursos financeiros do Estado a partidos políticos e não se criam mecanismos para dar suporte a iniciativas jornalísticas que contribuam à consolidação da democracia, reduzindo a carga de dependência publicitária e de consequentes pressões do mercado privado e de corporações estatais. O assunto merece amplos estudos, porque não guarda relação com subsídio seletivo. Trata-se de dar respaldo econômico a publicações socialmente responsáveis. Respaldo econômico que adviria em forma de premiação por conta de reportagens que redundassem em denúncias de falcatruas com o dinheiro público. Não seria nenhum favor, portanto. O Estado brasileiro, em várias instâncias, oferece bônus a ocupantes de organismos fiscais que atuam na descoberta de corrupção. Essa proposta não tem nada de paternalista; muito pelo contrário, porque vai elevar receitas dos governos em várias esferas e contribuir de forma enfática para combater a impunidade.   

REALIDADE DO MERCADO  

O melhor conselho é que não lhe mintam. Ele precisa conhecer a realidade do mercado jornalístico muito além de William Bonner e algumas poucas cabeças premiadas. Acho que o melhor resumo que poderia sugerir para dizer o estágio em que está o mercado jornalístico é que somos eterno mercado imobiliário em período de baixa demanda, de encalhes, como agora. Sinto uma dor no peito quando recomendo a candidatos a jornalistas que repensem a proposta porque a profissão, para imensa massa de profissionais, é um tiro no pé ao ferir a lógica de que, quanto mais tempo na atividade, mais recompensa financeira promoverá. É exatamente o inverso. Um advogado de qualidade e experiente vale muito mais que um jornalista em semelhante situação. Como já disse, uma das maneiras de valorizar e incentivar a prática de jornalismo é a intervenção independente de fundações mantidas com recursos públicos alimentados por reportagens premiadas por denunciar corrupção. O Estado só tem a ganhar. E a sociedade também.   

PERSONALIZAÇÃO 

No meu tempo de juventude, no Interior de São Paulo, o rádio era o concorrente maior do jornalismo impresso. Mas nada se compara a estes tempos de internet. O lado bom para os profissionais de qualidade é que tanto como o rádio no passado e ainda nestes dias, mas principalmente como a internet nestes tempos, a informação com peso de conhecimento, personalizada, só tem a ganhar ante a massa de notícias com as quais convivemos em várias plataformas. Distinguir-se na multidão de mesmice tem o preço de dedicação completa à atividade.  

PERFIL ADEQUADO 

Prefiro citar conceitos que representam respeitabilidade e credibilidade. Sem leitura intensa e múltipla, sem determinação para encontrar pelo em casca de ovo, sem personalidade rigorosa para se livrar das forças de pressão, sem independência ideológica, sem espirito de cão perdigueiro, sem isso, não se faz jornalismo; faz-se apenas simulacro de jornalismo que, infelizmente, domina o cenário nacional. Inclusive entre muitos dos profissionais de grande visibilidade na área.  

IMPRESSO É BASE  

A base do bom jornalismo é o jornalismo impresso, porque pensado, refletido, perscrutador. Os grandes profissionais do jornalismo eletrônico e digital foram forjados no jornalismo impresso. Quem se construiu nas vias impressas acumulou ao longo dos anos musculatura de maratonista que, com adaptações nada dolorosas, se especializaram em provas menos desgastantes, como as outras mídias. O jornalismo dos jornalistas que não passaram pelo jornalismo impresso é um jornalismo pouco objetivo, repetitivo, muitas vezes enrolador. Quem nasceu na manjedoura do desgaste e do desafio de coletar informações para transformar maçarocas em produto que conquiste leitores sabe o quanto é importante contar com a retaguarda do conhecimento sedimentado. Jornalismo impresso como base da atividade deve ser transplantado para o jornalismo digital ou eletrônico. Caso contrário, é como disputar uma prova de resistência de cara limpa ou disputar a mesma prova de resistência sob o efeito de anabolizantes.  

FAXINA RELEVANTE  

Atualizo permanentemente meu acervo material, destacando páginas de jornais e revistas cujas informações foram superadas pelo tempo. Trata-se de ação minuciosa porque nem tudo que parece descartável de fato é. Aliás, foi num desses processos rotineiros de faxina que descobri bobagens transformadas em matéria-prima do livro "Meias-Verdades". O resumo daquela ópera, que segue valendo, é simples: grande parte dos insumos que viram notícias e opiniões transcritas em jornais se torna imprestável, outra parte ilustra como se manipulam interesses e um terceiro bloco, bem menos denso, sobra como exemplo de compromisso com os leitores. 



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