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Regionalidade

DANIEL LIMA - 31/07/2025

O Clube dos Prefeitos do Grande ABC jamais foi um transatlântico em regionalidade. Nem perto disso chegou. Mesmo sob gestão direta e indireta do criador Celso Daniel. Mas daí a virar um barco furado vai muita profundidade. Uma profundidade que a nova turma de prefeitos, que assumiu em janeiro último, está conseguindo a façanha de afundamento tóxico.

Os dois pilares para que o Clube dos Prefeitos ao menos disfarce a incompetência história estão no brejo do despreparo. Primeiro, a institucionalidade ultrajada pelo partidarismo político. Segundo, as trapalhadas diplomáticas. Uma coisa e outra coisa se confundem. E se explicam. E se agravam.

À parte o que deveria ser a carta de navegação do Clube dos Prefeitos – a imperiosidade de estabelecer mecanismos para fazer o Desenvolvimento Econômico reagir da derrocada que vem do passado – os dois pontos à sustentação razoavelmente equilibrada estão sacolejando. E já provocam náuseas.   

SÓ PODE DAR ZEBRA

O prefeito dos prefeitos Marcelo Lima, titular do Paço de São Bernardo, fez estremecer as relações com o governador do Estado, Tarcísio de Freitas, e também com o prefeito da Capital, Ricardo Nunes. Mistura-se municipalismo e regionalismo sem arte. Só pode dar zebra. A tripulação regional de quase três milhões de habitantes, os orçamentos municipais de quase R$ 20 bilhões e os R$ 150 bilhões de PIB deveriam ser levados em conta quando medidas administrativas alçam voos erráticos.

O que os leitores vão acompanhar nesta análise tem a predominância de fatos, alguma dose de versões e algum tiquinho de especulação. Seria impossível não conduzir  esses três ingredientes à transparência explicativa.

Política é uma atividade cuja precisão de informações trafega num terreno pantanoso. Por isso mesmo não se pode esquecer a dosimetria de especulação, por mais evidentes que os fatos surjam. Especulação no caso tem significado flexível e menos ortodoxo. Não é a verdade subjetivamente insegura, mas também não é a mentira ou meia-verdade consagrada.

SUBINDO O TOM

Certo mesmo e comprovadamente certo é que o prefeito dos prefeitos Marcelo Lima subiu o tom com o governador do Estado por conta de investimentos que não teriam chegado, principalmente no setor de saúde. Prevê-se  caos de atendimento em São Bernardo. Haveria descasamento entre recursos necessários e fluxo de atendimento incrementado nos primeiros meses de mandato. Marcelo Lima imprimiu ritmo de velocista numa maratona. Não tem como dar certo.

Marcelo Lima pisou demais no acelerador, abriu as portas do Hospital de Urgência, entre outras medidas, e um buraco se abriu. E se abriu porque o prefeito repetiu a dosagem de investimentos em outras áreas. O impacto dos primeiros meses de gestão atende à orientação de marqueteiros.

Marqueteiros não têm tradição de decifrar meandros econômicos, de fluxo de caixa, de limites arrecadatórios e de repasses do governo do Estado e do governo federal. Marqueteiros querem populismo nas veias. Assim se ganham eleições onde falta cidadania.

Numa entrevista aparentemente de encomenda que circula nas redes sociais, e também no noticiário da mídia regional, Marcelo Lima usa um tom apenas superficialmente diplomático no recado que enviou ao governador. É uma diplomacia formal, protocolar, mas carregada de entrelinhas.

DESAFABO EDUCADO

Quem não entende de relações de poder acharia normal o vídeo que circula nas redes sociais. Ocorre que Marcelo Lima praticamente pautou o desembaraço de dinheiro do governo do Estado para dar vazão à demanda prometida aos eleitores. Marcelo Lima é um político de sorriso fácil. Mas o Marcelo Lima de rosto de poucos amigos é o que se vê na gravação.

Quem conhece o prefeito de São Bernardo mais de perto sabe que é pouco provável que seja desagradável em público. Marcelo Lima tem magnetismo pessoal e equilíbrio contido. Mas o recado que enviou ao governador ganhou  tom de certo desafio ou desabafo educado.

Desabafo educado é aquela tática de mandar o recado ou reagir a uma situação desagradável com o sorriso amarelo no canto da boca.  Essa linguagem no mundo da política não precisa de tradutor. Basta ter alguma experiência ou não flertar com a estupidez.

GOVERNADOR DECEPCIONADO

A situação entre o prefeito e o governador é de evidente saia-justa. Provavelmente o governador Tarcísio de Freitas já recebeu uma cópia da entrevista de Marcelo Lima. E não deve ter apreciado. Sabe-se que o governador não é político de ceder a pressões. Tampouco a injunções. É um bom negociador, mas não é um negociador que tenha o hábito de ficar de quatro.  

Quem pegar pelo rabo uma situação que se apresenta insatisfatória sem observar um pouco mais atrás no tempo o relacionamento entre o chefe do Executivo de São Bernardo e um governador de Estado que pode virar candidato à presidência da República correrá de errar o diagnóstico. E quem erra no diagnóstico não entende do riscado. 

E agora entra a porção de especulação. A movimentação do prefeito dos prefeitos do Clube dos Prefeitos em direção ao governo federal petista e também ao PT de São Berardo  teria decepcionado o governador. A proximidade está comprovada numa série de ações.

O que um prefeito faz com o destino de um Município é uma coisa. Entretanto, quando ultrapassa a linha de fundo da territorialidade e, como prefeito regional, contamina uma instituição supostamente independente a conversões partidárias, tudo se altera.

Sobremodo quando carrega como apoiadores outros prefeitos. Casos de Gilvan Júnior em Santo André, de Marcelo Oliveira em Mauá, Guto Volpi em Ribeirão Pires e Akira Auriani em Rio Grande da Serra. Somente Tite Campanella de São Caetano e Taka Yamauchi de Diadema não teriam se convertido às manobras à esquerda de Marcelo Lima.

ESQUERDA ALIADA

Afirma-se nos bastidores que o governador Tarciso de Freitas teria feito o possível para evitar constrangimentos nas relações com esquerdistas e neoesqueristas do Grande ABC.

Mas o ambiente se deteriorou justamente porque o afável Marcelo Lima   carregaria um excesso de arrogância nos bastidores. Principalmente no cargo de Executivo Municipal. Marcelo Lima teria se entusiasmado com o respaldo do governo federal.

O deputado estadual Luiz Fernando Teixeira é um interlocutor permanente. Os sindicalistas também. Cargo públicos comissionados teriam sido preenchidos por indicação de petistas.

A precariedade nas relações entre o prefeito e o governador poderá escalar. Grupos de interesse que passam inclusive pela mídia movimentam-se para adensar insatisfação até o limite do razoável.  Há mensagens que procuram jogar no colo do governador demandas velhas de guerra que antecessores no Palácio dos Bandeirantes adiaram indefinidamente. Tudo num pacote fechado.

PRESSÃO ELEITORAL

Pretende-se jogar a bomba da avalanche de investimentos nos ombros do governador. O estoque de mais de dois milhões de votos disponíveis na região serviria de pretensa retaliação bélica para pressionar publicamente o governador.

Trata-se de exagero sem tamanho. Afinal, o eleitorado da região é mais suscetível aos candidatos da região em disputas municipais. O suposto controle perde força em disputas envolvendo outras esferas do poder. As redes sociais dedicam mais tempo e usuários a pautas nacionais e mesmo estaduais.

A evasão de votos a deputado estadual e a deputado federal na região é significativa. Seria pouco provável que candidatos locais nas disputas parlamentares do ano que vem caiam na arapuca de apoiarem em massa candidato a governador do Estado que não tenha viabilidade.

A partidarização explícita do Clube dos Prefeitos sob o comando de Marcelo Lima poderá passar por mudanças nos próximos tempos. Sem essa mudança de rota a relação com o governo estadual tenderia a desaguar em formalidades. É pouco provável que o quadro se agrave, mas também não encontra respaldo um olhar mais positivo de que tudo se resolverá para o bem geral.

O esquerdismo de Marcelo Lima na Prefeitura de São Bernardo, num plantio eleitoral que ensaia sucesso à reeleição, é rejeitado discretamente na região quando transposto ao Clube dos Prefeitos. E é esse o nó que precisaria desatado para que as relações diplomáticas com o governo do Estado não naufraguem de vez.  

PUXADINHO GOVERNISTA

O puxadinho da chamada Casa de Brasília do Clube dos Prefeitos é visto pelo outro lado do balcão partidário, o lado do governador do Estado, como um ponte explicita e implícita do engajamento de Marcelo Lima à esquerda lulista, petista e sindicalista.

A participação do deputado federal Alex Manente, que poderia quebrar a lógica esquerdista, é observada como peça de dissimulação. Manente é um notório vira-casaca. Já esteve ao lado do PT de Luiz Marinho e ao lado de Orlando Morando nas eleições municipais. Manente dança conforme a música de conveniência. É um surfista eleitoral. Sempre se dá mal nas eleições municipais. Jamais as venceu. Mas capitaliza-se às eleições estaduais e federais.

O nó diplomático envolvendo o prefeito dos prefeitos do Grande ABC estende-se à gestão de Ricardo Nunes, em São Paulo. Anunciado com festas recentemente como oitavo integrante do Clube dos Prefeitos, primeiro como agente oficial e em seguida como convidado, Ricardo Nunes se afastou do programa de combate à criminalidade.

Operações que colocariam a Capital como centro de investimentos nas divisas com a região desapareceram do radar do Clube dos Prefeitos. Os prefeitos do Grande ABC anunciaram na semana passada medidas circunscritas às áreas das respectivas vizinhanças.

No observatório de preocupações do Clube dos Prefeitos, a cidade de São Paulo deixou o mapa contra o crime. Nada mais patético. Experimente pedir um café com leite na padaria da esquina e veja se é possível evitar a mistura. De cinco quintos de dimensão demográfica, a Capital do Estado representa quatro partes na conjugação com o Grande ABC.  

Café mais escuro ou mais claro depende do gosto do freguês. O Clube dos Prefeitos ficou com o copo cheio de café frio ou com o copo cheio de leite azedo? Qualquer resposta serve.

ENRASCADA PARA VALER

É contraproducente o custo-benefício de partidarizar o Clube dos Prefeitos. É ingenuidade imaginar que não haveria resposta do outro lado. Há muito tempo as relações políticas deixaram de ser locais ou metropolitanas. A partitura é nacional com dois lados definidos e um centro dividido mais à direita, mas também com senso de oportunismo à esquerda.

Marcelo Lima meteu o Grande ABC numa enrascada diplomática, por assim dizer, ao entregar-se ao governo federal de plantão.

É verdade que Marcelo Lima não é o primeiro prefeito dos prefeitos a converter interesses municipais em pauta regionalizada tendo o futuro político pessoal como objetivo principal. Mas eram tempos menos suscetíveis a exposições públicas contraditórias, quando não denunciatórias e exploratórias.

O vídeo que faz do governador alvo de pauta flagrantemente desafiadora, quando não contestatória, desnuda uma diplomacia que já fazia água. Não parece ajuizado opor-se tão ostensivamente tanto ao governo do Estado quanto à vizinha Capital do Estado.

Marcelo Lima deveria dar uma espiadinha no ambiente geopolítico internacional envolvendo o Brasil. Muitas vezes as consequências tiradas do contexto enganam o distinto público. O prefeito dos prefeitos do Clube dos Prefeitos ainda não chegou ao estágio de vitimismo. Convém avaliar bem a situação.



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