 
 DANIEL LIMA - 25/09/2025
DANIEL LIMA - 25/09/2025
Levantei-me ontem às seis da manhã com uma ideia na cabeça e três jornais na garagem. Queria distinguir a diferença de tratamento editorial de primeira página da cobertura da reunião da ONU, em Washington, especialmente a síntese das declarações de Lula da Silva e Donald Trump, explorada pela mídia eletrônica durante toda a tarde. As informações da mídia eletrônica, inclusive as versões digitais da mídia impressa, eram controversas dependendo de vieses cada vez mais explícitos. Cada lado apresentava um placar diferente do outro.
Vou fazer uma novelinha camarada até chegar aonde pretendo para afirmar categoricamente que o Diário do Grande ABC perdeu a maior oportunidade de imprimir a melhor das manchetíssimas entre todos os jornais que consultei, inclusive jornais além da garagem. O Diário do Grande ABC sofreu um apagão editorial.
Defendo amplamente o Diário do Grande ABC como fortaleza de conceito ligado à máxima de que manchetíssima que se preste no jornal tem de ser regional. Por isso esperava tanto Lula quanto Trump na primeira página do jornal, ocupando a manchete das manchetes, porque manchetíssima é isso. Mas prevaleceu o apagão editorial.
CLÁUSULA PÉTREA
Defendo sim o Diário do Grande ABC dando total e inexorável suporte à primeira página regional porque foi exatamente este jornalista, em 2004, quando Diretor de Redação do jornal, que acabou com a farra da subalternidade da manchetíssima a outro território. Especialmente, acreditem, à manchetíssima do Jornal Nacional.
E não foi nada por acaso, por provincianismo. Tratava-se de política editorial. A Redação passou a trabalhar intensamente em temários locais para que houvesse competição sadia pelo trono da manchetíssima. Havia dia que ao menos três reportagens constavam da disputa. Uma maravilha.
Durante os 11 meses que passei no comando do Diário do Grande ABC, entre 2004 e 2005, apenas uma edição deixou-se vencer por temário externo. A morte do Papa João Paulo II não poderia deixar de ganhar destaque, mesmo que ocupando a manchetinha da primeira página, um degrau abaixo de importância da manchetíssima. Mas o Papa foi elevado à manchetíssima.
MELHOR A ESCASSEZ
O problema todo de ficar escravo, por assim dizer, da politica de manchetíssima regional é que o Diário do Grande ABC tem passado há longos anos por fragilidade editorial e isso leva a forçadas de barra para sustentar o que se tornou espécie de cláusula pétrea. Mesmo assim, ainda acho que é melhor a escassez regional do que a fartura extraterritorial.
A manchetíssima de ontem do Diário do Grande ABC deveria contemplar em dose dupla o interesse dos leitores sem que sequer a decisão resvalasse na desativação do modo regionalidade. Como assim? Vou explicar.
Estou em dúvida se explico imediatamente ou o faço após revelar as manchetes dos jornais que consultei e apontar a melhor manchetíssima.
Está certo: vou optar pela revelação que contempla a regionalidade, para depois incursionar por outras plagas. A manchetíssima de ontem do Diário do Grande ABC, a manchetíssima que detestei, foi a seguinte:
 REGIÃO SE UNE PARA REAGIR À QUEDA EM EXPORTAÇÃO A EUA PÓS-TARIFAÇO
 REGIÃO SE UNE PARA REAGIR À QUEDA EM EXPORTAÇÃO A EUA PÓS-TARIFAÇO 
Feita essa reprodução, revelo ao leitor a manchetíssima indispensável para contemplar o que mencionei logo acima. Vejam:
 REGIÃO REAGE À TARIFAÇO ENQUANTO LULA E TRUMP TROCAM FARPAS NA ONU
 REGIÃO REAGE À TARIFAÇO ENQUANTO LULA E TRUMP TROCAM FARPAS NA ONU
A escolha não pode ser vista como engenharia de obra feita. Estava na cara a junção de dois fatos relevantes envolvendo o Grande ABC na mesma data. O imbricamento do evento na ONU e o encontro no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (tratei disso ontem) em São Bernardo representavam um casamento perfeito. Sem ferir o espirito imantado de primeira página regional, muito pelo contrário, matava a sede de informação dos leitores.
PIOR AINDA
Mas essa história envolvendo o Diário do Grande ABC de ontem está longe de acabar. Não foi só a separação de corpos entre o evento em São Bernardo e o evento na ONU que caracteriza o equívoco do jornal. Há uma coisa muito, mas muito pior: enquanto todos os jornais impressos do País, consultados por mim, abriram manchetíssimas ao embate (é disso que se tratou o encontro) entre Lula e Trump, o Diário do Grande ABC além de não juntar o que sugeri que juntasse como pauta extraordinária, omitiu-se completíssima, na primeira página, em qualquer espaço de primeira página, sobre a jornada em Washington. Pode isso, Arnaldo?
Numa linguagem tipicamente de Redação de jornal, o que foi reservado a Lula e a Trump em forma de notícia foi uma “tripinha” de notícia na página interna, ao lado do destaque dado aos termos da manchetíssima. Como deveria ter sido a edição do Diário? Coisa simples: o texto teria de ser único, costurado em simbiose com os dois acontecimentos, sem interdição de raciocínio. Ou seja: teria de reunir todas as informações como peça integral, contextualizando-se o local e o internacional.
Creio que esse assunto está liquidado, mas é sempre importante dizer que não faço essa crítica pública ao Diário do Grande ABC pelo simples prazer de fazer. Como Ombudsman não autorizado do Grande ABC tenho obrigação de atuar quando entendo que é hora de entrar em campo.
SEMPRE O MESMO
Há um bobalhão num grupo de aplicativo que ainda ontem, para variar, fez pouco-caso da autodenominação de Ombudsman do Grande ABC. Não perco tempo nas redes sociais para responder a esse detrator remunerado. Como ex-Ombudsman do Diário do Grande ABC em dois períodos, representando o jornal perante os leitores, sinto-me à vontade para, nesse caso, representar os leitores junto ao jornal. E estamos conversados.
Agora, para completar, vou revelar aos leitores qual foi a melhor manchetíssima dos jornais de ontem. Vou expor cada um, tanto os que recebo em casa quanto os que encontro na Internet. Vamos então à tarefa:
1) Folha de S. Paulo – Trump fala em “excelente química” com Lula na ONU, e líderes devem conversar.
2) Estadão – Na ONU, Trump cita “química” com Lula e anuncia reunião sobre tarifas.
3) Estado de Minas – ACENO PARA DIÁLOGO.
4) Correio Braziliense – Lula e Trump marcam conversa após troca de críticas na ONU.
5) Tribuna de Santos – Donald Trump anuncia reunião com Lula após conversa na ONU.
6) O Globo – Na ONU, Trump cita “química” com Lula e anuncia reunião sobre tarifas.
7) Valor Econômico – Lula e Trump trocam farpas na ONU, mas acertam conversa para próxima semana.
FAÇA A ESCOLHA
Recomendo aos leitores que releiam as sete manchetíssimas expostas logo acima. Deem mais uma olhadinha, não custa nada. Insistam. Agora, com cuidado, decida-se por uma, apenas por uma, não mais que uma. Decidiu?
Quer saber qual este Ombudsman escolheria sem pestanejar porque não se pode pestanejar quando há encadeamento lógico de fatos hierarquizados como definição do encontro em Washington? Escolho sem qualquer dúvida a manchetíssima do Valor Econômico. Diz praticamente tudo. E posso garantir aos leitores que a manchetíssima que destinaria ao Diário do Grande ABC, já sugerida, não é fruto de qualquer combinação entre as manchetíssimas externas. Nadinha da Silva. Nem mesmo o verbete “farpas” utilizado pelo Valor Econômico.
Agora vou contar um segredinho aos leitores. A ideia de escrever sobre a melhor abordagem que os jornais impressos teriam dedicado ao entrevero em Washington povoou minha cabeça ontem à noite, quando me dirigi ao computador para antecipar a manchetíssima publicada ontem.
Como não tinha conhecimento de como os jornais dariam tratamento ao assunto, e nem imaginei fazer o que estou fazendo hoje, decidi escrever mais uma breve análise sobre o jornalismo nestes dias. E não é que, análise pronta, descartei o uso na edição de ontem justamente para dar espaço à barbaridade cometida pelo Diário do Grande ABC e as definições dos jornais que recebo fisicamente e também por meio digital a cada dia?
OUTRA EDIÇÃO
Conclusão final? Decidi deixar como estoque preventivo a análise sobre a desmoralizante função do jornalismo profissional nestes tempos democráticos de fake news que, ao contrário do que imaginam os sábios do Supremo Tribunal Federal, vão muito, mas muito além da formalidade de informações concretamente desvirtuadas.
Jornalismo profissional que se preze ou se despreze é muito mais corrosivo com fake news do que os amadores trapalhões da Internet.
Para completar, reproduzo o original -- sem qualquer retoque -- da primeira análise sobre a função de Ombudsman não autorizado, publicada há 11 anos. Acho que vale a pena o leitor entender o que se passa nessa cabeça para tirar da cabeça a ideia arbitrariamente estúpida de que este jornalista tem endereço preferencial a críticas sobre barbaridades da mídia.
Decidi virar ombudsman dos
dois jornais diários da Província
 DANIEL LIMA - 03/06/2014
 DANIEL LIMA - 03/06/2014
Quando a Copa do Mundo terminar vou atuar como ombudsman de manchetíssima de primeira página dos dois únicos jornais diários da Província do Grande ABC – o Diário do Grande ABC e o Diário Regional. Manchetíssima é um neologismo que criei para definir a manchete principal de cada jornal. Fui contratado aleatoriamente pela demanda geral dos leitores dos dois veículos de comunicação. Sou um ombudsman não autorizado, por assim dizer.
Decidi investir-me no cargo no começo da tarde de sábado no meu escritório domiciliar. Acabara de almoçar, metera-me computador adentro para dar uma zapeada nos sites quando tive essa ideia para melhorar a qualidade das manchetíssimas e quem sabe dos próprios jornais que consumo diariamente.
AÇÃO VOLUNTÁRIA
Ao dedilhar este texto não tenho ainda o que chamaria de projeto completo de ombudsman não autorizado, mas a experiência me garante alguns pontos que sustentam praticamente a torre que vou erigir. Por ser ação voluntária, sem remuneração (fossem os dois jornais solidários com um jornalista independente o melhor que fariam era mesmo me contratar com amplos poderes críticos que exercerei), tenho que me ater apenas a observar e analisar as manchetíssimas de primeira página.
Certo mesmo é que vou estabelecer um confronto temporalmente errático entre os dois jornais. Não preciso dizer ou vale a pena dizer que as notas começam com zero e terminam com 10? Sim, começam com zero porque vou pegar o touro de cada manchetíssima a unha a partir de certa porção de azedume, indispensável à melhoria contínua do jornalismo. Quero ser surpreendido pelos dois jornais, daí a perspectiva de que poderei elevar a nota a cada avaliação.
QUANTO TEMPO?
Não me perguntem por quanto tempo me dedicarei a essa tarefa. Tudo vai depender das respostas efetivas. Se sentir que estou malhando em ferro frio, não perderei meu tempo. Sempre digo que nos meus tempos de editor costumava cobrar muito mais de quem tinha talento. Os pernas de pau não me tiravam o bom humor. Não esperava mesmo quase nada deles.
Duvideodó, conhecendo o rebanho jornalístico como conheço, que essa medição não vá provocar ruídos e barulhos no mercado editorial da Província. E o objetivo é esse mesmo. Entendo que os leitores têm todo o direito, mesmo que sem autorização tácita, preto no branco, de contar com um profissional experiente para orientá-los sobre a qualidade do produto que andam consumindo.
Está certo que a melhoria das manchetíssimas, que virá, com certeza, não autoriza ninguém a afirmar que os dois jornais, como um todo, também melhoraram. Entretanto, com base no dia a dia do jornalismo diário, experiência desgastante, quando não desumana, asseguro que os reflexos de melhor tratamento editorial se espalhará pelas demais editoriais de cada publicação.
GANHO EXPANDIDO
Assim como os cuidados com um material tão nobre que é colocado diariamente como peça principal da vitrine de informações, matérias periféricas acabarão por ganhar melhor acabamento.
Isso é tão provável quanto uma dona de casa exemplar que, ao distribuir os alimentos na geladeira, prioriza todos os compartimentos em arrumação. O tratamento de manchetíssima não pode ser análogo a um quarto de solteiro. Há de inspirar as demais áreas de redação.
Juro por todos os juros que ficarei muito feliz se a nota média de cada análise for uma nota média mais que satisfatória, porque teria mais prazer de dizer que os dois veículos de comunicação estão na rota da qualidade.
Prometo aos leitores que nos próximos dias voltarei ao assunto, quando pretendo desenhar critérios que nortearão o trabalho de ombudsman abelhudo. Só não posso atender a qualquer pedido que resvale na possibilidade de atuar na avaliação da manchetíssima de primeira página de cada dia porque o ritmo de trabalho seria incompatível com a disponibilidade de tempo. Daí a decisão de me dedicar a essa missão nos dias em que estiver menos sobrecarregado.
Fosse diretor dos dois jornais corria para propor esse trabalho de forma autorizada, mas duvido que isso aconteça. É muito pouco provável que empresário pague a alguém para criticar o próprio produto. A Folha de S. Paulo é uma exceção ou uma das poucas exceções que confirma a regra.
INOVAÇÃO NO MERCADO
No passado, pouco antes de assumir a direção editorial do Diário do Grande ABC, em julho de 2004, atuei naquele veículo como ombudsman durante 30 dias. O período que antecedeu minha posse como diretor de Redação foi uma alternativa encontrada para driblar os então dirigentes da Redação do Diário, Fausto Polesi à frente, que impediram temporariamente a consumação de mudança de poder naquela publicação, por questões que fugiam à minha alçada jornalística. Eram embates entre acionistas oficiais e oficiosos.
Paguei um pato indevidamente, mas aquele curto período foi ótimo porque esquentou os motores de retorno ao jornalismo diário, eu que estava havia década e meia à frente de uma revista mensal de ritmo intensamente diário, mas sem o ônus de fechamento editorial massacrante que impede o adicionar de inteligência no produto final.
Não sei se existe algo parecido no mundo com o que acabo de me conceder, ou seja, alguém autorizado ou não autorizado a atuar como ombudsman de jornais de terceiros, mas estou autonomeado e acabou. Os leitores dos dois jornais deverão se manifestar diretamente a mim, se assim acharem conveniente, mas tendo o limite do espaço editorial a que me impus: nada que ultrapasse a manchetíssima será atendido porque superaria os limites a que me impus.
PATERNIDADE
A propósito do verbete “manchetíssima”, o utilizei pela primeira vez em 20 de agosto do ano passado. Tomei gosto. Constato que não existe em dicionário algum. Uma falha imperdoável que poderá ser corrigida. Nossa armadilhesca língua é rica em flexibilizar conceitos. “Manchetíssima” é a manchete das manchetes de primeira página.
Seria pleonasmo utilizar “manchetíssima de primeira página”, mas enquanto houver resistência ou ignorância dos filólogos e assemelhados, seguirei em frente. Um dia eles vão ceder à inovação. Há coisas muito piores sacramentadas.