Regionalidade

Vírus: fracasso do Clube dos
Prefeitos é obra permanente

  DANIEL LIMA - 09/04/2021

O fracasso estratégico e operacional do Clube dos Prefeitos do Grande ABC (oficialmente Consórcio Intermunicipal) no combate ao Coronavírus é uma obra de 30 anos de tragédia organizacional, com direito a breves intervalos nos tempos em que Celso Daniel acreditava que poderia alterar a rota do destino.  

Por isso, ou seja, por conta de nova prova provada de que agride o ramo conceitual e prático da regionalidade, o desempenho do Clube dos Prefeitos durante a pandemia não é outra coisa senão uma obra que segue em construção. O que não equivale à conclusão apressada, quando não oportunista, de que deva ser desativado. Os vereadores de São Bernardo não entendem patavina de regionalidade para meterem o dedo nessa cumbuca.  

Pior que contestar a possibilidade ao que parece já desarticulada de esvaziar a e entidade com a retirada de São Bernardo é destilar a ideia junto à sociedade de que o Clube dos Prefeitos é algo que se aproxime minimamente dos anseios e necessidades de uma reviravolta geral. Quanto mais, vejam só, defender a estupidez de que o Clube dos Prefeitos é um sucesso de público e bilheteria. Nada disso.  

Amontoado histórico  

O que se tem com o prefeito dos prefeitos Paulinho Serra nesta temporada e o que foram as experiências anteriores com outros prefeitos dos prefeitos, inclusive Paulinho Serra do primeiro mandato, é um amontoado de promessas não cumpridas, de planos completamente fora do foco de recuperação econômica da região e uma barbaridade de condicionantes que fazem do Clube dos Prefeitos um tiro nágua.  

Paulinho Serra goza do prestígio de uma parte da mídia porque Paulinho Serra sabe como funcionam determinadas mídias da região. Mas não resiste à frente do Clube dos Prefeitos ao crivo de objeções fundamentadas. Como seus antecessores não resistiram. Com o agravante de que o Coronavírus faz um estrago suplementar dos infernos.  

Terceira divisão  

A salvação da lavoura da maioria dos prefeitos da região no combate ao vírus chinês é que a exposição de políticas adotadas não encontra o mesmo grau de cobranças enfrentadas pelo governador do Estado e o presidente da República. Mas, mesmo assim, como se viu ainda outro dia em pesquisa do Instituto ABC Dados, os resultados municipais foram muito aquém do esperado para quem supostamente está na terceira divisão de atenção da sociedade.  

O enfrentamento do vírus chinês é uma sequência de combates que exigem versatilidade, flexibilidade, determinação e técnicos competentes. A literatura sobre essa guerra está sendo produzida em tempo real em todo o mundo. Há reviravoltas que colocam a nu o fundamentalismo político- ideológico tanto dos especialistas quanto da mídia em geral. Direitistas e esquerdistas, extremos de um País dividido na loucura febril da politização de tudo, digladiam em torno de verdades e convicções que se desmancham ao sabor de novas investidas supostamente erráticas do vírus.  

Essa situação geral ameniza o fracasso do Clube dos Prefeitos do Grande ABC, mas não pode permitir o reverso, ou seja, a falsa divinização dos protagonistas locais, ou de um determinado protagonista local, que, de fato, tem dificuldades até mesmo para ser protagonista, que supõe competência e articulação regional.  

Comitê de especialistas 

A dificuldade dos prefeitos em darem respostas municipais é enorme, mas eles se viram como podem, a bem da verdade e a verdade tem de ser dita e redita. Entretanto, torná-los, ou tornar um deles, no caso Paulinho Serra, o rei da cocada só porque está à frente do Clube dos Prefeitos é um erro de cálculo marquetológico insano.  

Nada garante que se fizesse tudo certo no conceito de que o certo de hoje pode ser o equívoco de amanhã, nada garante que o Clube dos Prefeitos a estas alturas do campeonato contasse com a aprovação da sociedade, que seria refletida nos números municipais, também.  

Talvez a grande deficiência das políticas implantadas, quase todas senão todas a reboque do governador do Estado (a quem Paulinho Serra pretendeu ainda outro dia dar um contragolpe inoportuno) tenha sido abandonar a lógica de que quem deveria estar à frente das iniciativas seria um comitê de técnicos.  

Equipe forte  

Já escrevi sobre isso tangencialmente aqui. Quem conta com uma Fundação do ABC repleta de profissionais do ramo da saúde e com uma base operacional que se espalha por toda a região, além do suporte científico de uma Faculdade de Medicina do ABC, jamais poderia ignorar contribuições com o chamamento de especialistas para liderar as iniciativas no Clube dos Prefeitos. Liderar e unificá-las regionalmente. Os prefeitos, leigos na matéria, só teriam a ganhar com isso. Como toda a sociedade. 

Não tenho dúvida de que esses combatentes dispersos na luta contra o vírus chinês formariam um time muito especial. Eles dariam robustez cientifica às propostas a serem implantadas. A dispersão perderia espaço para a objetividade focal, ou seja, para medidas que se fundamentariam nas demandas preocupantes que o inimigo impõe sem limites geográficos internacionais.  

Somos em 30 ou 40 dias potencialmente o que se passa neste momento no Primeiro Mundo, por exemplo. A expressão “onda” da Covid não é outra coisa senão a popularização de um estrago sanitário que desafia permanentemente as autoridades políticas e cientificas.  

Perdendo de goleada  

Não vou atualizar neste texto os últimos dados sobre o vírus chinês no Grande ABC. São dispensáveis, porque proporcionalmente sofrem poucas mutações em relação à média por 100 mil habitantes no Estado de São Paulo e no Brasil como um todo. Morre mais gente na região do que nesses dois referenciais.  

Particularmente em São Caetano, por motivos já esmiuçados, a situação só não é dramática publicamente porque se escondem a gravidade, mas a sociedade local não é burra e expressou o pavor naquela pesquisa do ABC Dados.  

Tudo isso precisa sim ser colocado ao público para que a transparência informativa não seja uma manobra semântica que pretenda esterilizar o senso crítico e, com isso, vender-se gato por lebre nessa que é uma historiografia breve, mas indispensável do que o vírus chinês andou aprontando na região.  

A verdade nua e crua é que estamos perdendo de goleada não necessariamente por causa da individualização de responsabilidade do atual prefeito dos prefeitos. Seria insano atribuir a Paulinho Serra o peso maior do que merece na contabilidade ainda parcial de um balanço inexoravelmente negativo da região.  

Abaixo a individualização  

Qualquer que fosse o prefeito dos prefeitos o resultado provavelmente seria o mesmo, porque a cultura de presidencialismo isolacionista ou grupalista, mas sempre divisionista, do Clube dos Prefeitos, prevalece em detrimento do conjunto do colegiado e, principalmente, de iniciativas que tratem o bicho-de-sete-cabeças do Grande ABC com equilíbrio e responsabilidade social sem olhar as fronteiras político-administrativas.  

A iniciativa tabajarense futebol clube da quase totalidade dos vereadores de São Bernardo de aprovar o enforcamento do Clube dos Prefeitos não durou 24 horas, porque supostamente teria encontrado resistência regional.  

É um exagero acreditar que o Clube dos Prefeitos tenha uma torcida organizada suficiente para resistir à catacumba do destino mais que provável se continuar a enganar a sociedade como exemplar de regionalidade. Talvez o que tenha motivado mesmo o recuo foi uma prática de reflexão coletiva levada pela própria proposta de eutanásia institucional do Clube dos Prefeitos.  

Como abandonar e sugerir o fechamento de algo que jamais contou com a contribuição efetiva da sociedade, inclusive de parlamentares legalmente barrados do baile da regionalidade, daí a expressão Clube dos Prefeitos? 

Brincadeira de décadas  

O que tivemos em São Bernardo em forma de mea-culpa após o suposto grito de liberdade é o que teremos no Grande ABC inteiro se algo semelhante der à luz como proselitismo político.  

Regionalidade é uma brincadeira de mau gosto praticada na região desde que, antes mesmo do Clube dos Prefeitos do prefeito Celso Daniel, este jornalista criou em oposição à situação a revista LivreMercado, em março de 1990. O centro de atenção em forma de mensuração e deglutição dos sete municípios locais observados sob a ótica dos estragos e oportunidades que a globalização imporia segue atualizado.  

Não é preciso dizer que as instituições da região, sem exceção, dormiram no berço esplêndido da grandeza do passado automotivo e não viram o trem-bala das sacolejadas de competividade internacional passar. E continuará a passar, agora que a pandemia está reformatando o conceito de suprimento industrial com prometidas transformações logísticas. É isso que deveria ser a pauta principal de hoje, em paralelo à pandemia.

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