Imprensa

Como segurar o ombudsman
que insiste em se manifestar?

  DANIEL LIMA - 25/08/2021

Faço esforço descomunal todas as manhãs para não deixar que o monstro da impetuosidade jornalística tome minha alma mais do que deveria entre outras razões porque não tenho mais a vitalidade física de até outro dia. Vou recuperá-las, haverei de recuperá-la. Mas leva tempo. 

Temo fracassar na tentativa de superar a paixão jornalística além da conta do que já supero e me meter a fazer diariamente o que já fiz diariamente de forma oficial e de forma aleatória como atrevido. Estou me referindo à função de ombudsman. 

Já fui ombudsman autorizado do Diário do Grande ABC e também ombudsman não autorizado dos veículos de comunicação em geral. 

Voltar a ser ombudsman não autorizado é uma loucura porque a avaliação principalmente de jornais é desgastante. Ler jornais criticamente é uma parada federal. É excessivamente desgastante. Sobretudo nestes tempos sombrios que são sombrios não só porque o presidente seria sombrio mas também porque os adversários potencialmente também o são. 

Torcidas organizadas 

Repararam que só na frase anterior (sobretudo...) o quanto arrumaria de encrenca nestes tempos, repito, sombrios de torcidas organizadas à direita e à esquerda. Não existe torcida organizada ao centro, porque o centro não existe, exceto na cabecinha vazia dos hipócritas. 

Vou reproduzir em seguida um pensamento que expressei nas redes sociais ontem de manhã, a partir das listas de transmissão de CapitalSocial de mais de dois mil leitores. 

Bastou postar para surgirem diferentes ilações dos eleitores que são leitores e que estão na lista não por conta de direcionamentos partidários e ideológicos, mas porque são leitores e eleitores que adicionei aleatoriamente nesse sentido, ou seja, unicamente porque consomem o que produzo há muitos anos. Minhas listras de transmissão não são tribais, de iguais, de engajamento tácito. 

Mensagem polêmica? 

Leiam então o que escrevi e que gerou polêmicas nem sempre bem nutridas de bom-senso. Já esperava por isso. Vivemos num mundo de polarizações e há todo um emaranhado de interpretações que se sobrepõem nas redes sociais à reflexão, o que por sua vez gera ruídos indesejados, mas salutares para o bem da democracia da informação. 

Pelo menos temos democracia da informação nas redes sociais porque na mídia tradicional prevalece mesmo são interesses nem sempre nobres, embora o poder de convencimento seja substantivo, mas cada vez menos representativo. 

Leiam, portanto, o que escrevi para as listas de transmissão de CapitalSocial hoje de manhã: 

 A narrativa da Grande Mídia é um enredo de faroeste interpretativo para boi dormir. Na vida real, é difícil distinguir bandidos de mocinhos. Na Grande Mídia eles são identificados com cores tão fortes que um cretino qualquer sabe que tudo não passa de enganação porque bandidos consagrados viram heróis da democracia. 

Desmascaramento geral 

Agora me diga uma coisa, caro leitor deste site, leitor que não tenha recebido a mensagem no celular, ou seja, a grande maioria dos leitores primários de CapitalSocial: qual seu entendimento ao que expressei em tom de indignação?

Está vendo o quanto seria importante se além deste site este jornalista decidisse criar outro, especializado numa especialidade de desenvolvi nas experiências anteriores? 

O pensamento que expressei como fruto de observações diárias de quem consome doentiamente tudo que que se torna notícia e análise é algo que exigiria desdobramentos do autor. 

Mas o autor, que sou eu mesmo, não tem condições físicas e temporais para dar conta dessa tarefa. Um espaço diário ao ombudsman que mora em mim seria ideal para contribuir ao desmascaramento, na maior parte dos casos, de manipulações da mídia tradicional, aqui e dos principais jornais do País, e, de vez em quando, de emissoras de TV. 

Militância paga 

Como eventual oposição teria dificuldade em me enfiar o escafandro partidário e ideológico, característica dos intolerantes, teria menos dificuldades em superar a correnteza de ilações desairosas.  Aliás, já vivo isso no âmbito da política regional. 

Há os empedernidos militantes de prefeitos, sobretudo de Paulinho Serra, que pretendem me encabrestar. São estúpidos a soldo. Se enfrentei sozinho a marimba do Caso Celso Daniel, porque detinha informações direto das fontes e não me guiei jamais por acordos espúrios, paguei o preço do isolacionismo consagrador. 

Garanto aos leitores que vai ser muito difícil sair do espaço em que me encontro como observador geral do Grande ABC há uma tonelada de anos e décadas. Mas sinto comichão para escrutinar de forma constante o que a chamada Grande Mídia (e também os veículos locais) publicam com ares democráticos mas que não passam de enviesamentos orquestrados. 

Malandragem geral 

O jornalismo nacional visto do alto e sem paixão e corporativismo é uma geleia real de malandragens de todos os tipos. 

Sequestra-se o discurso manjado de defesa da democracia como fonte segura a abusos e proteção. Vejo algumas vozes que se levantam contra as arbitrariedades cometidas em forma de invasão de domicílio constitucional enquanto outras, até outros tempos tão sensíveis ao conceito de liberdade de expressão e de opinião, se calam ou, pior ainda, avalizam as barbaridades cometidas. 

Estou cada vez mais convencido de que a maioria da mídia nacional abandonou completamente e sem pudor a obrigação de observar os dois lados de uma questão e colocá-las de forma justa e honesta à avaliação dos leitores. 

Mais que isso: que até mesmo mais que informar, o poder de interpretação não sonegasse os dois lados da moeda, e que a partir daí, com livre arbítrio, se escolhesse um dos lados, sem problema, mas que colocasse todos os ângulos ao escrutínio individual dos consumidores de informação. 

Sei que pode parecer muito abstrato aos leitores em geral o que pretendo dizer por meio de conceitos. Também é possível que esteja a subestimar o distinto público que, após o advento das redes sociais e do recalcitrante ambiente político, desenvolveu por conta própria mecanismos de proteção crítica. 

Questões locais 

Vou tentar traduzir tudo isso com um exemplo indescartável: como se explica que até outro dia o prefeito Tite Campanella era um dos prediletos da linha editorial do Diário do Grande ABC, quase santificado, e hoje virou desafeto? 

Como explicar fenômeno semelhante que tem o prefeito Orlando Morando, de São Bernardo, como alvo? 

E o deputado Alex Manente, que vive a mesma situação. E tantos outros personagens da política regional. 

Já imaginaram se este jornalista se dedicasse a decifrar tudo isso (decifrar já está decifrado, o que falta mesmo é o mergulho como ombudsman não autorizado) de forma consistente, exemplar e irretocável? 

Mas não se deve sacrificar no altar da coerência e do equilíbrio apenas o Diário do Grande ABC. O modus operandi do jornalismo impresso e eletrônico é isso mesmo, uma colcha de retalhos da colha de retalhos de interpretações e avaliações que desafiam a inteligência dos leitores, ouvintes e telespectadores. Possíveis conexões das publicações com a responsabilidade social não se cristalizam no noticiário. Há uma confluência irrefreável ao descrédito.

Há um festival deformador de narrativas que está a léguas de distância do jornalismo que aprendi a fazer e que se mantém coerente porque não seria a ideologia, o mercantilismo e outras iniciativas que me instrumentalizariam. Custa caro, mas vale a pena. 

Minha história de ombudsman autorizado e também não autorizado é longa. Há mais de três centenas de matérias no acervo deste site que trata do assunto. Reproduzo na sequência, para melhor entendimento dos leitores, a reportagem que a revista LivreMercado publicou na edição de julho de 2004 ao anunciar minha contratação à função. Pouco tempo depois, pouco mais de um mês, assumia a direção editorial do Diário do Grande ABC. 

A revista LivreMercado, que criei em março de 1990, foi negociada com o Diário do Grande ABC em abril de 1997. Uma transposição sem rabichos de débitos em qualquer instância. Passei a contar, então, com 20% das ações. E com a missão de continuar a comandar a Redação, joia preciosa e sempre a salvo de interferências indevidas. Os jornalistas sempre foram respeitados na revista LivreMercado como patrões das informações e análises. 

Fiquei 11 meses no cargo de Diretor de Redação do Diário do Grande ABC. Quem ler o que se segue vai entender tudo. Não preciso desenhar. A reportagem contou com o título “Daniel Lima, primeiro ombudsman do Diário”. Leia. Leia. Leia. Acho que vale a pena quando o contraponto natural, todos sabem, é a subordinação a qualquer preço para se manter num cargo. 

Reportagem de LivreMercado

Diretor-executivo da Editora Livre Mercado, jornalista, escritor e criador do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos), Daniel Lima assumiu no mês passado dupla função no Diário do Grande ABC: é o primeiro ombudsman da história de 46 anos do maior veículo regional do País e passou a assinar Contexto, uma coluna bissemanal. A decisão é complemento da posse formal do jornalista como diretor de redação do Diário em 18 de março, mas não consumada três dias depois porque não aceitou submeter-se à censura de Fausto Polesi e Alexandre Polesi, então acionistas da empresa. 

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A superação de um complicadíssimo enxadrismo societário com o afastamento da família Polesi, que vendeu as ações minoritárias para Maury de Campos Dotto, tornou possível a contratação de Daniel Lima pelo Diário do Grande ABC. Mas o jornalista é enfático: “Minhas atividades como ombudsman diferem completamente das de colunista. A primeira está voltada exclusivamente à audiência corporativa, enquanto a segunda é direcionada aos leitores” — completa. 

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Preocupado em contribuir com a transposição dos ideais de regionalismo que imprimiu em centenas de artigos publicados em LivreMercado e na newsletter Capital Social Online, além de três livros editados nos últimos 30 meses, Daniel Lima faz questão de separar as funções de ombudsman das de colunista. “O compromisso como ombudsman é representar acionistas e diretores junto aos jornalistas e leitores, cuidar dos interesses dos jornalistas junto aos acionistas, diretores e leitores, e preservar os leitores junto aos jornalistas e diretores e acionistas. Já a coluna Contexto é exclusivamente voltada aos leitores. O fio condutor que liga as duas funções é o mesmo. A diferença está na exposição de conceitos, de doutrina, de filosofia” — define.

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Sempre enfático, Daniel Lima afirma que preferiu não estabelecer o que chama de prazo de validade na nova relação com o Diário do Grande ABC, depois de atuar na empresa entre 1970 e 1985, quando ocupou vários cargos. “Não seria um contrato formal como ombudsman e como colunista que obstaria eventual afastamento dessas tarefas, da mesma forma que não impediria uma entrega ainda maior como colaborador da empresa. Há determinados valores éticos e morais que não podem se subordinar a cumprimento de prazos. Estou certo de que a nova direção do Diário do Grande ABC saberá respeitar os princípios que nos levaram a costurar essa parceria que, acredito, é do interesse de quem consome informações na região”. 

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O jornalista assegura que as análises das edições do Diário do Grande ABC seguem o ritual de conceitos que preparou para ocupar o cargo de diretor de redação: “Não teria sentido e muito menos seria respeitoso para com leitores, acionistas, os diretores e os próprios jornalistas que, depois de preparar o que chamei de Planejamento Estratégico Editorial, negasse aqueles estudos como ombudsman ou os transformasse em arquivo morto. Produzi um plano que visa os próximos cinco anos da publicação. Abordei os mais diferentes aspectos, sempre sob a lógica de implementar uma regionalidade comprometida com a geografia metropolitana do Grande ABC. Se desconsiderasse aqueles estudos, inclusive aprovados pelos acionistas majoritários da empresa na fase de negociação do cargo de diretor de redação, não teria o que fazer como ombudsman. Ali estão 38 anos de profissão e 34 anos de experiências práticas no Grande ABC” — afirma o diretor de LivreMercado. 

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Daniel Lima afirma que responde insistentemente a duas indagações dos leitores: por que preferiu assumir o cargo de ombudsman e não o de diretor de redação e por que a newsletter OmbudsmanDiário é restrita aos principais colaboradores do Diário do Grande ABC? À primeira questão, responde sem firulas: “Há esqueletos organizacionais que estiolam a estrutura funcional do Diário do Grande ABC e comprometem qualquer iniciativa minimamente compromissada com pressupostos que exponho no Planejamento Estratégico Editorial. Inventaram um banco de horas que é um atentado à produtividade e à qualidade. Se aceitasse o cargo de diretor de redação sem que os entraves fossem eliminados, me sentiria um piloto de avião sem combustível”. 

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  Quanto ao questionamento sobre a abrangência dos leitores da newsletter do ombudsman do Diário, Daniel Lima é igualmente transparente: “Não podemos ignorar que a redação do jornal passou nos últimos 10 anos, pelo menos, por verdadeiros atentados à qualidade, como tantas outras redações. Portanto, expor as vísceras da corporação, de imediato, para o público externo teria o mesmo sentido de lavar a roupa suja de um time que saiu de campo depois de apanhar de goleada. O Diário passou por tempestades editoriais que deverão ser gradualmente transformadas em sopros de esperança de uma recomposição voltada a fortalecer os laços que o une aos leitores. Trata-se de uma longa jornada. Não há milagres em jornalismo. Não se revelam profissionais de gabarito num estalar de dedos”. 

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 O público restrito da newsletter que avalia as edições do Diário do Grande ABC não é, entretanto, enredo perpétuo, segundo o jornalista. Para Daniel Lima, provavelmente não será longo o tempo de maturação da proposta de emitir a newsletter ao público externo, principalmente aos assinantes do jornal. O jornalista pretende suprimir a coluna reservada ao Conselho do Leitor, impressa aos domingos. “O desenho estrutural e editorial dedicado ao grupo de conselheiros está em desacordo com o que considero ético e respeitoso aos jornalistas da companhia. Não que os conselheiros sejam responsáveis por isso. Nada disso. A invenção dessa instância, no período anterior à nova configuração societária do jornal, foi um ato de democratismo marqueteiro que infringe todos os princípios de relacionamento saudável entre o jornal e seus leitores. Sou francamente favorável à inclusão dos leitores nos debates internos para avaliar e sugerir mudanças no produto, mas jamais com a consistência eticamente gelatinosa com que foi concebido esse conselho. A prática jornalística, quando vista com seriedade e responsabilidade, assemelha-se à medicina, porque informação é poder, é vitalidade comunitária. Não pode, portanto, ser entregue deliberadamente a leigos que muito podem colaborar, desde que, primeiro, estejam sintonizados com os pressupostos da publicação” — afirma. 

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 Daniel Lima é taxativo: “Não abro mão do Planejamento Estratégico Editorial porque ali reside a alma rejuvenescedora do jornalismo antenado com o capital social, que é o conjunto das forças governamentais, econômicas e sociais de uma comunidade. Se aqueles princípios forem postergados, não terei o que fazer como ombudsman”.

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