Esportes

Como evitar que Santo André
vire São Caetano no futebol?

  DANIEL LIMA - 04/10/2021

O clássico mais tradicional do futebol da região, entre Santo André e São Caetano, está sendo jogado fora de campo e quem está ganhando com facilidade é o chamado Ramalhão. Por conta disso, o Azulão perdeu feio nos últimos anos dentro de campo. Tanto que chegou ao vexame de 23 jogos sem vitória, série somente interrompida na semana passada na Rua Javari diante do Juventus.  

Entretanto, nada garante que o barco não vai virar em prejuízo do Santo André. O Azulão de hoje é uma grande interrogação, depois de retumbante frustração nos últimos anos. Frustração que se seguiu a um período de ouro de muito dinheiro do mecenas Saul Klein.  

O Santo André conta com força de tração suficiente para encontrar a segurança de um caminho que o São Caetano ainda não é capaz de acenar porque gosta de flertar com o perigo. 

Tentativas furadas  

Tanto gosta de flertar com o perigo que um novo investidor aparece depois de uma porção de tentativas de falastrões igualmente autointitulados investidores. Tudo depois que Saul Klein deixou de fazer doações milionárias. O clube-empresa desmoronou porque jamais foi clube-empresa. Foi um ajuntamento voluntarista abastecido por um amante do futebol que não cabe mais nestes dias. 

O São Caetano era um farsesco clube-empresa sob os desígnios de um errante chamado Nairo Ferreira. Errante no sentido esportivo, claro. Até porque não faltam indícios de que Nairo Ferreira sabe muito bem lidar com finanças. Poderia até mesmo escrever ou mandar escrever em seu nome um livro de autoajuda. Claro que com o patrocínio de Saul Klein.                 

O enunciado sobre o futuro do Santo André é meio complexo para um entendimento mais acelerado. Por isso vou traduzir, e depois explicar: 

Modelo defasado  

O modelo do Santo André associativista em pleno despertar de uma nova era do futebol empresarial é um tiro no pé que o São Caetano de modelo supostamente empresarial ultrapassado desaguou nos piores exemplos possíveis e hoje, às pressas, depois de período de persistentes percalços, entra em campo com um tapa-buraco de forma atabalhoada, estranha, pouco transparente.  

Se o leitor ainda não entendeu, vou para uma terceira tentativa: 

Ou o Santo André deixa o comodismo de clube associativo de rendimento instável nos gramados e uma trajetória futura incerta porque não terá vez clube nenhum que se mantenha à margem da modernidade, ou acabará fazendo uma jornada de desequilíbrios dentro e fora de campo que poderá lembrar muito o São Caetano de até outro dia e, por conta disso, cairá nas garras de um investidor qualquer, sem comprometimento com a sociedade. Os resultados futuros poderão ser igualmente desastrosos. 

Fixando comparações  

Vou me fixar na comparação entre o Santo André e o São Caetano de hoje tendo como baliza interpretativa dois modelos que não servem como sustentáculo de longevidade e outros apetrechos a qualquer assertiva que coloque o futuro como âncora do futebol profissional dos dois municípios.  

Não vou invadir o terreno do Água Santa de Diadema, tampouco do São Bernardo Futebol Clube, que completam o quarteto mais importante do futebol regional. São modelitos que também não agradam quem observa o futebol muito além das quatro linhas do gramado e também muito distante de personalismos. 

Deixarei esses dois modelos para outra situação. O que interessa agora é o Sansão, como ficou conhecido esse clássico regional, uma ponte de marketing de menor envergadura de Santos e São Paulo.  

Tempos do PT  

Desprezado pelo Poder Público liderado pelo prefeito Paulinho Serra (uma situação de negligência completamente diversa do que se viu no início do século, quando o PT de Celso Daniel incentivou a agremiação como jamais se viu na história, sem que para tanto se impusesse a alienação de independência diretiva), ao Santo André não resta saída senão dar um voo rumo ao amanhã, que é a transformação em Sociedade Anônima do Futebol. A legislação acaba de ser aprovada no Congresso Nacional.   

Mesmo se nadasse de braçadas com o prefeito Paulinho Serra, torcedor apenas da boca para fora, o Santo André não poderia repetir a história com o PT de Celso Daniel. Os tempos são outros e as circunstâncias também.  

É indispensável que o Santo André precisa e deve ganhar independência total, não interessa quem esteja no comando municipal.  

Agilidade para decidir  

Basta obedecer a determinados preceitos de parceria que valorize a comunidade e tenha compromissos de manter o futebol a salvo de remelexos estranhos que os leitores mais espertos sabem do que se trata.  

A direção do Santo André precisa agir com velocidade e determinação para inserir a agremiação na nova legislação esportiva.  

Especialistas no assunto, como os consultores Carlos Eduardo Ambiel e José Francisco Manssur, que atuam diretamente no mercado da bola, veem largas perspectivas de o futebol virar empreendimentos que demandariam interessados em diferentes mercados de aplicadores de recursos, não só do mundo estrito à própria bola.   

A tradução disso é que a bola no sentido formal e emocional de disputas nos gramados tem tudo para tornar-se símbolo de investimentos de risco com potencial de grandes lucros.  

Ganhando dinheiro  

Já há quem ganhe muito dinheiro com o futebol no Brasil. E não são apenas os especialistas na área, intermediadores de talentos que fazem fortunas tanto no mercado doméstico quanto no internacional.  

A imagem de uma bola fundida pelo símbolo de cifrões não é mais miragem. Da mesma forma, segue sendo um peso insuportável para quem ainda não acordou para novas configurações que se traduzem em sociedades participativas de valor mensurável. 

Mesmo que não queira se meter no negócio do futebol o Santo André terá de enfiar a cabeça para valer no negócio do futebol porque o que lhe restaria de alternativa de fato não existe. Exceto subjugar-se a forças estranhas que descaracterizariam a história.  

É romantismo demais sonhar que a comunidade como um todo ou em determinados estrato social suportaria a concorrência profissional que ganhará fôlego e estabelecerá ainda mais a diferença entre competentes e incompetentes.   

Acabou a festa  

O São Caetano de incompetências históricas deveria ser visto como anti-benchmarking, ou seja, jamais ser copiado, mesmo na atual circunstância de futuro incerto. 

Ou alguém acredita na reedição de bilhete de loteria premiado que o São Caetano contou durante anos em forma de doações milionários de Saul Klein?  

Doações comprovadas no Imposto do Renda que investidores em geral de clubes que trafegam entre a legitimidade e a clandestinidade formal são incapazes de comprovar. Ou seja: diferentemente, em muitos casos, de mantenedores do futebol profissional que escondem números a sete chaves.  

Experiência frustrada  

Não é preciso nem mesmo recorrer a terceiros para o Santo André usar a própria experiência e acelerar os passos de modo a evitar que no futuro volte a soçobrar a turbulências que emperraram o futuro durante pelo menos uma década. 

Quem não se lembra dos cinco anos sob a batuta da Saged, empresa comandada pelo empresário Ronan Maria Pinto e um grupo de investidores, em larga proporção torcedores abonados da agremiação?  

A Saged tomou conta do futebol. Ronan foi temporariamente o maior presidente do Santo André dentro de campo e o pior ainda hoje fora de campo.  

Dentro de campo chegou a disputar uma temporada de Série A do Campeonato Brasileiro, após ser vice-campeão da Série B que tinha um Corinthians rebaixado como principal concorrente.  

Fora de campo a Saged deixou um clube endividado e sem um único ativo satisfatório no estoque de jogadores.  

Na Sexta Divisão  

Um contraste acachapante em relação à fartura de craques em potencial, e que se tornaram craques para valer, quando a empresa assumiu a agremiação. A lista é enorme. Trabalho de ourives da bola foi entregue de graça.  

Sem contar que, também no conceito de “dentro de campo”, o Santo André entregue de volta por Ronan Maria Pinto, passou a figurar na Sexta Divisão do futebol brasileiro, que é efetivamente a Série A-2 do Campeonato Paulista.  

Ronan Maria Pinto não pode ser responsabilizado isoladamente pela trajetória nefasta da Saged, que ainda hoje causa rombos nas finanças do Santo André em forma de custos trabalhistas.  

O sonho acalentado pelo então presidente Jairo Livolis de que o clube poderia pulverizar ações no conjunto da sociedade, num modelo de negócios à semelhança das privatizações de Margareth Thatcher, deu com os burros nágua.  

Jairo Livolis acreditou numa mobilização que não passou de duas dezenas de investidores neutralizados ou seduzidos em seguida por Ronan Maria Pinto. Tanto ele como Celso Luiz de Almeida foram apeados da direção da Saged. E os demais investidores jamais tiveram a coragem de contestar Ronan Maria Pinto.  

Saltar ou perecer  

O Santo André precisa dar um salto em direção à Sociedade Anônima do Futebol antes que seja atropelado por eventuais oportunistas que tomariam a direção e fariam do futuro o que o São Caetano tinha como presente até outro dia e que ainda hoje não pode ser descartado. Ou alguém juraria por todos os juros que o novo mandatário, Manoel Sabino Neto, desconhecido na atividade e que atua com um perfil de presidencialismo sem contraditório – e de muita bajulação – não requer cuidados?  

Há tanta bajulação em torno do São Caetano de Manoel Albino que a retirada de um tal de MC Livinho das redes sociais é festejada. Livinho pode não ser um perna de pau, mas o marketing que compensaria a contratação, de olho em milhares de seguidores, não enche a barriga de resultados em campo. Parece pouco provável que Livinho, aos 26 anos, seja reforço para um time que vai disputar a Série A-2 do ano que vem.  

Transição importante  

Clube-empresa que se preza não pode descambar para uma mistureba tão extravagante. Se o critério de popularidade digital for levado a sério, cada time profissional seguiria o exemplo do São Caetano. Não faltam ídolos de segmentos de Internet que nas horas vagas são falsos jogadores de futebol. Livinho é uma exceção não na qualidade técnica, mas na oportunidade que ganhou de conciliar bola e vídeo.  

Dono da maior torcida do futebol da região e, mais que isso, patrimônio quase irretocável da população da cidade porque jamais abandonou o entranhamento que vem do final dos anos 1960, resistindo mesmo ao Saged, o Santo André é uma agremiação que, para virar empresa de futebol sem perder a essência de agremiação associativa, basta tomar cuidados essenciais com a transição.  

Por essas e outras o Santo André não pode errar o passo nesse momento crucial da vida esportiva das agremiações brasileiras.  

Há um histórico que favorece o clube a mudar de roupagem e de destino. A grandeza da conquista do título da Copa do Brasil não está no passado porque o futebol é ambiente em que o tempo não passa de forma ortodoxa.  

Ativos importantes  

Trata-se de um ativo interessante que lustra o ego da sociedade permanentemente. Haverá sempre uma data anual a comemorações, entre outras possibilidades.  

O enrugamento contínuo do tecido de potencialidade competitiva ganha viço a cada nova temporada. A emulação natural que vem do passado lubrificará o entusiasmo contido na sociedade. A Copa do Brasil e uma tradição que vem de longe dão ao Santo André a plataforma a um embarque responsável ao novo enquadramento do futebol profissional.  

Não existe alternativa ao Santo André senão dar um pulo exponencial ao utilizar a plataforma da Sociedade Anônima do Futebol para formalizar uma parceria profissional com quem é do ramo do futebol.  

Tempo é decisivo 

Há diversas opções na praça de negócios que consultores especializados saberão prescrutar. O que não pode é continuar nessa lengalenga de dar tempo ao tempo para que o tempo resolva naturalmente porque o tempo quando não planejado se torna adversário ameaçador.  

E não existe ameaça maior ao Santo André do presente do que ser o São Caetano igualmente do presente que, até prova em contrário, é uma aventura.   

Como é possível entender que o São Caetano do presente, fruto do São Caetano do passado recente e do passado remoto, não é mais um capítulo de complicações que brota e possa florescer à sombra de imprecisões avaliativas que contam inclusive com o consentimento tácito da Imprensa menos crítica e, portanto, vulnerável aos fatos?  

O São Caetano do presente e o São Caetano dos dois últimos anos de fracassos na tentativa de buscar um messias que substituísse a Saul Klein é um São Caetano com alta octanagem incendiária de reputações. Tomara que o novo investidor conte com um entorno colaborativo.  

Sem dependência  

Há referenciais de gestão de um clube empresarial com compromisso social que as principais consultorias saberiam amarrar no sentido de que se dê segurança e estabilidade no futuro. Algo que ao que parece é bastante sólido no caso do Bragantino e do Red Bull.  

O que não falta no mercado de negócios do futebol são diretrizes diversas à escolha do freguês. Livre mercado é o resumo da ópera desse diversidade e da engenharia de acondicionamentos de interesses distintos.  

O que o Santo André não pode cometer é o erro de demorar demais para tomar o caminho que já deveria ter sido trilhado e, mais que isso, dar um tiro certeiro na definição dos especialistas que tratarão do assunto, sem se deixar levar por voluntarismos inócuos.  

O abandono da administração municipal de forma escancarada e inclusive com o direito de o prefeito escalar bate-paus nas mídias sociais para deslustrar a agremiação deve servir de repto à organização estruturada à iniciativa de dar um peteleco no modelo relativamente vitorioso ao longo da história, mas que não se sustenta mais.  

Mão dupla  

No fundo, no fundo, é até positivo, é satisfatório, é ideal, é tudo de bom que o prefeito de plantão e quem quer que seja no futuro não tenha influência alguma no destino societário e comunitário do Santo André porque, como se sabe, na maioria dos casos os políticos só enxergam o futebol como patrimônio social condicionado à duração dos próprios mandatos.  

Há exceções, como o do prefeito de Araraquara, Edinho Silva, ex-profissional da bola na própria Ferroviária. Ao que consta, a especialidade de Paulinho Serra é outra.  

Por essas e outras a direção do Santo André tem de passar sebo nas canelas decisórias e partir o quanto antes para um voo rumo ao futuro que dispense o que fracassou no passado recente e não se aproxime jamais do que se construiu como alternativas em São Caetano, Diadema e São Bernardo, mesmo se reconhecendo que essas configurações da vizinhança são o que se tinha ou se tem para o momento como salvação da lavoura. 

O Santo André é um ativo com uma imensidão de possiblidades no mundo do futebol empresarial que tem como âmago estrutural uma relação de ganhos contínuos tendo a sociedade como parceira.  

Mais Santo André no Santo André e mais Santo André em Santo André serviriam de máxima a estabelecer um divisor de águas entre o que se tem no mercado de negócios na região e o que se poderia ter como contraponto muito mais avançado. 

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