Sociedade

Afinal, qual é a importância
do Grande ABC para você?

  DANIEL LIMA - 29/10/2021

Somente uma pesquisa muito bem-preparada e aplicada, sem qualquer viés triunfalista e filhotes demagógicos, poderia garantir com alguma segurança que o Grande ABC que você percebe no dia a dia é o Grande ABC que eu percebo, e assim sucessivamente como diriam os professores de antigamente. Ou que, diferentemente disso, temos um Grande ABC específico para cada determinada classe social e econômica.  

Parece bobagem, mas esse deveria ser o motor de arranque de uma reviravolta regional neste começo de terceira década do novo século. Já estamos atrasados em propostas e iniciativas restauradoras de músculos econômicos e sociais perdidos passivamente. Tomara que me deem ouvidos. 

Minhas cachorras me deram bola hoje de manhã, no passeio terapêutico diário. Na medida em que pensava nesse assunto, elas abanavam o rabinho. Transmissão de pensamento.  

Menor que o todo  

Brincadeira à parte, o fato é que sonho em ter às mãos e ver compartilhado principalmente entre os tomadores de decisão e formadores de opinião o que chamaria de tomografia completa das percepções dos quase três milhões de habitantes do Grande ABC de sete municípios e baixíssima integração.  

Tenho cá comigo algumas avaliações que não passam mesmo disso, mas que poderiam ser confirmadas ou não entre os resultados da pesquisa.  

Uma das conclusões aparentemente mais óbvias é que o Grande ABC perde em importância em todas as instâncias municipais para os respectivos endereços domésticos. Traduzindo: somos individualmente mais apegados ao local em que vivemos do que ao entorno conurbado que nos envolve.

Somos mais Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra do que Grande ABC. 

O municipalismo é o pai e a mãe dos sentimentos de valoração positiva e negativa de morar no Grande ABC.  

Ponto de partida  

Restaria saber até que ponto esse divisionismo é intransponível ou se existem veredas que permitiriam avanços em direção a um regionalismo mais fortificado e, portanto, encaminhador de resoluções obrigatoriamente regionais.  

Está certo que o municipalismo é um ponto de partida que parece óbvio, mas não está escrito em lugar algum que deva ser algo explicita ou implicitamente esconjurador de preocupação regional. Goste-se ou não do além-limite territorial de cada Município, todos estão inseridos no mesmo saco (de gatos?) do Grande ABC.  

Parece bobagem, mas a exposição de vísceras municipais que tenha como objetivo descobrir os caminhos e os atalhos para elevar em cada morador a preocupação com o conjunto dos sete municípios pesaria muito em qualquer proposta que tenha o Grande ABC como meta.  

O regionalismo não é uma erva daninha no terreno do municipalismo. Diferentemente disso. Pode ser o adubo que falta para que todos ganhem em cada território.  

Conglomerado separado  

O Grande ABC me lembra um conglomerado empresarial cujos resultados gerais dependem dos resultados individuais mas insiste em desprezar sinergias e produtividades.  

O que temos em termos práticos é um conflito de resultados que se estabelecem aquém do desejo, da expectativa e da possibilidade de que o todo poderia ser maior que a soma das partes, porque o fator de crescimento seria a multiplicação, não a divisão que impera. 

Quero dizer com tudo isso que qualquer movimento para revitalizar economicamente o Grande ABC, a partir quem sabe de uma plataforma de forças políticas doutrinadas a uma macropauta em comum, passa necessariamente pela ciência embutida nas pesquisas.  

Não faltam instrumentos a detectar emoções e razões do municipalismo e do regionalismo do Grande ABC. Permanecer na corda bamba da incógnita que está aí ou da chutometria como a que desfilei acima, mesmo com margem de erro não tão elástica, não é a melhor alternativa.  

Divisão prejudicial  

O grande equívoco do ponto de vista político e econômico cometido pelo Grande ABC ao longo da história foram os movimentos emancipacionistas – embora não se possa condenar aquelas lideranças porque o jogo jogado ao longo dos anos não é uma conta exata combinada no nascedouro.  

O que era um único território virou sete. Carregaram-se todas as impropriedades na gestão pública, na repartição de movimentos sociais, na representação de organizações empresariais, na administração da Segurança Pública, na baixa interatividade na mobilidade urbana e tantas outras especificidades de uma área densamente ocupada. Chorar o leite derramado pelos emancipacionistas não vai resolver a questão.  

Reviravolta regional  

Por essas e outras é premente que se pense no Grande ABC do futuro que já chegou fora do quadradismo dos versos decorados por poetas urbanos que procuram o ideal sem se dar conta de que o melhor é encaixar o possível.  

Embora possa parecer o contrário, porque sou espécie de combatente dos males da região, não perco o otimismo que nem sempre expresso. Ainda acho que podemos dar uma grande reviravolta na pauta regional ao tornar o imprescindível obrigatório.  

Não gostaria de ir embora um dia com a frustração de que não encontramos em quase três milhões de habitantes uma porçãozinha de gente capaz de liderar um cavalo-de-pau institucional, econômico e social. É verdade que estamos atrasados, mas não descartados.  

Pesquisas desbravadoras 

Estava diretor de Redação do Diário do Grande ABC em 2005 quando encomendei ao Instituto Brasmarket algo semelhante ao que proponho agora. O resultado da pesquisa foi publicado nas edições de janeiro e de fevereiro da revista de papel LivreMercado, após divulgação no Diário do Grande ABC. As matérias se seguem apenas nos trechos principais. Duas investigações corajosas, porque jamais se tinha rompido o lacre do politicamente correto de revelar as diferenças locais. Leiam alguns trechos do texto “Bem-querer, Mal-querer”: 

 Dá para escrever uma tonelada de papel sobre variáveis que colocam São Caetano como queridinha da população e Mauá espécie de estorvo, conforme pesquisa do Instituto Brasmarket. Quase 90% dos sancaetanenses não trocariam aqueles 15 quilômetros quadrados de Primeiro Mundo, enquanto apenas 27,3% de mauaenses segurariam a barra num Município feito às pressas, remendado aqui e ali. (...) Fosse a administração pública de Mauá preocupadíssima com o destino da população, os dados do Instituto Brasmarket deveriam receber o seguinte tratamento: mobilização emergencial com todos os secretários e representantes da sociedade local, num encontro com representantes da empresa pesquisadora, para que os dados sejam esmerilhados e as ações prioritárias para rebaixar o nível de malquerer imediatamente deflagradas. 

Mais pesquisa  

 Não há expectativa alguma de que a responsabilidade municipal, quanto mais o interesse regional, floresça tendo-se esse campo minado de desinteresse. Isso não significa, também, que a exuberância de São Caetano em matéria de municipalismo seja, em contraponto, a síntese da cooperação ao regionalismo que tanto defendemos. O problema de São Caetano, que o prefeito José Auricchio Júnior dá sinais de que procurará combater, é a síndrome de exclusivismo. O que é isso? Aquele ar de que não está nem aí com a voz do Grande ABC. O antecessor de Auricchio, Luiz Tortorello, durante os oito anos de mandato, simplesmente lubrificou a engrenagem de um bairrismo exacerbado que os prefeitos anteriores igualmente fortaleceram. 

Mais pesquisa  

 Na reunião de pauta deste Diário, reunindo editores e secretários executivos, Rita Camacho, sempre atenta, arregalou os olhos quando cantei alguns dados da pesquisa que seria publicada em parte na edição de domingo. Não resistiu inclusive a fazer o comentário sobre o que estará reservado para Diadema, cujo perfil de ocupação acelerada e expressivamente migratória se assemelha muito a Mauá. Quais serão os números de autoestima de Diadema? Essa foi a indagação de Rita Camacho e de todos aqueles que participaram do encontro que define o que os leitores vão achar nas páginas do jornal no dia seguinte.  

Mais pesquisa  

 Concordamos preliminarmente num ponto: é muito provável que a Diadema de mais de duas décadas de significativas intervenções de um Poder Público sucessivamente de centro-esquerda e reconhecidamente investidora em atividades culturais, entre outros pontos caros aos socialistas, exponha numerologia menos preocupante do que Mauá.  

Mais pesquisa  

 (...) Desconfio de que os dados de Santo André e de São Bernardo serão parecidíssimos, provavelmente com leve vantagem para a terra de Celso Daniel por motivos que depois procurarei justificar. Entre os quais está a queda de velocidade e de intensidade de migrações nos últimos 10 anos, contrariamente ao que ocorreu numa São Bernardo onde só o Bairro Montanhão reúne mais de 100 mil moradores apinhados em morros. 

Mais pesquisa  

 Voltando ao malquerer de Mauá, embora a pesquisa do Instituto Brasmarket não tenha se metido em detalhar razões de tamanha rejeição, é praticamente certo que pesam sobremodo dois pontos cruciais que tornam a Região Metropolitana de São Paulo escandaloso microcosmo do terceiromudismo: o desemprego é uma epidemia que se tenta amenizar com a informalidade e a segurança pública só não é caso de polícia porque a própria polícia, estruturalmente debilitada, já abdicou, de fato, dessa missão. 

Resultado completo  

Agora, o complemento da pesquisa, “Uma homenagem para Celso Daniel”, análise que escrevi para a edição de fevereiro de 2005 de LivreMercado”:  

 Foi espécie de tapa de luva de pelica. E que tapa! Em resposta à omissão generalizada de manifestações pelo terceiro ano de sua morte, em 22 de janeiro de 2002, a memória de Celso Daniel foi resgatada em forma de avalanche de paixão por Santo André. Sim, os 92,2% de índice de autoestima municipal demonstrados por 400 moradores do Município, entrevistados pelo Instituto Brasmarket, os quais representam estatisticamente 670 mil habitantes locais, foram recorde no Grande ABC. Nenhum morador ama tanto sua cidade, garantem os dados do Brasmarket. A mais amada da região não é obra individual de Celso Daniel, mas os 10 anos à frente do Paço Municipal com políticas públicas revolucionárias e, principalmente, dadas as circunstâncias, o impacto de seu assassinato, que o colocou como maior mártir da história regional, deslocaram o eixo de paixão municipal para ângulo surpreendente: Santo André aprendeu a se amar mais e mais com saudades de Celso Daniel.  

Mais resultado  

 O ex-prefeito engendrou série de medidas diferenciadas na gestão pública. Do orçamento participativo à urbanização de favelas, da modernização do sistema viário à humanização do trânsito, do arejamento de praças públicas ao projeto Eixo Tamanduatehy, da reorganização administrativa à aproximação entre contrários econômicos e sociais, da criação do Consórcio de Prefeitos ao lançamento da Agência de Desenvolvimento Econômico Regional, do integracionismo regional ao salto rumo a um ministério da Presidência da República que a própria morte obstou.  

Mais resultado  

 Com isso e muito mais, como o apoio ao sucesso do Santo André, campeão de várias competições, inclusive da Copa do Brasil, Celso Daniel contribuiu para forjar uma cidade que vem do passado forte de autoestima, sem dúvida, mas que carecia de liderança moderna para contrabalançar as dores das perdas industriais ao longo de 30 anos. Não é fácil chegar à frente de Diadema e de São Caetano no Campeonato Regional de Autoestima. Diadema se tornou vice-campeã com 89,9% de paixão dos moradores, contra 89,7% de São Caetano. As duas cidades são semelhantes em suas respectivas realidades. São Caetano foi forjada a partir do começo do século passado por imigrantes europeus e se homogeneíza numa classe média baixa sem grandes solavancos sociais. Diadema foi construída a toque de caixa a partir dos anos 60 por retirantes de diferentes partes do País, atraídos pelo emprego industrial abundante. Erigiu a própria identidade principalmente nos últimos 20 anos de prefeitos socialistas que, mais recentemente, começaram a completar a obra olhando sem preconceitos para agentes capitalistas. 

Mais resultado  

 A decepção que saltou das planilhas do Instituto Brasmarket foi uma São Bernardo de apenas 51,7% de bem-querer, contrapondo-se aos 76% de votos válidos com que o prefeito William Dib massacrou o petista Vicentinho Paulo da Silva nas eleições do ano passado. O resultado final não surpreende porque São Bernardo foi tomada nas duas últimas décadas por levas de excluídos sociais que ocuparam a periferia e, também, porque sofreu fortíssimas baixas em emprego industrial das montadoras e autopeças arrasadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso e pela guerra fiscal e só recentemente em fase de modesta recomposição.  

Mais resultado  

 A performance mais sofrível é de Mauá, que conseguiu apenas 27,3% de índice de bem-querer de 370 mil moradores, sempre considerando a metodologia do Instituto Brasmarket. Igualmente de origem e velocidade migratória norte-nordestina de Diadema, Mauá não conseguiu amarrações culturais e peca por profundas deficiências de infraestrutura urbana e social que cobram muitos recursos orçamentários de uma Prefeitura às voltas com imensas dívidas. O impacto negativo da falta de um prefeito titular, por causa de encrencas jurídicas das última eleições, também abalou o orgulho municipal.

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