Regionalidade

Cada macaco no seu galho,
eis a chave do reformismo

  DANIEL LIMA - 07/12/2021

Coloque uma florista para assentar tijolos, um pedreiro para reger uma orquestra, um maestro para instalar tubos de saneamento básico, um operário da construção civil para enterrar mortos, um coveiro num laboratório de pesquisas, um pesquisador para escrever uma novela; faça isso e você terá muito provavelmente um desastre.  

É assim que deve ser observada a formação de um Conselho Consultivo no Clube dos Prefeitos do Grande ABC para tratar do Pacto de Governança Regional no setor econômico. Fora isso é perda de tempo. É continuar a contemplar o estado degenerativo do setor industrial com reflexos gerais.  

Enquanto a Economia do Grande ABC não for tratada com responsabilidade abrangente, teremos experiencias fadadas ao fracasso. Dísticos institucionais são importantes para amalgamar o gênero humano, mas o gênero humano preguiçoso ou despreparado não vai fortalecer institucionalidades. Mais que isso: as comprometerão. A recíproca é verdadeira. Muitos talentos amesquinham-se em instituições gelatinosas.    

Individualidade e coletivismo 

Na edição de ontem, a propósito do Pacto pela Governança Regional, formulei três enunciados conexos à âncora da desindustrialização. Foi um teste para procurar levar aos leitores a importância de restringir a participação de formadores de opinião e também de tomadores de decisão incrustrados na Administração Municipal do Grande ABC à composição do Conselho Consultivo.  

Talvez tenha parecido a alguns e outros discriminação, uma barreira desnecessária, quando não autoritária, quando não discriminatória, à formação de um organismo auxiliar à emergencial reforma do Clube dos Prefeitos no capítulo relativo à Economia, que deve ser o carro-chefe da instituição criada em dezembro de 1990 pela liderança do então prefeito Celso Daniel. 

Agora, 31 anos depois, o prefeito Paulinho Serra, em fim do primeiro ano do segundo mandato, pode dar uma grande reviravolta na regionalidade escassa do Grande ABC ao adotar medidas que recoloquem o Clube dos Prefeitos na rota de Desenvolvimento Econômico. Paulinho Serra sabe que precisa sinalizar para o futuro.  

Primeira vez  

Na verdade, verdade verdadeira, seria a primeira vez ao longo dos tempos que o Clube dos Prefeitos trilharia o caminho da recuperação econômica regional no sentido mais amplo da expressão. O que tivemos nesse período todo foram algumas ações pontuais e circunstanciais; ou seja, sem a profundidade exigida pela desindustrialização permanente. 

Indo direto ao ponto sobre o teste aplicado como espécie definidora do perfil que deve prevalecer no suposto Conselho Consultivo: quem não tem conhecimento da situação econômica do Grande ABC ao longo das três últimas décadas não pode estar entre os conselheiros. Seria mais que perda de tempo, seria uma pedra no caminho da objetividade.  

Quem ainda pode perder tempo na vida com experimentos mais que condenados ao fracasso, porque de formulação igual ou semelhante ao que naufragou, que siga imaginando que, com os mesmos insumos, se fazem produtos diferentes.  

Por outro lado, quem já viveu o que tinha de viver de fracassos coletivos e vê o futuro como uma corrida contra o relógio biológico, só consentiria em reproduzir a trilha de decepções sacramentadas se não merecer mesmo outra faixa de produção humana.  

Ponto-chave  

Vou ser mais claro ainda quando ao perfil do Conselho Consultivo: desindustrialização é o ponto-chave à definição técnica do perfil dos integrantes do organismo.  

E quem vier com conversa fiada de respostas que estariam ramificadas na ignorância de negar a brutal queda do produto de transformação industrial do Grande ABC não deve passar pelas proximidades da sede do Clube dos Prefeitos.  

Quem, mais que isso, mais que negar, combater os denunciantes do enfraquecimento generalizado das cadeias de produção industrial da região, precisa ser conduzido ao Instituto Padre Chico.  

O resumo da ópera do enfraquecimento produtivo-industrial do Grande ABC está fixado nos números mais recentes, de 2019, da participação relativa do setor automotivo no bolo nacional.  

Doença Holandesa  

Não vamos nem recorrer aos anos 1970, quando praticamente todo veículo nacional tinha certificado de gestação no Grande ABC. Seria formulação provinciana. As mudanças agudas ao longo de décadas colocaram a região com fatia inferior a 10% do total do Valor Adicionado nacional. Uma perda relativa gigantesca.  

E também uma perda direta, ou seja, de produção local independentemente do restante do País. Nossa Doença Holandesa Automotiva é gravíssima e não está vinculada exclusivamente a ter menos no contexto nacional. É também ter menos no contexto interno, regional. Aliás, Doença Holandesa é outro referencial à exclusão de pretendentes.  

Alguém da lista de conselheiro econômico do Clube dos Prefeitos que não tenha passado por um escrutínio de qualificação é alguém que vai atrapalhar o processo de reconfiguração do tecido industrial, o qual precisa ser pensado primeiro com o objetivo de estancar o derramamento de riquezas, segundo em forma de estabilização da atividade na geração de Valor Adicionado e, terceiro, enlaçá-lo numa rede de produção em parceria com setores de serviços industriais que elevem a capacidade de o Grande ABC readquirir parte das perdas acumuladas.  

Bairro a bairro  

É possível fazer um cruzamento filosófico entre o que sugiro para o Clube dos Prefeitos em forma de se montar um time de especialistas na área Econômica com o que o prefeito Paulinho Serra acaba de lançar em Santo André, ao plantar um programa que busca junto aos moradores o conhecimento local, de bairro, que os dados armazenados em redes jamais conseguiriam traduzir porque dados não têm sentimentos.  

Um morador do Bairro Campestre conhece os problemas do Bairro Campestre como ninguém, mas isso não lhe daria o direito de participar da tomada de pulso de decisões relevantes do Bairro Bela Vista, porque o Bairro Bela Vista lhe seria estranho.  

Cada macaco no seu galho é uma frase tão antiga quanto pedagógica. Há outras, com o mesmo sentido, mais nobres, de arcabouço intelectual mais refinado, mais reflexivas até, mas “cada macaco no seu galho” é exatamente o paroxismo do que remeteria à especialidade, porque definidora de uma mensagem de forma mais que esclarecedora.  

Empreitada coletiva  

Aliás, faço uso dessa frase-mensagem no título deste artigo exatamente para reforçar o objetivo de impedir que se cometam mais uma vez a bobagem de acreditar que, quando se levam questões cruciais à decodificação, se devam substituir indivíduos por instituições.  

Não, não e não: essa experiência, repito, já se comprovou fracasso retumbante. Para mudar as instituições, e perpetuá-las, ou fazê-las produtivas, só é possível com qualificações individuais indistintamente selecionadas na sociedade, e inclusive egressas de instituições, mas não compulsoriamente. 

A leitura da máxima “cada macaco no seu galho” em se tratando de institucionalidade regional tem significado mais nobre do que o popular. Preocupar-se somente com o que é da sua conta, como recomenda a expressão original, ganha amplitude coletiva extraordinária quando transposta ao Pacto de Governança Regional no âmbito econômico.  

O “galho” em questão é tão frondoso e múltiplo que jamais poderia ser sinônimo de exclusivismo, de individualismo. Diferentemente disso, porque quando macacos qualificados num determinado galho se lançam a uma empreitada coletiva renovadora, todos, absolutamente todos da sociedade, ganham. 

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