Política

Doria seria uma terceira via
mais viável se fosse Morando

  DANIEL LIMA - 13/12/2021

Se, num passe de mágica, o governador João Doria tivesse sido incorporado pelo prefeito Orlando Morando, o tucano máximo do Estado possivelmente já se teria convertido em plausível terceira via presidencial. Agora, com Sérgio Moro na parada, tudo está mais complicado – e também pouco viável para ambos. 

Lula e Bolsonaro fizeram um trato com o eleitorado e esse trato tem tamanha solidez que o resto não passa, por enquanto ou definitivamente, de especulação, de desejos supostamente profiláticos na política. Uma conversa antiga para ser levada a sério. 

Por mais que exista um poço de diferenças entre ser governador e ser prefeito, mesmo um prefeito de uma São Bernardo poderosa e emblemática de lutas sindicais e da indústria automotiva, não há como descartar o equívoco de João Doria ao se empenhar freneticamente numa estratégia camicase e, por conta disso, ter as portas fechadas para tentar abrir a temporada com mais consistência de arrebanhar o eleitorado. 

Cuspindo e defecando

Como se sabe, e as pesquisas estão aí para não me deixar mentir sozinho, João Doria se deu muito mal ao escolher o presidente Jair Bolsonaro como alvo preferencial ao cargo máximo em Brasília. Motivos justos nem sempre significam rota adequada para quem lida com o eleitorado. 

A pandemia foi a plataforma do desembarque do governador da canoa ao que parece furada mas nem por isso ainda descartável do presidente da República. Doria é acusado de cuspir e defecar no prato de votos que comeu na eleição de Bolsonaro em 2018. 

Não há como negar que o tenha feito mesmo, mesmo que por razões humanitárias o eleitorado mais fiel de Bolsonaro não perdoa e o eleitorado menos fiel de Bolsonaro tem um leque de escolhas que não seja à esquerda. 

Cuidado redobrado 

Enquanto isso, aqui em São Bernardo, Orlando Morando dava um show de equilíbrio ao lidar com o Coronavírus sem enfeitar demais o pavão oposicionista a Jair Bolsonaro. 

Mais que isso: em quase todo o tempo Orlando Morando atuou na mídia com o cuidado de quem sabe que a cristaleira eleitoral precisaria ser criteriosamente cuidada porque na política os estragos ultrapassam o imediatismo e se prolongam em contratos longevos nestes tempos de democracia das redes sociais. 

Morando sabe também que seu patrimônio eleitoral em qualquer disputa é o eleitorado da direita, da centro-direita e do centro-centro. Sempre combateu a esquerda, embora mesmo assim sua oratória jamais tenha se direcionado aos trabalhadores vinculados a centrais sindicais. 

Morando é candidatíssimo a vice-governador na chapa de Rodrigo Garcia. O concorrente a governador é um homem discretíssimo, não entra em dividida e Orlando Morando, mais ebulitivo, soube conter o facho da contundência verbal.  

Errando demais 

Se o governador João Doria mirasse os olhos e a mente em direção a São Bernardo teria encontrado um perfil mais adequado à avaliação de uma situação complexa por natureza – ou seja, não criar animosidade incontrolável junto a uma camada de um terço do eleitorado nacional (e mais que isso no território paulista) na avaliação do presidente da República.

João Doria errou duas vezes e o eleitorado não costuma perdoar. Primeiro, atuou ostensivamente contra um presidente da República sem o qual jamais teria virado governador. Segundo, insistiu num conflito continuado e antagônico que, por mais que esteja forrado de razões quanto ao combate à pandemia, com o porta-estandarte extraordinário da vacina, não obteve a conversão de bolsonaristas e assemelhados. Criou-se entre doristas e bolsonaristas uma fogueira que incendeia qualquer tentativa de diálogo. 

Eficiência não é tudo 

Bem diferente da atuação de Orlando Morando, que cultiva proximidade sólida com o governador do Estado sem, entretanto, partidarizar a política administrativa notadamente no campo de maior visibilidade, ou seja, o ataque combativo ao Coronavírus. 

Nos primeiros tempos o prefeito tucano chegou a dar declarações de apoio à cloroquina, vítima que foi da doença que o levou à internação. Em seguida, diante de repercussões que o transferiram circunstancialmente ao território conflitivo de apoio e restrição ao tratamento, tirou o time da polêmica de campo. 

Embora tenham em comum alguns percalços típicos de executivos públicos no País, entre os quais eventuais suspeitas de irregularidades, João Doria e Orlando Morando nadam de braçadas quando se afere exclusivamente o conteúdo de gestão nos mais diferentes campos. Há uma linha de atuação progressista no sentido etimológico e não ideológico do termo.

Estado no lugar 

Isso significa que Doria e Morando foram à luta para privatizar alguns setores da administração cuja interação e critérios de economicidade na gestão pública convencional de corporativismos atávicos são semelhantes à paixão que os pedófilos têm pela terceira idade. 

O mau gosto da comparação é proposital porque retrata a dificuldade de convencer extratos políticos e institucionais que insistem em colocar atividades sem qualquer intimidade com a atuação do Estado sob o guarda-chuva de interesses que combinam desperdício e ineficiência.

Durante um evento na semana passada em São Bernardo, Orlando Morando fez uma abordagem objetiva, transparente, às vezes eufórica demais (no caso sobre os investimentos da iniciativa privada e de instituições públicas em São Bernardo) e teve habilidade e equilíbrio para mandar uma mensagem subliminar que deverá marcar o discurso que reservaria à condição de possível parceiro de Rodrigo Garcia nas eleições do ano que vem. 

Orlando Morando foi claro e objetivo: não governa com a mão direita de aplausos aos amigos e com a mão esquerda de lambadas nos adversários. Morando usa as duas mãos de direção no sentido de plantar soluções para São Bernardo. 

Excesso e escassez 

É assim que tem sido a gestão do prefeito que reforçou expressivamente, entre outros setores, o atendimento na área de saúde, contemplado com um hospital-modelo inaugurado durante a pandemia. Hospital sempre dá consistência eleitoral. Quando instalado no epicentro cronológico do vírus, nem se fale. 

Talvez falte uma pitada a Orlando Morando no que excede em João Doria: marketing, no sentido mais amplo da expressão. 

É claro que a exposição de um governador do maior Estado do País é compulsória, enquanto na provinciana São Bernardo do gataborralheiresco Grande ABC é um parto abrir caminhos na grande mídia. Orlando Morando tem obtido respostas, mas não na proporção de quem pretende ser vice-governador do maior Estado do País. 

Independentemente disso, enquanto Orlando Morando soube lidar com as dificuldades de comunicação e transmite a sensação de que faz um governo melhor do que parece, João Doria foi ao mais elevadíssimo grau de espetacularização, sobretudo nas diárias, cansativas e monocórdias performances em defesa do combate ao Coronavírus. 

Pesquisas avassaladoras 

O excesso de medidas para se comunicar com a sociedade tornou João Doria uma figurinha fácil dos álbuns de atenção dos eleitores, enquanto Orlando Morando, escasso e discreto, virou exatamente o oposto, uma figurinha carimbada. 

O desempenho quase informal no talk show da Orlando Morando na semana passada, teria sido um sucesso de audiência se ao invés de prefeito fosse governador. 

O desempenho pífio nas pesquisas eleitorais torna o futuro próximo de João Doria desafiador no sentido de que provavelmente terá de compartilhar a disputa presidencial com aliados como Sérgio Moro. Sozinho, não teria como quebrar o círculo de ferro que a emperra. 

Juntando peças 

Ou seja: a terceira via em forma de João Doria é tão improvável quanto a dupla tucana ao governo do Estado não levantar voo. Ou alguém pode questionar essa potencialidade quando se sabe que a maior parcela de eleitores nas disputas estaduais vai começar a se posicionar para valer a partir de abril. Naquela data, Rodrigo Garcia assumirá o cargo por dispositivo legal, atuando dai em diante como titular do Palácio dos Bandeirantes e concorrente até prova em contrário sem o peso de rejeições monumentais dos demais candidatos já conhecidíssimos. 

Orlando Morando é um parceiro de chapa que tem tudo a acrescentar na medida em que deixar de lado a intolerância dos extremos em que se divide a maior parcela do eleitorado nacional e desempenhar um papel voltado ao que interessa, em forma de plano de governo, de ações de governo, como tem feito em São Bernardo.  

Tudo indica que uma das veredas mais prósperas do ponto de vista eleitoral no Estado de São Paulo é a primeira via dos tucanos que, desde 1994, dão as cartas entre os paulistas. E que Rodrigo Garcia-Orlando Morando teriam tração suficiente, por conta da máquina estadual e dos investimentos que virão, porque São Paulo tem caixa para tanto, para uma arrancada extraordinária. 

Talvez o maior risco que os dois aliados tucanos poderiam sofrer seria a contaminação da desgastada imagem do governador nos estratos do centro e da direita. 

Possivelmente isso tiraria o sono de Orlando Morando ao definir o território da política e da administração como porções que não se misturam quando a mistura significa prejuízo tanto para uma quanto para outra. 

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