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Regionalidade

DANIEL LIMA - 11/11/2021

Na guerra pela emergencial potencialização econômica do Grande ABC, região de quase três milhões de habitantes em amplo e continuado processo de enfraquecimento, São Bernardo não pode ser a Bélgica da linha Maginot da França na Segunda Guerra Mundial. Se o for, estaremos muito abaixo da fortificação necessária para, finalmente, enfrentar os desafios e os rombos históricos.  

Ano após ano, com São Bernardo-Bélgica inclusive, estamos perdendo terreno socioeconômico. Ou damos força à regionalidade econômica ou as futuras gerações vãos sentir inveja das antecessoras, que, desde 1980, conhecem reveses graduais e inexoráveis. 

Em enunciado simples, curto e grosso, Linha Maginot tornou-se na linguagem militar sinônimo de inutilidade. A fortificação foi construída na França nos anos 1930 para ser uma defesa contra os alemães. Recebeu esse nome em homenagem a André Maginot, ministro da Guerra. A linha cobria a fronteira entre a França e a Alemanha, mas ficou descoberta no território da Bélgica. Os alemães tornaram a defesa inútil quando invadiram a Bélgica e dominaram a França.  

Circuito incompleto? 

O circuito da regionalidade que se pretende para o Grande ABC parar de se enganar e dizer que é o Grande ABC na área econômica encontra um ponto de interrogação que vamos tentar eliminar em favor de uma grande exclamação.  

Orlando Morando tem argumentos fortes como prefeito -- mas não como agente político importantíssimo da região – de que não prescindiria do restante do Grande ABC para tocar a economia do Município.  

Entretanto, urge compreender que a grandiosidade da alma, do coração e da sensibilidade de um administrador público não tem limites territoriais e muito menos podem ser esquadrinhados por fatores extras.  

Relacionamentos pessoais, administrativos e mesmo ideológicos que pesam numa gestão municipal são suprimentos descartáveis quando entra em jogo a linha de produção de regionalidade indispensável. 

João Saldanha?  

Por conta disso, aliás, estou ensaiando uma empreitada profissional que iria além das quatro linhas do gramado do jornalismo que pratico desde que Cristo apareceu na terra.  

Parece que estão me oferecendo uma oportunidade de ouro para dar uma de João Saldanha que, de analista de futebol, virou técnico da Seleção Brasileira do tricampeonato mundial. 

Isso é apenas uma metáfora, claro, com fundamento comparativo. Até porque não vou largar a batuta de escrever --- porque escrever é minha vida.  

Não pretendo ser mais que um, apenas um, entre alguns selecionados ou mutuamente selecionados, para tentar dar guinada efetiva nos critérios de regionalidade que se impõem, a partir, claro, da pátria amada econômica.  

Como disse na entrevista especial do Diário do Grande ABC de segunda-feira, a política é a Via Preferencial da regionalidade que abarca dois ramais prioritários, a Economia e o Social.  

Sem o entendimento de política como construção de uma atmosfera institucional favorável a transformações, não existe o resto. Como não tem existido no Grande ABC desde que o sindicalismo mostrou suas garras, desde que a guerra fiscal sequestrou nossas indústrias, desde que pequenas e médias empresas foram dinamitadas por causa de tratamentos desiguais em relação as grandes e sempre protegidas unidades do setor, entre tantas outras mazelas que se acumularam ao longo de décadas.  

Bélgica da França?  

Caso se concretize mesmo uma nova esfera de poder (informal) em torno do revigoramento econômico tendo como base uma regionalidade cuidadosamente corretiva, vou agregar valor ao que faço há um bocado de tempo, ou seja, escrever, e juntar forças pró-reconfiguração do tecido produtivo do Grande ABC.  

Por isso entendo que São Bernardo não pode ser a Bélgica da França na Segunda Guerra Mundial.  

Até porque, caso prevaleça a autonomia de São Bernardo num contexto de unificação regional no planejamento e nas ações econômicas, o risco de termos o Município transformado em inimigo, ou seja, a Alemanha da Segunda Guerra Mundial, não é uma carta fora do baralho de conjecturas.  

Mesmo que essa consequência seja involuntária, embora previsível.  

Fissura grave  

Afinal, o fracasso da regionalidade proposta permitirá que fissura territorial no principal endereço industrial do Grande ABC agravaria ainda mais o já frágil mapeamento imposto ao longo dos anos por externalidades de políticas públicas e sacolejos macroeconômicos menos agressivos em municípios sem maiores passivos do que se convencionou chamar de Custo ABC. 

O ensaio de uma regionalidade econômica que leve em conta premente participação efetiva de todos os municípios da região e a participação seletiva de quem é do ramo da atividade e da política, num cruzamento inédito, não permite tergiversações.  

Que os rabos-de-arraia, que as piruetas, que os dribles da vaca, que tudo que signifique práticas ou suposições de inconformidades institucionais, pessoais e políticas entre agentes públicos que comandam o Grande ABC sejam deslocados senão à improvável arquivo morto, mas a um compartimento de menor importância hierárquica quando se observa o Grande ABC do futuro. 

Nada mais importante

Traduzindo a equação: nada é levemente mais importante (ou mesmo digno de ser comparado e avaliado como compensador ou não, sejam quais forem os problemas políticos do Grande ABC nestes tempos) do que o comprometimento com a sociedade sofrida em forma de árduo planejamento, extraordinária definição, de impostergável feixe de realizações e infatigável monitoramento de uma agenda que contemple o futuro regional.  

O passado comprova e reprova a atuação do grupo de prefeitos que dividiram contextos, circunstâncias e situações durante mandatos paralelos, ou seja, a cada quatro anos, em ciclos improdutivos.  

A sincronia cronológica formal das eleições majoritárias na região não combinou com os russos de projetos e ações que pelo menos iniciassem uma mudança de rumo que alteraria mutuamente todos os territórios em que estamos divididos.  

Quem acha que se completa um mosaico com a falta de uma ou mais peças briga contra as evidências, e isso tem ocorrido em larga escala no Grande ABC.  

A interdependência da região gerou uma robusta família de impropriedades e idiossincrasias políticas e partidárias que contaminam a economia. 

Separando e priorizando  

O ovo de pé nessas relações é a separação magnânima de uma coisa e outra. Quebrem o pau, briguem à vontade, mas mantenham intacto os valores da regionalidade econômica. É uma equação improvável, mas não impossível.  

Tanto não é impossível que, no caso presente deste Grande ABC de 2021 e à beira de um triênio complementar de mandato dos atuais prefeitos, 2002-2004, o horizonte se oferece quase de bandeja. Apenas o prefeito Orlando Morando pareceria insensível à jornada em comum.  

Não creio sinceramente que São Bernardo gostaria de ser chamada ali na frente e também no futuro mais distante de Bélgica da França na Guerra Mundial.  

Perdas acumuladas  

Ao contar com 39% do PIB (Produto Interno Bruto) do Grande ABC, São Bernardo não poderia se dar ao luxo de desprezar a vizinhança dependente de sua monstruosidade automotiva. 

O prefeito Orlando Morando deve levar em conta, claro, que essa mesma liderança interna não é sinônimo de intocabilidade estrutural da atividade. Longe disso: cada vez mais o setor automotivo regional é menos importante no mapa regional e nacional, após defecções e descentralizações de investimento nas últimas quatro décadas. 

Orlando Morando provavelmente pensará sobre isso quando lhe for proposto que se junte a todos nós por um Grande ABC de imediato menos vulnerável na Economia e, no médio prazo, suficientemente organizado para reerguer-se como sinônimo de mobilidade social que há muito se esvai.



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