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Sociedade

DANIEL LIMA - 02/05/2022

Se você gosta de cinematografia criminal hitchcockiana, é imperdível o caso do pet shop de São Bernardo, de primeiro de fevereiro do ano passado, concluído após 452 dias com a condenação do homem que atirou no rosto de Daniel José de Lima, pessoa física do jornalista Daniel Lima.  

Seria possível escrever um livro de pelo menos 200 páginas de um assassinato não consumado que virou festival indecoroso e desumano de vale-tudo de mentiras patrocinada pela defesa e seus cúmplices que se disseram testemunhas.  

Para sensibilizar um tribunal popular de sentença a realidade dos fatos é o que menos importa aos criminosos. De preferência, a estratégia é transferir a vilania ao outro lado, a vítima indefesa.   

Faltar sistematicamente com a verdade é uma liberalidade do modelo adotado pelo Sistema Judiciário brasileiro quando exposto a Júri Popular.  

FATOS DESCARTÁVEIS  

O compromisso com os fatos é descartável ao sabor de maliciosidades, imprecisões, manipulações e uma torrente de mentiras inteiras e meias-verdades.  

Lolita e Luly, cachorras de origem e personalidades distintas, embora da mesma raça, Shitsu, ajudaram a derrubar a versão escandalosamente fraudulenta de um famoso e falso perito, Ricardo Molina, com atuação em casos nacionais de retumbante repercussão.  

Molina é o contraponto a tudo que seja verdadeiro. Quando intervém é para confundir, não para esclarecer. O júri popular pode lhe dar sustentação. No caso do pet shop, quase chegou ao intento de macular enredo irrepreensivelmente claro. 

CLASSE EXECRA  

Execrado pela classe dos peritos de verdade, porque se atribui qualificação fora do rito de legalidade, Ricardo Molina de fato é um parecerista. Mas não se conforma em ser parecerista. 

Representantes de sindicatos de peritos criminais querem distância de Ricardo Molina. Ele contamina de desconfiança uma categoria sob as rédeas éticas e regulamentares de técnicas científicas.  

Perito de verdade responde por suas ações. Parecerista atende pressupostamente com muita flexibilidade quem o contrata.  

PAGOU, LEVOU 

Quem paga por um parecer ganha de presente fabulosa fonte defensiva que embaralha o julgamento popular no ambiente que mais interessa – na arena de um Tribunal de Justiça.  

A defesa de Ageu Galera, o criminoso do pet shop, juntou-se a Ricardo Molina para produzir narrativa supostamente cientifica. O importante mesmo na operação era dar verniz e vísceras de veracidade à mentira de que Ageu Galera não atirou no rosto de Daniel José de Lima, o tutor de Lolita e Luly.  

O tiro de uma Taurus 380, desfechado a 50 centímetros de distância, foi acidental na versão farsesca de Ricardo Molina. Um suposto laudo de um falso perito.  

O tiro foi deliberadamente direcionado a matar Daniel José de Lima. Quem atira no rosto depois de engatilhar um revólver atira para matar. Ageu tinha tanta certeza de que matara Daniel José de Lima que se evadiu gélido.  

Ageu Galera, um ex-guarda civil municipal acusado à época dos fatos de tortura em Indaiatuba, onde era funcionário público, poderia ter desfechado mais tiros. Seria perda de munição. Ou então o projétil utilizado era único no tambor de 18 unidades.  

VERDADE ASFIXIADA  

Ricardo Molina foi contratado para asfixiar a verdade dos fatos com provas testemunhais e materiais caudalosas e, com isso, dar vazão a uma horrorosa fantasia. Tanto o réu Ageu Galera, quanto suas testemunhas, funcionários do pet shop habilmente treinados para construir um enredo grotesco, eram peças essenciais. O que interessava era erguer um muro de credibilidade junto aos jurados populares.  

Letícia Galera, mulher de Ageu Galera, se esmerou para sensibilizar os jurados. Deu um show dramático de mentiras durante o julgamento de 17 horas.  

Faltou pouco para Daniel José de Lima, covardemente abatido, virar estatística de homicídios e, mais que isso, dolorosamente mais que isso, ser apontado como responsável pelo incidente.  

RACISMO E MUITO MAIS  

Não se duvidaria que fosse acusado de assédio sexual, tipicidade que dispensaria as demais levadas ao tribunal. Chegou-se, aliás, a insinuar essa impropriedade comportamental. Até de racista Daniel José de Lima foi acusado por falsos testemunhos. O advogado de Daniel José de Lima, Alexandre Marques Frias, é negro. A avô paterna de Daniel José de Lima tinha também um pé na cozinha. “Pé na cozinha” seria discriminação racial? Tudo é possível nestes tempos de abusos interpretativos.  

Médicos do Hospital São Bernardo definiram o quadro de saúde de Daniel José de Lima como “um milagre”, referindo-se ao saldo final da agressão, antes e durante os 10 dias de internação, seis dos quais em unidade de UTI.  

O advogado de Ageu Galera e seus testemunhos insensíveis e desumanos colocaram até os laudos médicos sob suspeição. O vale-tudo para salvar um criminoso não teve limites. 

DESUMANIDADES 

A defesa do réu Ageu Galera e testemunhas fabricadas minimizaram o estágio de vulnerabilidade da vida de Daniel José de Lima. O defensor legal e as testemunhas falsas do réu chegaram ao limite da desumanidade. Só faltou dizerem que o agredido passara 10 dias em alguma ilha paradisíaca, não no hospital.  

O prontuário médico expedido pelo Hospital São Bernardo é específico no risco de morte. Daniel José de Lima está em franca recuperação, mas ainda carrega sequelas físicas.  

Neste domingo que passou se completaram 455 dias desde o tiro que poderia ter sido fatal. Daniel José de Lima pretendia fazer um teste de campo para saber se o nível de recuperação já atingiu estágio superior. Voltar às ruas numa corrida de 40 minutos. O piso escorregadio do asfalto e as dores torácicas que se manifestam conforme o andar da carruagem da temperatura atrapalharam. Daniel José de Lima ainda carrega na região do pescoço o projétil que atravessou a boca.   

Daniel José de Lima prefere adiar a retirada do corpo estranho. Espera ganhar coragem de enfrentar uma anestesia geral.  Um filme estrelado por Richard Gere em que uma paciente morre após a anestesia geral não sai da cabeça de Daniel José de Lima. Uma morte a cada 50 mil casos é uma imensidão para quem teme surpresa.   

Mas, afinal de contas, onde entram as cachorras Lolita e Luly como sabotadoras involuntárias de uma fraude assinada pelo falso perito Ricardo Molina?  

Como pode um profissional colecionador de jornadas midiáticas, desde o caso PC Farias, passando por Michel Temer, pelo presidente da CBF, acusado de assédio por uma funcionária, e tantos outros, ver fracassado o intento de inocentar um criminoso? 

FORA DO PAÍS 

De fato, para valer, Ricardo Molina não viu a farsa que documentou em 16 páginas teatralizadas no palco do Tribunal do Júri do Fórum de Justiça de São Bernardo. Molina estaria, segundo o advogado do réu, Ayrton Alba, em viagem internacional.   

Contava o falso perito com a influência decisiva de uma grife que sufoca a ética e o discernimento é driblado pela mistificação.  

Há tanta habilidade na arte de Ricardo Molina ludibriar o distinto público que o verbete “perito” é automaticamente associado ao próprio nome. “perito Ricardo Molina” está em centenas de registros na Internet.  

A mídia o trata quase como herói, embora na maioria das vezes atue em nome de vilões comprovados. Ageu Rosa, portanto, não é exceção no currículo de Ricardo Molina. Talvez o seja pelo desfecho da sentença final.  

ROUBANDO O ESPETÁCULO  

Pois o “perito Ricardo Molina” tornou-se, mesmo ausente fisicamente, um dos personagens centrais do julgamento de Ageu Galera, o assassino frustrado de Daniel José de Lima.  

Poucos se deram conta de que Lolita e Luly, pequeninas cachorras levadas ao pet shop para banho e tosa, roubaram o espetáculo e salvaram a verdade da mentira. Um desfecho justo para o tutor Daniel José de Lima, abatido por Ageu Galera justamente para protegê-las.  

A origem do crime é a operação padrão de banho e tosa combinadíssimo para se completar em no máximo duas horas. Foram quase quatro horas e, mesmo assim, de serviço incompleto. Da reclamação resultou o tiro no rosto. E a entrada do falso perito na história.  

CRIME DE MACHISMO  

A explicação a tanta selvageria tem origem machista: Ageu Galera se enfureceu ao ser chamado duramente a atenção pela própria mulher e dona do pet shop. Letícia Galera o repreendeu duramente após agredir verbalmente o cliente Daniel José de Lima. 

A sentença de nove anos e quatro meses de prisão, entretanto, pode ter sido uma pena leve por conta da influência do cientificismo de araque do falso perito. Poderia ter sido pior sem que Ricardo Molina se manifestasse como perito que não é.  

Ageu Galera quase saiu livre, leve e solto do julgamento. Júri popular é sempre suscetível a habilidades verbais e supostamente materiais. A defesa de Ageu Galera atuou nas duas camadas. Transformou versões em fatos sem provas materiais e tornou fatos e provas materiais desprezíveis versões. Uma alquimia em que ética e respeito humanos foram atirados no lixo.     

A pergunta obrigatória é onde entram Lolita e Luly no caso do pet shop, como ficou conhecido o ataque virulento de Ageu Rosas ao tutor Daniel José de Lima. 

HORA DAS CACHORRAS  

Lolita e Luly entraram pela primeira e última vez no Pet Shop Galera como clientes, depois de oito anos num mesmo endereço da especialidade, na Avenida Kennedy, também em São Bernardo. A experiência de mudar de atendimento foi trágica. As duas cachorras saíram traumatizadas.  

A robusta materialidade de provas e depoimentos que consolidaram a culpabilidade do crime cometido por Ageu Rosas, inclusive com direito ao furto de acessório de gravação do ambiente do pet shop, foi contraposta pela defesa.  

A premissa fixou-se num ponto frágil sobre o qual o falso perito preparou cuidadosamente um parecer sob encomenda, em julho do ano passado.  

Era preciso retirar o réu Ageu Galera da condição de criminoso, instalando-o num patamar de neutralidade, de alguém que não teve controle mecânico da arma que carregava.  

BRIGA INSUSTENTÁVEL  

Criou-se a fantasia rocambolesca de que, após a reclamação de Daniel José de Lima, estabeleceu-se caos no pet shop. Uma disputa corporal entre Daniel e Ageu, com Daniel atirando-se em direção de Ageu, que portava uma arma, se encerrou com o tiro na boca. Um tiro acidental. A gravação surrupiada pelo assassino liquidaria com essa versão.  

O incidente na versão fraudulenta colocaria Daniel José de Lima como estúpido suicida.  Afinal, teria se lançado desarmado na direção de Ageu Galera. Ou seria outra coisa alguém que se joga contra alguém tendo esse segundo alguém uma arma na cintura, como alegou o defensor do criminoso?  

O crime no pet shop em São Bernardo foi algo tão estúpido e banal, de enredo tão simples, que se tornou inverossímil a muitos. Sobretudo para parte dos sete jurados. Era mais sensato optar pela versão de corpos em choque, de disputa própria de botequim.  

VERSÃO PALATÁVEL  

Como pode alguém que reclama de alguém num balcão de pagamento do serviço ser violentamente atingido em seguida por alguém que desce uma escada com um revólver em punho, e engatilhado?  

Essa contestação mais ao gosto do freguês em forma de perito que não passa de parecerista é muito mais palatável. Ou seja: alguém não atirou em alguém. Tudo fora apenas acidente pós-disputa corporal. Todas as provas em contrário, testemunhais e materiais, passaram a ser questionadas, quando não desclassificadas. Num tribunal de júri a subestimação da inteligência de quem decide no voto é a marca de defensores espertalhões.  

A gravação do ambiente e o sumiço (comprovado pela Polícia Cientifica) do dispositivo que registrou todos os lances no ambiente da recepção do pet shop deixaram de ter o peso preponderante e esclarecedor com a entrada do falso perito Ricardo Molina em campo.  

MANIPULANDO FATOS  

O objetivo da defesa do réu Ageu Galera se mostrou evidente em todos os momentos do julgamento: levar dúvida ou desclassificar os pontos iluminadíssimos de que se tratara de crime deliberadamente intencional.   

Na outra ponta, o advogado do réu instalou as estacas de depoimentos pré-fabricados, embora tão contraditórios que provocaram dissensões. Testemunhas fabricadas até desistiram de comparecer ao julgamento. Outra, passou para o lado da vítima. E sofreu ataques violentos por isso.  

Isso mesmo: dois funcionários abandonaram a arena da tese de tiro acidental plantada a partir de depoimentos colhidos pela Policia Civil 24 horas depois do crime. A única testemunha da vítima, Maria Aparecida Nascimento, prestou esclarecimentos no mesmo dia do crime, requisitada que foi quando estava no Hospital São Bernardo.  

Não bastasse a diferença cronológica que permitiu ao advogado de defesa iniciar alinhamento de versões que, entretanto, se provaram contraditórias, o próprio réu se negou a responder a questionamentos do promotor de Justiça e do representante legal da vítima, o advogado Alexandre Marques Frias.  

SÓ BOLAS LEVANTADAS  

Ou seja: durante o julgamento, Ageu Galera só chutou bolas levantadas pelo defensor legal.  

Tudo é permitido num tribunal do Júri. Mentir e omitir, omitir e mentir. À falta de apetrechos materiais à sustentação de uma versão fraudulenta, esmeram-se os atributos de inventividade.  

Ageu Galera agira com estupidez autocondenatória ao surrupiar o HD que documentara os fatos na recepção e também o descer da escada e o tiro em Daniel José de Lima? Errado. Testemunhos da mulher e também de funcionários (dois dos quais nem estavam no pet shop) foram introduzidos no enredo.  

O falso perito Ricardo Molina tratou de produzir uma versão consubstanciada pelo rebuscamento científico manipulador. Só não contava com a astúcia das cachorras. Melhor dizendo: dificilmente não tenha notado que as cachorras significavam um grande risco às elucubrações da versão paralela.  

CAES DESLOCADOS  

Por isso, também, narrativas de comparsas de Ageu Galera na arte de mentir, deslocaram a presença física dos dois cães a uma geometria que fortalecesse a versão do criminoso. Foram ações preventivas para dar sustentabilidade ao conjunto de mentiras contraditórias e autodesclassificatórias.  

Num Tribunal do Júri, a defesa de um assassino sempre se apresenta após as acusações. E se utiliza de declarações de terceiros para adaptar fatos às conveniências.  

O peso do famoso e farsante perito, apontado pelo sindicato da classe de algo que lembraria curandeirismo forense, sempre é fator decisivo nos embates permeáveis à flexibilização dos fatos.  Um tribunal de leigos dá margem a manobras enfeitiçadoras.  

Parecerista e perito são mundos distintos. Peritos buscam consolidar provas materiais que reproduzam razões fáticas de um crime. Pareceristas são profissionais não necessariamente leais aos fatos. Os primeiros respondem judicialmente em caso de falsificação da realidade. Os segundos nadam de braçadas na impunidade completa.  

CONFORME O FREGUÊS 

Geralmente os pareceristas produzem peças conforme o gosto do freguês. Pareceristas podem ser pagos para mentir.  Peritos não precisam de sofisticação avaliativa. Seguem sempre as provas materiais. Pareceristas são, em regra, prestidigitadores.  

É apropriado aos pareceristas encontrar caminhos supostamente lógicos para dar vazão à credibilidade da versão paralela dos fatos. É indispensável que sejam competentes cenaristas.  

Ricardo Molina é considerado um dos maiores especialistas na arte de torturar a realidade e glorificar versão ludibriadora.  

Por isso foi contratado para transformar um crime banal em crime complexo de desfecho favorável ao agressor. E, claro, contando para tanto com o respaldo de falsidades testemunhais que não só alteraram a cena do crime como demonizaram a vítima. 

Não custa repetir: o modelo de Júri Popular adotado no Brasil permite tudo isso. E muito mais.  

DESVENDANDO O JOGO  

O traçado analítico de esquartejamento dos fatos no pet shop produzido pelo falso perito Ricardo Molina consistiu em atribuir uma trajetória inversa ao projétil que atravessou o rosto de Daniel José de Lima a partir de penetração no canto inferior direito da boca e devastador imbricamento na região do pescoço, numa reta transversal.  

A trajetória do projetil da arma de fogo de Ageu Rosas no piso da recepção do pet shop, após descer um lance de escada com a arma engatilhada em punho, virou o ponto central da operação mentirosa de Ricardo Molina. E de sabotagem involuntária das cachorras mal-atendidas.  

Farta documentação hospitalar aponta o rumo do projetil. Ricardo Molina não brigou com a materialidade dos fatos, base da fajutice do documento preparado para a defesa de Ageu Galera.  

Afinal, não é possível fazer da ciência, uma especialidade respeitada, gato e sapato. Ricardo Molina sabe disso. Por isso, usou a ciência dos exames médicos para preparar um parecer travestido de laudo de peritagem.  

HORA DE GOLPE  

Qual foi o golpe pretensamente de misericórdia do parecerista de encomenda que se apresentou mais uma vez como perito forense?  

A trajetória do projétil de cima para baixo virou trajetória do projétil de baixo para cima.  

O que a olhos distraídos e a mentes pouco instigantes pareceria uma situação inquestionável, de fato era um drible na vaca dos fatos. Nem todos os jurados identificaram a manobra. O sigilo que cerca a função de cada jurado não permite mensuração, embora tanto Daniel José de Lima quando o criminalista que o defendeu, Alexandre Marques Frias, e os promotores de acusação, Leandro Henrique Ferreira Lema e Thelma Cavarzere tenham atuado ao esclarecimento. 

Ao inverter a penetração do projétil na parte da cabeça de Daniel José de Lima, de baixo para cima ao invés de cima para baixo, o falso perito dava vazão à tese, aparentemente cientifica, de que o caso do pet shop se revestiu sim de uma disputa corporal entre Ageu Galera e Daniel José de Lima. Dessa narrativa, resultou uma posição de quase agachamento do cliente do pet shop e o tiro acidental da arma de fogo de baixo para cima.  

O falso perito até preparou imagens digitais para provar a situação posicional narrada em forma de suposta peritagem.  

Para dar sustentação à mentira sofisticada, o falso perito fundamentou a trajetória do projétil da Taurus 380 na postura corporal de Daniel José de Lima e Ageu Galera, igualmente de 1,80 metro de altura.  

PARECER MENTIROSO 

Escreveu o falso perito que o relato de Daniel José de Lima infringira a especificidade de uma trajetória avessa à balística. O tiro desfechado por Ageu Galera não poderia ser intencional porque teria de percorrer um trajeto em linha reta, não transversal de cima para baixo. A coincidência de estatura entre Ageu Galera e Daniel José de Lima respaldava a peritagem técnica --escreveu o falso perito: 

“Se levássemos em conta apenas a trajetória interna, acentuadamente de cima para baixo (visto que o projétil entrou na altura do lábio direito para alojar-se no escaleno inferior esquerdo, limite do pescoço e ombro) e admitindo que a vítima estivesse em postura ereta, o disparo teria que ter partido de uma região bem acima da cabeça da vítima, cuja altura é equivalente à do acusado. Tal posição é absurda e pode ser descartada. A trajetória interna observada, considerando as alturas relativas vítima/acusado, só poderia ter acontecido caso a vítima estivesse significativamente curvada para a frente. Assim, o certo é que a trajetória externa tenha sido de baixo para cima, enquanto a trajetória interna foi de cima para baixo. Na seção V, inclusive com o auxílio de computação gráfica, demonstraremos que esta é a única hipótese que explica a trajetória interna observada” – escreveu Ricardo Molina. 

TRAJETÓRIA DEFINIDORA  

Além de produzir um parecer mentiroso quanto a detalhes das declarações de Daniel José de lima, atribuindo à vítima frases jamais expressas nos depoimentos em todas as fases do inquérito, o falso perito Ricardo Molina sucumbiu de vez no veredito da trajetória interna do projeto, que define a verdade dos fatos. 

O tiro disparado por Ageu Galera em Daniel José de Lima contou com demolidora trajetória de cima para baixo, não de baixo para cima como argumentou e “provou” o parecer, não o laudo pericial, de Ricardo Molina.  

O tiro desfechado por Ageu Galera foi de intenção explicita de matar, não de acidente implícito de uma disputa corporal.  

E agora chegamos ao ponto máximo: as cachorras são a explicação que reduz a zero vezes zero o potencial de convencimento do falso perito. Convém atenção redobrada à conclusão destruidora da tese da defesa de um criminoso.  

HORA DAS CACHORRAS  

O falso perito contratado pela família de Ageu Galera atendendo à indicação do advogado de defesa estaria repleto de razão se não houvesse duas cachorras no pet shop. A coincidência de altura de Daniel José de Lima e Ageu Galera resultaria sim num tiro em linha reta, não transversal. As cachorras superaram o falso perito. 

Afinal, e isso está em todos os relatos de Daniel José de Lima, as circunstâncias do crime não colocaram frente a frente, na mesma altura, o réu e a vítima que voltariam a se encontrar 451 dias depois no Tribunal do Juri de São Bernardo.  

O evadido agressor, que furtou o dispositivo de gravação do crime, atirou em Daniel José de Lima num momento de desigualdade de altura. Ageu Galera ganhara alguns centímetros a mais em relação à vítima porque a vítima estava inclinada, segurando as duas cachorras pelas guias.  

Possivelmente o falso perito não tem conhecimento algum de uma especificidade dos tutores de animais, principalmente de animais de pequeno porte.  

ACABOU A FARRA  

Normalmente uma caminhada e uma parada para descaso ou defecções e urinas são marcadas pela natural inclinação do corpo do tutor.  Tutor de cães anda olhando para o chão, cabeça levemente baixa para controlar o animal. Dois animais exigem mais cuidados ainda. É assim que funciona na prática.  

Quem tem 1,80 metro de altura, como Daniel José de Lima, perde pelo menos cinco centímetros. É diferente, muito diferente, a postura corporal de alguém que paga em moeda metálica a curiosidade de atualizar peso e confirmar a altura numa balança eletrônica e de alguém que passeia com um ou mais cães.  

Daniel José de Lima não estava numa farmácia, como faz toda a semana para saber se continua a perder peso depois do tiro potencialmente fatal. Estava segurando as cachorras por duas guias defronte à escada por onde desceu, arma em punho, o assassino Ageu Galera. Entre o balcão e a prateleira de brinquedos. Um espaço exíguo.  

POSTURA CORPORAL  

O falso perito Ricardo Molina não se deu conta de que a postura corporal de Daniel José de Lima, por conta do ato de segurar as guias das duas cachorras, alterava completamente o parecer metido a laudo.  

Ou seja, o tiro de Ageu Galera fora desfechado de acordo com o relato de Daniel José de Lima. Não fosse surrupiada pelo assassino, a câmera de filmagem direcionada à área de atendimento do pet shop, ponto crítico do ataque, confirmaria a realidade sonegada por um ilusionista que fez uso da tecnologia cientifica para criar uma situação paralela.  

As cachorras salvaram o tutor Daniel José de Lima de uma letalidade que, fundamentou bem o falso perito, seria ainda mais potencializada caso de fato o tiro no rosto fosse em situação de semelhança de altura, o que, consequentemente, ganharia outra trajetória, em linha reta.  

INCLINAÇÃO ESCLARECEDORA  

A inclinação do corpo de Daniel José de Lima para segurar as guias das duas cachorras sob sua proteção tornou perpendicular o que seria uma linha reta da trajetória de um bólido a 1.040 quilômetros por hora. 

Talvez por conta da descoberta de que havia essa fragilidade na falsa peritagem de Ricardo Molina, as falsidades testemunhais da última quarta-feira, deslocando o posicionamento das cachorras em situação de distanciamento de Daniel José de Lima, tenham sido o último recurso para tentar sufocar a verdade dos fatos.  

Tirar as cachorras do controle físico-instrumental do tutor covardemente agredido por uma arma de fogo daria respaldo à tese diabólica do falso perito. O tiro em linha reta teria uma lógica diabolicamente concreta de tiro acidental, resultado de uma disputa entre dois corpos em conflito. As cachorras destruíram a teoria malversadora do falso perito. 



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