A disputa pela Prefeitura de Santo André é mesmo surpreendente. Na semana que passou tudo indicava que as águas de golpes e contragolpes entre a Administração de prefeito Paulinho Serra e o vice-prefeito dissidente Luiz Zacarias estariam calmas. E estiveram de fato.
O que não constava da programação era a entrada em campo de dois novos competidores para valer: o PSB do vereador Eduardo Leite, cacifadíssimo pelo partido do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, e o PT de Bete Siraque, bancadíssimo pelo PT do presidente Lula da Silva.
O mundo surpreendente da política que há pouco tempo parecia encaminhar-se a um novo jogo amistoso entre situacionistas e frágeis oposicionistas em Santo André agora desaguou uma disputa que se apresenta encardida. Os próximos capítulos deverão ser tão interessantes quanto servirão de combustível a mais lenha na fogueira nos dois últimos meses de campanha.
RISCO AINDA MAIOR?
O que parecia praticamente impossível se consolida de forma aparentemente incontrolável a ponto de surgir no horizonte uma projeção até então descartável, algo que jamais até então alguém poderia sugerir: o PSDB de Paulinho Serra e seus parceiros partidários correriam o risco de morrer na praia do primeiro turno.
Por enquanto, a bem da verdade e sem dar muita corda às especulações, é muito pouco provável que a turma do prefeito fique a ver navios numa espécie de botafogada ainda mais drástica. Botafogada mais drástica seria não só perder a eleição mais ganha da história como, pior ainda, não passar ao segundo turno.
A botafogada original mereceu a marca de botafogada porque o Botafogo líder disparado despencou do primeiro para o segundo turno no Campeonato Brasileiro do ano passado.
Há alguns aspectos que precisam ser considerados neste início de maio para que se compreenda as razões para estimular especulações danosas ao grupo de Paulinho Serra. Vejam um resumo resumido:
PRIMEIRO CENÁRIO
O candidato do Paço Municipal, ainda não anunciado mas que não sai do cangote de eventos e fotos oficiais com o prefeito Paulinho Serra, não decola nas pesquisas que mais valem, ou seja, as pesquisas não publicadas. Gilvan Júnior é secretário de Saúde, passou por outras secretarias mas encontra resistências internas. Sair candidato é uma coisa; obter apoio de quem deverá tocar a campanha é outra coisa.
SEGUNDO CENÁRIO
O PT vai de Bete Siraque e com o apoio para valer da massa que tem o presidente Lula da Silva como maior referências popular. Até outro dia o PT entregava tudo o que tinha como linha auxiliar do Paço Municipal. Os dirigentes locais mandavam e desmandavam na definição e operação do acordo de boa-vizinhança com o prefeito tucano. Brasília entrou em campo e a ordem foi dada, em sintonia com o desgaste das rupturas da Administração de Paulinho Serra. E a ordem é jogar o jogo para valer.
A presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, não desembarcou em Santo André na última sexta-feira para conhecer o Teatro Municipal, reativado depois de longos quatro anos de depauperamento físico e cultural. Gleisi preferiu o caminho da roça da sede do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Veio tomar a temperatura do ambiente regional.
Mais que isso: sinalizou que não dá para entregar o ouro de votos que poderão ajudar uma eventual nova reeleição de Lula da Silva à presidência da República em 2026. Entregar o ouro é desistir de competir, de apagar a chama do petismo que, em Santo André, há duas temporadas de votos municipais só provocou fumaça.
TERCEIRO CENÁRIO
O vereador ex-petista e agora do PSB Eduardo Leite, também na semana passada traçou os pauzinhos em Brasília. Visitou caciques do partido de Geraldo Alckmin, com quem se encontrou, e também do PT, caso do ministro Luiz Marinho. Voltou definitivamente candidato para concorrer para valer.
A aliança com o PT está guardada para o segundo turno. Lula da Silva obteve 46% dos votos no segundo presidencial em Santo André em 2022. O PT quer resgatar a conexão entre voto presidencial e voto municipal. Paulinho Serra e seu grupo estavam tranquilos no controle dos passos de Eduardo Leite. Cozinhavam-no em banho maria. Deixavam o tempo passar até as possibilidades eleitorais de Eduardo Leite murcharem.
OS DESDOBRAMENTOS
Agora vamos aos desdobramentos de tudo isso, ou seja, os efeitos diretos e ressonantes dessas alterações no rumo em direção a outubro próximo.
Não dá mais para adiar a situação de instabilidade da candidatura de Gilvan Júnior. Mas como abril está acabando e o prefeito Paulinho Serra precisa evitar novos desmentidos de uma mentira evidente, possivelmente nesta semana algumas novidades ocorram. Inclusive ou principalmente o anúncio de que Gilvan Junior é o indicado mesmo.
O nome de Gilvan Junior saiu de dentro do Diário do Grande ABC, apadrinhado pelo dono do jornal, Ronan Maria Pinto. Paulinho Serra foi recomendado a não contrariar o dono do jornal.
A mentira ou dissimulação que Paulinho Serra precisa evitar que ganhe corpo é que abril, mês de aniversário de Santo André, não seria dedicado à campanha eleitoral, muito menos a encher a bola de Gilvan Junior. Ocorre que o prefeito-perfeito nas páginas do Diário do Grande ABC não fez outra coisa o tempo todo, ou seja, tornar abril uma caixa diária de presentes embrulhados com o nome de Gilvan Júnior.
Fazer tudo que nega tendo a possibilidade de utilizar subjetividades para dizer que não fez é uma coisa. Mostrar a cara é outra. Por isso, Paulinho Serra deixou para maio a nomeação do candidato do Paço Municipal.
Ganhou-se tempo no mês de aniversário de Santo André para costurar a imagem de Gilvan Júnior. Supostamente, sempre é bom lembrar, o período seria publicamente arredio à politização, como tenta vender a imagem de distanciamento entre festa e política o prefeito Paulinho Serra.
MENTINDO SEMPRE
Nada resiste, entretanto, à agenda que ainda não terminou e aos flagrantes e vídeos abundantes nas redes sociais. O prefeito Paulinho Serra diz uma coisa e a assessoria de imprensa da Prefeitura faz exatamente o que ele manda. Mas Paulinho Serra gosta de mentir para Paulinho Serra que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Gilvan Junior participou inclusive de encontro com a deputada estadual e primeira-dama Carolina Serra com a massa de lideranças das 125 entidades assistenciais de Santo André. Essa turma de coração enorme levou a primeira dama a comemorar a eleição de deputada estadual.
O erro do prefeito Paulinho Serra é tentar vender a imagem de que é um santo homem, que não é capaz de fazer nada com ambição política no mês de aniversário de Santo André. Nega, de fato, a essência de bom de voto. Por isso fez de gato-sapato abril eleitoralmente, mas dá declarações como se tanto ele quanto Gilvan Junior passaram o tempo todo, discretamente, anonimamente, cuidadosamente, num castelo de monges beneditos, portanto longe da civilização e da caça a votos.
Não há nada que irrite mais na gestão de Paulinho Serra é que essa mistura de desdém e descaso com a realidade dos fatos. Não à toa fez da Secretaria de Efeitos Especiais o carro-chefe de campanhas de marketing que dão certo para grande parte do eleitorado, ignorante no sentido lato do termo.
RENASCIMENTO DO PT
Com o anunciado renascimento do PT em Santo André, tudo indica que a tropa vai às ruas e, principalmente, a pontos específicos e amplos de localidades do mapa que impactariam em cheio um perfil no qual a Administração de Paulinho Serra nadou de braçadas: a periferia de pobres e miseráveis transbordante numa cidade que, somente nos primeiros cinco anos da gestão de Paulinho Serra, desabou nada menos que 34 postos no ranking estadual de PIB per capita.
A mesma periferia que a gestão de Paulinho Serra descobriu para eleger Carolina Serra, a periferia de 125 entidades assistenciais, é um reduto original do PT do Bolsa Família. São por volta de 50 mil moradias atendidas pelo programa federal. Multiplique por algo como dois votos e mais um tantinho por residência e entenda o tamanho eleitoral. Esse é um grotão nordestino que tem nome e sobrenome como titularidade de votos: Lula da Silva.
EDUARDO SEM GUIA
O desgarramento do vereador Eduardo Leite da barra da saia política do Paço Municipal, num grito de autonomia negociado em Brasília e que fez ecoar na região, particularmente em Santo André, é uma investida que atingirá a gestão de Paulinho Serra e Gilvan Junior na classe média tradicional, embora ainda sem capilaridade programada.
Como a imagem de Eduardo Leite é um ponto bastante positivo em contraposição às dúvidas geradas por Gilvan Junior, os estragos eleitorais possivelmente vão fazer o Paço Municipal tremer mais do que já treme.
Os bastidores do Paço na semana que passou foram bombardeados com as novidades envolvendo os dois candidatos de centro-esquerda com viés socialista. Se Luiz Zacarias não baixasse a temperatura, o Paço teria se complicado ainda mais.
Paulinho Serra provavelmente não vê mesmo a hora de abril terminar. Uma consulta ao horóscopo eleitoral talvez indique algo ainda pior nas próximas semanas. É melhor o prefeito rezar para não ter saudade do abril aniversariante.