Se você chegou à conclusão que Santo André viveu um terremoto após o Plano Real, imagine então o que vai dizer quando souber o que ocorreu na vizinha São Bernardo. O PIB de Consumo da Capital Econômica do Grande ABC entrou em parafuso. Famílias de Classe Rica e de Classe Média Tradicional sofreram duríssimo golpes. A mobilidade social foi para o espaço. Ricos e Classe Média só não foram extintos, mas comeram o pão da desindustrialização que o diabo da concorrência e da ineficiência amassou.
Só para se ter uma ideia do dilúvio em São Bernardo: em 1995, plataforma de embarque dos dados desse estudo inédito, a participação relativa de famílias de Classe Rica e de Classe Média tradicional chegava a 47,67% do total de moradias. No decorrer dos anos, até chegar a 2024, a participação relativa caiu para 33,46%. Calma que ainda falta um dado ainda mais dramático: no período circunscrito aos 29 anos do Plano Real, recolhendo-se os resultados sem indexação aos dados pretéritos, a participação relativa de moradias de ricos e de classe média foi estrangulada e chegou a apenas 16,73% do total de residências.
MAIS QUE SANTO ANDRÉ
Numa comparação com Santo André, que sofreu os mesmos males de São Bernardo, mas em proporção menos impactante, a diferença é enorme. Nada surpreendente. Santo André detinha menos riqueza em forma de PIB de Consumo e não tem a Doença Holandesa Automotiva como sinônimo de suscetibilidade econômica e social. Mais ainda: a Doença Holandesa de Santo André é outra, Químico e Petroquímica, muito menos vulnerável, quando não vantajosa.
Em Santo André, houve perda de 6,58% de participação relativa no período restrito de 29 anos nas duas classes sociais mais elevadas da sociedade. A participação relativa de 32,96% não marcou um poço profundo como em São Bernardo, porque na origem, dos números de 1995 confrontados com os de 2024, eram 36,74% residências privilegiadas.
Vários fatores pesaram na derrocada de São Bernardo sob qualquer ângulo que se defina a construção da realidade dos dados desde 1995, abrangendo exclusivamente ou não o período restrito de 29 anos, ou uma comparação ponta a ponta com base nos dados do primeiro ano do Plano Real.
Os danos regionais do Plano Real são o primeiro. A recessão histórica de dois anos desastrosos de Dilma Rousseff, entre 2015 e 2016, igualmente ou próximo disso. E a dependência das riquezas produzidas pelo setor automotivo e autopeças, ou seja, a Doença Holandesa Automotiva.
COQUETEL DE ADVERSIDADES
Esse coquetel de contrariedades estruturais e circunstanciais liquidou a mobilidade social de São Bernardo. A queda brutal da participação relativa da Classe Rica e da Classe Média Tradicional é estonteante.
Em 1995, São Bernardo contava com 18.244 famílias de classe rica, que representavam 11,24% do total de moradias – 162.317. Já em 2024, São Berardo registrava 14.773 ricos e classes média para um total de 300.329 moradias. A participação relativa caiu para 4,92%. Nada surpreendente, portanto,. São Bernardo perdeu ricos tanto em números absolutos quanto em números relativos. Uma dupla de alta octanagem explosiva.
A Classe Média Tradicional de São Bernardo participava com 36,43% do total de moradias em 1995. Eram 54.132 famílias. Na ponta, de 2024, a participação caiu para 28,54%, resultado do total de 85.707 moradias. Ou seja: um crescimento relativo inferior ao aumento da população. Entre 1995 e 2024 São Bernardo cresceu 138.066 moradias, praticamente o dobro de São Caetano ao longo da história.
SEGUINDO A CONTAGEM
Na soma da Classe Rica e da Classe Média em São Bernardo nesse período, o total passou de 77.376 moradias em 1995 para 100.480 moradias em 2024. Com o aumento do universo de moradias da ordem de 85,02%, São Bernardo caiu de participação relativa das duas classes sociais de 47,67% para 33,46%. Cair de 47,67% para 33,46% é uma enormidade.
Mas a desgraça que atingiu ricos e classes média de São Bernardo é muito pior quando se tem a realidade mais próxima como posto de observação.
Durante o período estrito do Plano Real, desconsiderando-se o estoque de ricos e classes médias acumulados ao longo de quase cinco séculos, desde que São Bernardo era distrito de Santo André, o que tivemos foi o registro de apenas 16,73% de participação relativa dos dois estratos sociais.
Explica-se: o saldo líquido de ricos e classes média entre 1995 e 2024 registrou 23.104 moradias. Quando se divide esse número pelo total de novas moradias das duas classes sociais no mesmo período, de 138.066, o que se tem como resultado é a participação relativa de 16,73%.
ABAIXO DA RESISTÊNCIA
Para que não reste dúvida sobre a debacle de São Bernardo: a participação relativa no total de moradias de Classe Rica e Classe Média Tradicional entre 1995 e 2024 obedece a dois critérios: o primeiro, que constata 33,46% na ponta final, bem abaixo de 47,67% da largada; e o segundo se restringe somente ao saldo específico do período, sempre tendo como âncora dos resultados o total de moradias distinto do universo anterior.
Para que São Bernardo mantivesse a proporção de famílias ricas e de classe média tradicional registrada em 1995 (47,67%) seria necessário que alcançasse no período específico do Plano Real, sem considerar os dados anteriores, 65.816 moradias, não as 23.104 registradas.
Não bastasse o dilúvio envolvendo a Classe Rica e a Classe Média Tradicional, São Bernardo também sofreu horrores com a Classe Média Precária. Esse estrato social fica entre a Classe de Pobres e Miseráveis e a Classe Média Tradicional.
Em 1995, a Classe Média Precária registrava participação de 32,61% do total de moradias, com 52.931 famílias. Em 2024, subiu a participação relativa para 48,91%, com o total de 146.893 moradias. Já no número restrito ao saldo do Plano Real (93.962), a participação relativa da Classe Média Precária quando contraposta ao total de novas moradias de São Bernardo (138.066) subiu para 68,05%. Um resultado semelhante aos 70% de Santo André.
QUEDA DISCRETA
Para completar a distribuição social do PIB de Consumo em São Bernardo, a Classe de Pobres e Miseráveis foi reduzida, como em todo o Brasil por conta de Bolsa Família, Salário Mínimo valorizado e muitos outros apetrechos. Mas mesmo assim a queda foi muito discreta.
Em 1995, São Bernardo contava com participação relativa de 19,72% de pobres e miseráveis no conjunto (32.010) de 162.317 moradias. Em 2024, houve redução de participação para 17,63%, com 52.950 moradias de um total de 300.323 residências.
Já o cálculo envolvendo os 29 anos do Plano Real, considerando-se o acréscimo de moradias, São Bernardo registrou participação relativa de 15,17% de pobres e miseráveis no total de residências. Bem acima de Santo André, que, nesse escopo, não teve registro de aumento de pobres e miseráveis. O estoque do passado não ganhou novos registros.
QUEDA NACIONAL
É evidente que, com todas essas ocorrências econômicas e sociais, São Bernardo não escaparia também no âmbito nacional de dados assustadores.
Na largada desse estudo, o primeiro ano do Plano Real, em 1995, São Bernardo contava com PIB de Consumo per capita que representava 1,00400% do indicador brasileiro. Ou seja: de cada R$ 100,00 prontos para serem consumidos, São Bernardo registrava R$ 1,004.
No PIB de Consumo per capita São Bernardo contabilizava R$ 6.393,31 ante R$ 3.081,89 do Brasil como um todo. No confronto com a segunda maior economia regional, a vantagem também era de São Bernardo. Santo André registrava PIB de Consumo per capita de R$ 5.447,68 – também em valores nominais.
Vinte e nove anos depois, o PIB de Consumo per capita de São Bernardo chegou a R$ 46.692,00. Um crescimento nominal no período de 630,32%. Comparado ao PIB de Consumo per capita do Brasil, de R$ 35.590,00, São Bernardo perdeu terreno. Afinal, o PIB de Consumo per capita nacional cresceu também em termos nominais 1.076,81%. Com isso, a participação da média brasileira em relação a São Bernardo passou de 48,20% em 1995 para 76,22%. E a participação nacional de São Bernardo caiu para 0,52254%. Metade do que registrara três décadas antes.
SANTO ANDRÉ VIRA
Já com relação à vizinha Santo André, o PIB de Consumo per capita de São Bernardo sofreu revés ao final dos 29 anos pós-Plano Real. O que era vantagem em 1995, virou desvantagem em 2024.
Em 1995, Santo André contava com participação relativa de 85,21% no PIB de Consumo per capita de São Bernardo. Na ponta extrema da comparação, São Bernardo foi ultrapassada e passou a ter participação relativa de 86,08%. Portanto, a diferença se inverteu.
Santo André registrou PIB de Consumo per capita em 2024 de R$ 54.241,33. O crescimento do número de moradias foi inferior ao de São Bernardo (66,88% ante 85,02%). Além disso pesaram o amortecedor do Polo Petroquímico e ramificações químicas em contraposição ao terror automotivo. A expectativa para a próxima década é que São Bernardo seguiria atrás de Santo André. Uma espécie e abraço de afogados. Afinal, o PIB de Consumo per capita brasileiro segue muito adiante. Perder para a média nacional é o mesmo que disputar a Série D do Campeonato Brasileiro.