Regionalidade

Foto mostra o quanto o Grande
ABC se perde no provincianismo

  DANIEL LIMA - 18/06/2021

O grupo de prefeitos-pedintes e autoridades do governo estadual, João Doria inclusive, colhidos em gigantesca foto estampada na primeira página do Diário do Grande ABC de hoje, confirma o provincianismo regado a incompetência da região. Chegamos a um estágio tão desavergonhadamente pobre em intelectualidade e planejamento que qualquer besteira de cunho político-eleitoral é vista como salvadora da pátria. Mais que isso: como prova de regionalidade, vejam só! 

Quem viveu tempos de uma regionalidade em ascensão, mas que morreu de morte matada com Celso Daniel, provavelmente olhou para aquela turma e se prostrou diante da constatação óbvia do quanto o Grande ABC está muito aquém da necessidade de combater o empilhamento de pobres e miseráveis a cada temporada.  

Temos o equivalente a uma São Caetano e uma Diadema, juntas, de pobres e miseráveis. E as famílias de classe rica e classe média tradicional evaporam. Só os governos locais ganham ao longo dos anos, com arrocho tributário. Cada vez mais os impostos municipais crescem em relação ao PIB Industrial, entre outros indicadores. É a decadência econômica rumo ao desfiladeiro e a voracidade pública elevador acima.  

Máscaras esclarecedoras  

A foto da primeira página do Diário do Grande ABC é um escárnio não propriamente do jornal, que é o veículo, mas da mensagem das autoridades que confraternizam. E olhem que todos usam máscaras. Especialmente os representantes da região não se envergonham: morre mais gente neste território do que no Brasil, quando se utiliza a métrica recomendada pela ONU. No Estado de São Paulo não é diferente.   

Temos na primeira página do Diário do Grande ABC a consumação de uma imagem de privilegiados políticos que não estão nada preocupados com a sociedade quando o assunto é a região como um todo. Querem mesmo votos de um futuro que chegará em sintonia fina com mais exclusão social, mais desindustrialização, mais e mais desencantos e menos qualidade de vida.  

Pouco importa aos prefeitos locais o que se passa no vizinho próximo e no vizinho do vizinho próximo quando a pauta é Desenvolvimento Econômico.  

Clube politizado  

Se a agenda estiver relacionada à política, a votos, os prefeitos de plantão olham até para geografias distantes. Caso da chamada Grande Mogi das Cruzes e os sonhos de Paulinho Serra à frente do Clube dos Prefeitos politizado. Tanto que o secretário-executivo atual é da turma de invasores da Capital, como o superprefeito de Santo André, José Police Neto.   

A cerimônia de lambe-lambe festejada pela imprensa regional como acontecimento épico reforça o estrago que a incapacidade de autoridades públicas provocam no Grande ABC.  

Acreditar que aquele encontro de ontem no Palácio dos Bandeirantes para tratar de antigas e sempre frustrantes reivindicações é a expressão legítima de regionalidade é a forma mais abusiva de estuprar o conceito de integração para valer.   

O dia que possivelmente mais me encantaria no Grande ABC em contraponto à tristeza de ver Celso Daniel levado ao túmulo, esse dia seria aquele em que os prefeitos e representantes de uma sociedade participativa se encontrariam num local qualquer e anunciassem que finalmente se descobriu o caminho da ressurreição econômica: o anúncio de que se contratou para valer uma consultoria especializada em competitividade econômica.  

Não há termos de comparação entre essa perspectiva mais que ilusória e a materialidade do flagrante fotográfico de hoje na primeira página do Diário do Grande ABC.  

Brancaleones regionais  

Poderia dizer e pensei em dizer que se trata do Exército de Paulinho Serra Brancaleone. Recuei não porque a turma não remeta, em versão dourada, à história dos personagens do cineasta Mario Monicelli. Recuei porque Exército de Paulinho Serra Brancaleone seria uma denominação injusta.  

Por mais provinciano que seja o titular do Paço Municipal de Santo André, a ele não poderia ser debitado integralmente a arremetida política. Os demais prefeitos, guardadas as devidas proporções municipais, são também brancaleônicos.  

A pauta de reivindicações levada a uma autoridade estadual assemelha-se a tantas outras. Já vi esse filme muitas e muitas vezes. Os discursos, então, são uma expressão de mesmices históricas e decepcionantes. O pior de tudo é que mesmo que tudo fosse atendido pelo governo do Estado, absolutamente tudo, praticamente nada seria alterado no presente e no horizonte do Grande ABC. Nossos males são estruturais, rigorosamente estruturais. E exigem medidas reestruturantes.   

Herança destroçada  

Pena que a maioria dos formadores de opinião da região (pouquíssimos por sinal, porque não faltam vaquinhas de presépio numa geoeconomia em frangalhos) não tenha a dimensão histórica de um passado em que a regionalidade era pauta obrigatória, embora ainda reticente na abordagem dos males da região.  

Tempos curtos, é verdade, na metade dos anos 1990. A criação do Clube dos Prefeitos, da Agência de Desenvolvimento Regional e da Câmara Regional deu um fôlego especial de entusiasmo e otimismo. Entretanto, antes mesmo da morte de Celso Daniel o ambiente de regionalidade já sofrera baixas, com o esfacelamento de um quarto vértice de ações, no caso o Fórum da Cidadania. O municipalismo arcaico e autárquico prevaleceu. E hoje domina de forma asfixiante. Temos uma herança destroçada.  

Querem ter uma ideia do quanto o municipalismo do Grande ABC é uma aberração? Está na matéria do Diário do Grande ABC de hoje, quando se mencionam as prioridades dos municípios no encontro com o governador.  

Santo André listou a reestruturação da Avenida do Estado. A pauta de São Caetano não faz qualquer referência àquele traçado estraçalhado. Como pode? A Avenida do Estado é questão de vida ou morte econômica de Santo André, São Caetano, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, e lateralmente também de São Bernardo e Diadema. Sem contar a Capital, onde começa, também entregue às baratas logísticas e à depauperação do entorno.  

A viseira do municipalismo impera numa região em que, como em todo este século, os prefeitos fingem que se dão as mãos. Em muitas situações, nem fingem mais. Já jogaram fora a máscara do cinismo.  

Aquela foto enorme na primeira página do Diário do Grande ABC de hoje está longe, portanto, de qualquer coisa que sugira algo que possa ser catalogado como regionalismo. É a consagração da mediocridade coletiva das autoridades públicas do Grande ABC. É um tapa da sociedade. 

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