Regionalidade

Clube dos Prefeitos segue em
chamas. Isso é muito positivo

  DANIEL LIMA - 05/08/2021

Não seja afoito ao estabelecer juízo de valor à manchetíssima logo acima. Nem imagine que pretendo o fim do Clube dos Prefeitos. Seria um contrassenso. Respondo pelo veículo mais sistematicamente voltado aos sete municípios no estudo de regionalidade abrangente.  

O que quero com o título acima é dizer que somente um incêndio grandioso, ainda camuflado, levará a regionalidade a novo patamar. Ou ao fim do cinismo de alguns entenderem que temos uma instituição comprometida com o principal objetivo com que foi constituída – o Desenvolvimento Econômico.  

O Diário do Grande ABC traz na manchetíssima de hoje a informação de que São Bernardo está inadimplente com o Clube dos Prefeitos há mais de dois anos. No pé da matéria de página interna a realidade mais ampla é expressa de forma discreta: há outros municípios que não cumprem a tabela de pagamento de mensalidades. E isso vem de longe.  

Cachorro sem dono  

Desta vez o alvo mais escancarado é o prefeito de São Bernardo, Orlando Morando. Com o prefeito Paulino Serra, de Santo André, que também optou por não contribuir (quando Morando era o prefeito dos prefeitos), não se deu tamanho destaque. São critérios editoriais nem sempre captados pelos leitores. Até parece que a crise é de agora.  

O Clube dos Prefeitos é um cachorro sem dono, ou com dono circunstancial -- quando o prefeito da vez comanda mesmo assim sem prioridade e os demais fingem que estão juntos. Ou estão juntos apenas para manter as aparências. Cachorro sem dono é cachorro morto. De cachorro entendo. Entro em pane quando faço minha caminhada terapêutica todos os dias com minhas cachorras e vejo algum cachorro perambulando.  

Desde Celso Daniel, criador da institucionalidade regional que acoplava a Agência de Desenvolvimento Econômico (em estado catatônico) e a Câmara Regional (há muito desativada), apenas e mesmo assim com vieses o então prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, meteu a mão na massa da regionalidade com valor agregado.  

Fôlego com Marinho  

O equívoco de Luiz Marinho, que provavelmente jamais será repetido caso volte ao Paço de São Bernardo (é o favorito à sucessão de Morando) foi cair na lábia de ideólogos petistas e cutistas ao transformar o Clube dos Prefeitos em reduto mais trabalhista do que econômico. Distante, portanto, da grandeza ecumênica de Celso Daniel.  

Luiz Marinho valorizou investimentos no Clube dos Prefeitos, com o aumento de alíquota obrigatória de participação dos municípios. Desgastou-se exatamente porque seguiu inclinação sindicalista e esquerdista num País que ainda não estava tão calorosamente dividido como agora.  

A falta de pagamento de mensalidades no Clube dos Prefeitos é quase generalizada. Santo André está em dia porque Santo André está no comando com Paulinho Serra. Seria o fim da picada dar calote. Ainda mais que o desafeto Orlando Morando precisa ser espicaçado. Os dois tucanos não se bicam. Estão entrincheirados em redutos antagônicos. Morando tem liberdade de movimentos. Paulinho Serra é refém do entorno que o elegeu.  

Caminhada errática  

Não interessa descer a detalhes sobre o porquê de São Bernardo (e outros municípios não denunciados pelo secretário-executivo do Clube dos Prefeitos) constar da lista de devedores. Há elementos de contraditório oferecidos por Orlando Morando na reportagem do Diário do Grande ABC que servem de justificativas e explicações. Até o Legislativo está entre as considerações. Pode ser uma manobra dissuasiva? Pode, mas parece estar na banda larga da legitimidade.  

Pior, mas muito pior que a inadimplência é a nau sem rumo e sem prumo em que se transformou o Clube dos Prefeitos. São erráticos os projetos e as ações. Há penduricalhos sociais, em forma de entidades assistenciais, que interrompem o circuito de objetividade econômica que deveria nortear a instituição.  

O Clube dos Prefeitos virou uma casa da sogra programática. Cabe tudo. Menos Desenvolvimento Econômico para valer.  

Titanic redivivo  

O atual secretário-executivo do Clube dos Prefeitos, Acácio Miranda, é um profissional de boa-vontade. Tanta boa-vontade e tanto desconhecimento regional que repete iniciativas que fracassaram ao longo dos tempos.  

Repetem-se os erros que a mídia igualmente despreparada às emergencialidades do Grande ABC trata festivamente. É algo como repetição de uma tragédia tipo Titanic sem que os envolvidos se deem conta disso. Alguns conhecem bem a tragédia, mas fazem questão de incentivar a farsa.  

A sociedade do Grande ABC tem o direito de saber que o Clube dos Prefeitos projetado por Celso Daniel é uma fraude à regionalidade. Não resiste a qualquer exame avaliativo. Perde-se em firulas inconsequentes. Já completou três décadas de existência (surgiu em dezembro de 1990) e não se emenda. Componentes políticos e partidários ditam as regras. E os interesses escusos também.  

Notem os leitores que não faço referência mais substantiva àquilo que seria a alma gêmea do Clube dos Prefeitos, no caso a Agência de Desenvolvimento Econômico. Como o Clube dos Prefeitos, a entidade vegeta, só que em grau de depauperação mais agudo.  

Espertalhões na praça  

Ao longo das décadas a Agência de Desenvolvimento Econômico também conviveu com destroços orçamentários. Poucos dos integrantes mantiveram em dia as contribuições. As entidades privadas que a compuseram e ainda a compõem, como associações comerciais e representações da indústria, jamais lhe deram qualquer valor, exceto em situações muito específicas de gente com olhar no futuro.  

Botar fogo no Clube dos Prefeitos como estão botando há tanto tempo é contraditoriamente a melhor maneira de o Grande ABC sacar do bolso do colete da cidadania que está na hora de ajustar as contas com o futuro que mais que chegou, está impactando a qualidade de vida regional. A Pandemia da Covid está aí como prova provada e sem mistificação de que contamos com um aparato institucional-sanitário abaixo de um distrito de classe proletarizada como é o Sapopemba, da Capital.  

Alguns espertalhões de araque têm proposto narrativa esquálida em sensibilidade, conhecimento e solidariedade. Trata-se do seguinte: destilar a ideia de que a crítica ao Clube dos Prefeitos e a outras instituições municipais e regionais é um desserviço à sociedade. Desserviço é acobertar a ineficiência, o descompromisso, os privilégios e tudo de ruim que impregnam essas organizações feitas em larga escala para acomodações pessoais e grupais.  

Para completar, não custa lembrar que em outubro do ano passado escrevi sobre o que chamei de “Dez megatarefas para quem quer Grande ABC competitivo”. Nenhuma organização municipal e regional se deu conta de que não se trata, aquela texto, de diletantismo. O que está lançado naquele trabalho e nos anteriores é a tentativa de despertar um mínimo de responsabilidade coletiva nos organismos que supostamente carregam compromisso come esse território. Vejam os pontos cardeais que deveriam esquadrinhar as ações do Clube dos Prefeitos. Seria pouco provável os prefeitos seguirem inadimplentes caso sensibilizados a esses desafios:   

1. Parafernália tributária.  

2. Ambientalismo improdutivo.   

3. Logística estrangulada.  

4. Mobilidade urbana caótica.  

5. Mobilidade social reversa.  

6. Identidade roubada.   

7. Privilégios corporativos.  

8. Centralidade automotiva.  

9. Institucionalidade conflitiva.  

10. Reestruturação produtiva.  

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