Imprensa

Retirem Milton Bigucci da
cena do crime no pet shop

  DANIEL LIMA - 13/09/2021

Há quase oito meses ouço que o empresário Milton Bigucci estaria na cena do crime no pet shop em São Bernardo. Naquele primeiro de fevereiro sobrevivi a um tiro à queima-roupa no rosto. Uma Taurus, calibre 38, disparou um projetil que a literatura policial cataloga como letal em praticamente todos os casos. Estou vivo, em recuperação física, clínica e emocional. E posso garantir que o empresário do mercado imobiliário que combati ao longo dos anos (e que continuarei a combater se necessário) não tem participação alguma no local dos fatos. Em outro território, tudo é possível, embora não acredite.  

Há fatos concretos que poderiam indicar raízes de vingança, mas os fatores especulação e ficção são muito mais robustos. Milton Bigucci é inocente até prova em contrário. E não parece haver prova alguma em contrário. Há o que chamaria de coincidência no único ponto que daria margem à desconfiança. É muito pouco.  

Não cometerei a leviandade de sugerir que Milton Bigucci está por trás do jovem Ageu Galera que transformou em assassinato não consumado uma reclamação natural de um cliente. Já relatei a verdade à Polícia Civil, ao Judiciário e aos leitores. Não há o que por nem tirar. Há provas materiais fartas e contundentes em oposição às mentiras deslavadas da defesa.  

Raízes da desconfiança  

Fui vítima de um ataque covarde sem ter sequer o direito de me proteger, o que naquela altura do campeonato seria o gesto de autodefesa de levar as mãos ao rosto. Segurava minhas cachorras de pequeno porte pelas guias. Elas foram levadas ao pet para serviços do tosa e banho. Ficaram cansativas e abusivas quatro horas no aquário -- o dobro do tempo combinado e ratificado para que saíssem leves e soltas rumo ao almoço já mais que tardio.  

Na terceira e última tentativa de apanhá-las e levá-las para casa, fui abalroado pela covardia de um jovem com antecedentes criminais como guarda civil municipal. Ageu Galera está preso preventivamente há mais de seis meses. E irá a Juri Popular.  

Afinal, por que o manchachuva imobiliário Milton Bigucci entraria na cena do crime? Porque há um passado de críticas jornalísticas que ele jamais aceitou. A mania dos mandachuvas de todas as áreas é que são seres especiais e intocáveis. Podem fazer o que bem entenderem. Milton Bigucci foi inúmeras vezes ao Judiciário para obter condenações deste jornalista.  

Horror ao jornalismo  

Milton Bigucci é um milionário que não suporta jornalista que insista em apontar problemas de abusos contra a clientela, entre outras delinquências denunciadas inclusive pelo Ministério Público Estadual de São Bernardo. O conglomerado de empresas da MBigucci recebeu do MP o título de campeã regional de irregularidades praticadas contra adquirentes de imóveis.  

Milton Bigucci é um milionário metido em escândalos como o da Máfia do ISS de São Paulo e na aquisição fraudulenta de pelo menos uma área imobiliária em São Bernardo, denunciada por este jornalista. Sobre o terreno da Prefeitura obtido com artimanhas que lesaram os cofres públicos, construiu o megaempreendimento Marco Zero da Vergonha.  

São dezenas de matérias que produzi para CapitalSocial e que tratam também de travessuras diretivas de Milton Bigucci à frente do Clube dos Construtores do Grande ABC, entidade na qual reinou durante mais de 25 anos. E que continua a reinar, agora com os braços e a mente do filho Milton Bigucci Júnior. 

Concretude frágil  

Não é porque Milton Bigucci é um personagem fora do meu catalogo de responsabilidade social, já que está longe do perfil de compromissos com uma região cada vez mais sofrida, não é porque Milton Bigucci é isso e muito mais segundo avaliação estritamente profissional, que estaria metido nesse crime. Longe disso.  

Só existe uma ponta de concretude que daria alguma sustentação à desconfiança de que Milton Bigucci teria se metido na encrenca. Nada mais que uma ponta que é uma ponta muito frouxa.  

Trata-se do seguinte: o escritório contratado para defender o assassino Ageu Galera é de íntima relação negocial e pessoal com o Grupo Bigucci. O ex-delegado seccional de Polícia de São Bernardo, Rafael Rabinovici, e seu filho e advogado Gabriel Rabinovici, foi acionado pela família de Ageu Galera. Há informações de bastidores que colocam os Biguccis como intermediários. Não acredito nisso. Mas é isso que, também, leva Milton Bigucci ao pet shop.  

Prisão preventiva  

Rafael Rabinovici chegou a dar entrevista à Grande Mídia quando, 30 dias após tiro diretamente no rosto deste jornalista, defendeu seu cliente que se apresentara à Polícia Civil. Rafael Rabinovici manipulou uma versão rocambolesca que um outro advogado, supostamente o titular da defesa, tornou ainda mais inverossímil nos desdobramentos do caso.  

Contratar um ex-delegado seccional para cuidar do assassinato não consumado foi uma decisão estratégica da família de Ageu Galera. Pretendia-se utilizar a experiência, os conhecimentos e a memoria do ex-delegado seccional para garantir que o assassino respondesse pelo crime em liberdade.  

Ageu Galera é um santo homem que veio à terra e inadvertidamente participou de uma caso criminal sem que fosse possível lhe imputar qualquer responsabilidade. Só faltaram dizer que a Taurus 38 que desceu a escada do pet shop e disparou um tiro a 50 centímetros de distância foi obra de uma assombração.  

Contratação misteriosa 

A contratação dos Rabinovici para atuar no caso é um mistério que provavelmente tenha estimulado o burburinho frequente e incisivo sobre a origem intelectual do crime. Somente a quebra de sigilo telefônico poderia esclarecer a ligação entre as partes. Há informações que colocam Biguccis, Rabinovicis e Galeras no mesmo compartimento de interesses. Não acredito nisso.  

Por mais que o assassinato não consumado tenha enredo esdrúxulo, porque absolutamente imotivado, é impensável que surgira em decorrência de rusgas senão superadas mas congeladas ou praticamente congeladas desde que Milton Bigucci deixou de atuar diretamente no Clube dos Construtores. Dizer que mantenho rusgas com ele ou que ele mantém rusgas comigo não é especulação. Não se apagam fatos. Daí sugerir que o campo criminal se abra como complemento de combate é outra história.  

Ter denunciado as ilegalidades e as ações nocivas de Milton Milton no mercado imobiliário, universo de milhares de família de incautos, faz parte do estoque de profissionalismo e independência jamais negociada por este jornalista.  

Digo aos amigos mais próximos que valeram mais as demandas judiciais provocados pelos textos que produzi sobre as atividades do empresário Milton Bigucci do que o título de Cidadão de Santo André que a Câmara Municipal me outorgou, e também a Medalha de João Ramalho, do Legislativo de São Bernardo.  

Polos opostos  

As ações judiciais movidas por Milton Bigucci, aproveitando-se do pouco conhecimento da atividade jornalística de alguns magistrados, são a consumação da desigualdade social que nos separa. Bigucci se dá muito bem com os poderosos de plantão. No meu caso, na maioria das vezes, a situação é oposta.  

Não consigo enxergar nada no horizonte que dê suporte à possibilidade de a contratação da defesa dos Rabinovicis pela família de Ageu Galera estar conectada à participação de Milton Bigucci no crime do pet shop. Deve-se reconhecer, entretanto, que os conspiradores poderiam mesmo encontrar caroço nesse angu de relacionamentos cruzados, mas é pouco.  

Para que seja possível traduzir o crime no pet shop em obra de arte de maquiavelismo não existe outra saída senão invadir o terreno do especulativo e do ficcional. Ou seja: tudo que houve anteriormente ao assassinato não consumado teria de ganhar sustentabilidade fática quando o que impera é o imponderável como força propulsora.  

Versão insustentável 

Ninguém vai me convencer que Ageu Galera estava pacientemente me esperando no pet shop com minhas cachorras e me colocasse em situação de vulnerabilidade física pretendida por terceiros. A menos de 500 metros de minha residência, o pet shop se tornou uma armadilha acidental, não mais que isso.  

Matar um jornalista incômodo recomendaria situação menos elaborada. Passeio todos os dias com minhas cachorras pelas ruas do Jardim do Mar, em São Bernardo.  É minha terapia mental e física, seguida por pedalada ergométricas enquanto assisto a alguma série, troco telefonemas ou vejo noticiário. Sou um alvo fácil aos delinquentes de qualquer área.  

Ainda outro dia estremeci diante da TV ao assistir a uma cena de assassinato no Rio de Janeiro. Numa calçada de bairro de classe média, um motoqueiro desferiu tiros num homem que caminhava com seu cão.   

Será que não entendo do riscado criminal ao achar que um tiro num pet shop jamais abriria as janelas de uma meticulosa vingança?  

E o outro lado?  

Será que o leitor está entendendo o que quero dizer?  

O que quero dizer é que um crime de mando num pet shop não despertaria a desconfiança de que teria sido engendrado fora do pet shop. Ou seria mais razoável supor que exatamente por não despertar suspeita um crime de mando quando disfarçado de crime acidental se torna menos sujeito a investigações?  

Ninguém vai me convencer de que tudo não passou de imponderável, de acontecimentos sequenciais que desembocaram no incidente.  

Na medida que passa o tempo e na queima de etapas que vão culminar na retirada do projétil alojado em meu pescoço, fração de milímetro de uma artéria letal, mais registro o mitigar das sequelas temporárias que o tiro daquela Taurus me provocou. Ainda vai levar muito tempo para a vida fluir com certa naturalidade.  

Dores do prélio  

Enquanto não posso girar o pescoço com a automaticidade de antes, enquanto a região do trapézio insiste em opor dores contidas por medicamentos, enquanto não restaurar os dentes perdidos, enquanto a deglutição de alimentos acusar estreitamento da faringe e da laringe, enquanto o caminhar lateral é uma ameaça constante à queda, enquanto a próstata registrar inconveniências da ressonância permanente do impacto do projétil, enquanto o projétil não for expelido em cirurgia potencialmente agendada, enquanto tudo isso não terminar, não posso garantir que estou recuperado de uma ação criminosa.  

Quando tudo isso passar, seguirei com aquela cena de um assassino escada abaixo, arma em punho, e tiro no rosto, porque essa imagem me açoita todas as noites, quando não em ciladas à luz do sol.  

Colocar Milton Bigucci na cena deste crime é algo como um efeito compulsório mas insustentável da perseguição jurídica movida por alguém que fez da entidade de classe uso próprio e em detrimento da sociedade.  

A especulação imobiliária produzida ao longo dos tempos por Milton Bigucci, inclusive com fraudes estatísticas comprovadas, é a corrente que faz girar a roda da especulação e da ficção do caso do pet shop. A concretude de relacionamentos de defensores do assassino, da família Bigucci e da família Rabinovici, não dá guarida legal á versão de crime de encomenda no pet shop. Poderia, no máximo, caracterizar-se como crime de oportunismo judicial.

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