Regionalidade

Feitiço piorado do tempo é
a marca da Agência Regional

  DANIEL LIMA - 18/11/2021

O Diário do Grande ABC traz hoje uma reportagem com o presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, puxadinho do organograma de suposta ação setorial que tem o Clube dos Prefeitos como principal protagonista teórico. A Agência é o primo pobre da hierarquia público-privada regional.  

Toda vez que leio algum representante da Agência penso naquele filme, Feitiço do Tempo, onde tudo se repete indefinidamente. A diferença é que o Feitiço do Tempo da Agência é uma versão piorada, porque há sempre o agravamento da deterioração institucional do que se apresentara antes. Uma calamidade que mexe com meus nervos. Sou idiota o suficiente para achar que a situação do Grande ABC pode mudar.  

Combinação exótica  

A novidade da Agência de Desenvolvimento Econômico anunciada pelo presidente Aroaldo Oliveira da Silva, executivo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, é uma combinação exótica, quando não excêntrica, estapafúrdia, do roto e do rasgado em termos de efetiva capacidade de mudanças no quadro econômico regional. 

Disse o executivo que está formalizada uma parceria entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a UFABC (Universidade Federal do Grande ABC). O objetivo explicitado ao jornalista Wilson Moço, do Diário, é produzir mapeamento das indústrias da região para identificar gargalos relacionados à gestão, analisar processos produtivos e produtos, “se a capacidade instalada está sendo usada corretamente e em que grau de aproveitamento, qual a necessidade de suporte técnico”. Inicialmente, segundo o jornal, o estudo será realizado junto a empresas da base metalúrgica, mas a intenção é futuramente expandir para outras cidades e demais setores, como químicos.  

Dadá Maravilha  

Fabuloso. Portentoso. Espetacular. Não sabia,  mas agora estou sabendo e se estou sabendo preciso informar a todos que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, um dos responsáveis pela derrocada econômica regional (entre ganhos e danos de atuação histórica), e a Universidade Federal do Grande ABC (um acintoso exemplo de desconhecimento técnico-econômico, completamente distante de qualquer inquietação produtiva local desde que foi instalada há 15 anos) se juntaram para apresentar um cardápio revolucionário, ou, como diria o ex-centroavante Dadá Maravilha, a “solucionática” aos problemas da região no campo mais frágil deste século, o setor de produção industrial.  

A UFABC é tão insossa na construção de uma regionalidade econômica que aparece nos últimos postos no Ranking da Folha de S. Paulo, que mede, entre outros indicadores, a intersecção com setores produtivos da região.  

Só não rio caudalosamente porque respeito a dor regional de ver o PIB Industrial (como mostramos ontem) sob o escrutínio de amadores, quando não de relapsos, quando não de supostos especialistas. A Fundação Seade fez, em meados dos anos 1990, o único estudo sério, de campo, que identificou as entranhas industriais do Grande ABC. Escrevemos muito sobre isso no passado e, então, chegamos à conclusão de que o capitalismo do Grande ABC já era de terceira classe.  

Bom humor não resiste  

Juro que levantei de bom humor hoje, como sempre me levanto, mas dar de cara com o que dei no Diário do Grande ABC é de lascar. Não há quem resista. Depois de tudo que me ocorreu é impossível ser o mesmo ante tamanhas barbaridades repetitivas. Já não o era antes, mas agora piorou. Ou melhorou.  

Uma alternativa que está sendo posta nestes dias, e que terá minha colaboração, é um milhão de vezes melhor, mais apropriada, mais ajuizada e mais tudo, que o pó de pirlimpimpim da Agência Regional fazedora de marolas de um marketing rastaquera.  

A diferença fundamental no que se projeta como iniciativa pioneira na região para dar conta das mazelas econômicas é que o Feitiço do Tempo não se fará presente em hipótese alguma.  

Fórmulas do fracasso  

Todas as fórmulas já testadas e que se tornaram fracassos (como essa agora, retirada de retalhos ou quase integralmente de tantas outras) não teriam vez em nome de algo que poderia ser chamado de sensibilidade social, comprometimento cívico, responsabilidade coletiva.  

Escolham o que acharem melhor, desde que joguem no lixo da ingenuidade, quando não do voluntarismo, essa nova iniciativa da Agência Regional. Muitas vezes é melhor não fazer nada do que repetir o fracasso do passado. Caso específico do projeto da Agência Regional.  A boa-vontade do presidente e também sindicalista é o caminho da perdição.  

Cabe, entretanto, um intervalo para o comercial de reconhecimento de que a trajetória da Agência Regional de Desenvolvimento Económico não se deu linearmente improdutiva, sofismadora ou sonhadora.  

Situações raras  

Já tivemos gente qualificada na direção e na composição da direção, mas mesmo assim não andamos o suficiente no contraponto da desindustrialização porque o ecossistema político regional jamais se voltou decididamente à direção dos empreendedores, sobretudo de pequeno e médio porte. Foram situações breves que não interromperam o processo de repetição continuada de fórmulas mágicas.  

A fórmula Feitiço do Tempo exposta pelo dirigente da Agência e do Sindicato dos Metalúrgicos, assessorada pela UFABC, promete um chamamento a várias entidades de classe e de uma sociedade organizada ficcional. 

Tudo bem concatenado para ganhar manchetes mas que não interferiria de modo algum no andar da carruagem de perdas industriais continuadas do Grande ABC.  

Aliás, interferiria sim porque venderia ilusões e manteria o que chamaria de massa crítica regional crente em milagre. Um fundamentalismo sem pé de racionalidade e sem cabeça de pragmatismo.  

Junção despropositada  

Cá entre nós: não será com o corporativismo sindical dos metalúrgicos do Grande ABC e também com o academicismo inútil no campo econômico da Universidade Federal do Grande ABC que alcançaremos margem de segurança intelectual e técnica a resoluções prementes. E também com entidades de classe que se mostram secularmente reticentes no campo de luta por mudanças.  

Desde muito tempo estamos enxugando gelo institucional sem chegar ao ponto desejado. Não será essa nova gambiarra programática da Agência Regional que fará alguma mudança de rota. 

No caso específico da Universidade Federal do Grande ABC, o que temos é um amontado de professores, mestres e o escambau que podem ser úteis aos estudantes dentro dos currículos estabelecidos, mas nada que signifique alguma coisa de adensamento do pensamento intelectual regional voltado à criação de riquezas.  São perto de R$ 400 milhões anuais gastos pelo governo federal com a rubrica regional que não se identificam com os pressupostos de regionalidade.  

Carregamento ideológico  

Imagino só o quanto de carregamento ideológico tóxico às pretensões de mudanças efetivas na região (e esse é um ponto essencial à nova configuração que se avizinha) estaria contido na junção de acadêmicos recalcitrantes ao capitalismo e sindicalistas politizados partidariamente com vieses de intolerância ao capital.  

O Grande ABC do futuro que se precisa desenhar não pode entrar na onda de intolerância nacional e internacional de abate ou de sacralização dos agentes econômicos. E tampouco em algo semelhante quando se refere ao Estado e seus representantes em várias instâncias.  

Pragmatismo é deixar de lado cores partidárias e matizes ideológicos. O Grande ABC não comporta divisionismos de qualquer espécie. Por isso o projeto que poderá emergir longe da nova lambança da Agência Regional tem de contar com cláusulas pétreas excomungadoras de personalismos bloqueadores ou inibidores de ações que já tardam.  

Mobilidade às avessas  

Não temos mais o direito de considerar novidade o que não passa de quinquilharia programática.  

Até porque, no caso específico da Agência e da UFABC, o que menos teremos será uma conexão saudável e transformadora que envolva o regionalismo econômico que temos e o que precisamos ter para evitar o aprofundamento da desigualdade social quase exclusiva da região, que combina o pior dos mundos: perdemos seguidamente famílias de classe rica e de classe média e ganhamos famílias de classe pobre e miserável. Uma mobilidade social às avessas.  

Para completar: “Agência de Desenvolvimento Econômico” aparece 451 vezes no acervo de LivreMercado/CapitalSocial. É uma de nossas especialidades. E decepção.

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