Imprensa

Veja Diário do Grande ABC de
nove meses de reestruturação (6)

  DANIEL LIMA - 02/03/2022

Damos sequência a esta série que resgata o Planejamento Estratégico Editorial, preparado e aplicado em parte durante nove meses à frente da Redação do Diário do Grande ABC, entre julho de 2004 e abril de 2005.  

Hoje vamos reproduzir o capítulo relativo ao que chamei e que continuo a chamar de “multifuncionalidade”. Os leitores vão entender. 

Dezoito anos já se passaram desde então. Quem imagina que se tratava, aquele projeto, de simples projeto, dessas coisas que se lançam para impressionar os leitores, não conhece a história da revista impressa LivreMercado, que circulou no Grande ABC durante quase duas décadas. 

Mais que circular na região, LivreMercado revolucionou o jornalismo regional brasileiro. Aprofundou-se inicialmente em temáticas econômicas, mas em seguida avançou em direção a outros templos sagrados da cidadania.  

A gestão pública também constou da agenda analítica de LivreMercado. Celso Daniel não foi uma descoberta por acaso no que deixou de maior legado: LivreMercado acompanhou a trajetória não só do petista, mas de todos os prefeitos contemporâneos.  

Acompanhem mais uma edição da herança que entregamos ao Diário do Grande ABC – e que jamais teve sequência, porque houve desmonte geral das iniciativas.  

 MAIS RESPONSABILIDADES 

A especialização é parente muito próximo da multifuncionalidade. Sem especialistas não se alcança a diversidade funcional. Com vagar, é mais que possível, é certo, que um profissional de jornalismo absorva várias atribuições que o convencionalismo editorial subdivide entre vários colaboradores.  

As diversas fases que caracterizam a linha de montagem editorial podem ser compactadas com evidentes vantagens de tempo e recursos financeiros.  

Um mesmo jornalista pode desempenhar funções de pauteiro, repórter, redator, editor, titulista e legendista. E não se observe esse encadeamento como algo tecnicamente inconciliável.  

Trata-se de gestão compulsória de atributos pessoais. Basta querer. É assim que iniciamos uma revolução na Editora Livre Mercado, onde metade da equipe editorial é formada de jovens ainda inexperientes. 

 JOVENS E EXPERIENTES  

Destacamos esse caráter de juventude que caracteriza parte dos quadros editoriais da Editora Livre Mercado para que não se avoque a impossibilidade de combinar revolução e inexperiência.  

Os resultados não são semelhantes entre os dois grupos de profissionais. Os jornalistas com maior experiência e que tiveram de adequar-se ao novo modelo, vindos todos do arcaísmo de uma hierarquia atávica, compreenderam a importância de se tornarem donos de cada produto que têm na mão — sim, a eles entregamos a responsabilidade e o prazer de extraírem o máximo de insumos.  

Quem redige a matéria tem mais facilidades para escolher a foto, sacar um título, optar pela melhor legenda, redigir o texto de chamada de primeira página, coisas assim. Ao editor compete, entre outras tarefas, a homogeneização da linguagem que, por sua vez, é uma das frondosas ramificações da mesma árvore editorial. A isso se dá o nome de personalidade editorial. 

 EVENTUAIS DESCONFORTOS  

A introdução do sistema de multifuncionalidade conjugada com especialização poderá causar certo impacto no início, mas a mensagem que será passada aos profissionais permitirá amortecer eventuais desconfortos.  

Primeiro porque poucos resistirão à tentação de apropriarem-se de cabo a rabo dos produtos sob sua responsabilidade.  

Segundo porque a perspectiva favorecerá o enriquecimento técnico.  

Terceiro porque estará firme no horizonte a oportunidade de a racionalidade associada à qualidade gerar maiores rendimentos salariais porque os mais apetrechados acabarão por galgar os melhores postos.  

É impressionante como os profissionais que se motivam com a multifuncionalidade — e a motivação é praticamente compulsória — acabam por se preocupar muito mais com o conjunto da obra. Sim, porque eles passam a entender uma das leis soberanas do jornalismo: se a matéria é confusa, o título se torna um tormento e a legenda um desafio. 

 MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO  

Não conseguimos enxergar uma redação que não tenha vocação a multiplicar funções. Estamos reproduzindo no campo editorial uma realidade prática do mundo da indústria de transformação.  

Mais e mais os chãos de fábrica patrocinam cases de engenhosidade funcional. Os núcleos de produção estão sendo ocupados cada vez mais por profissionais doutrinados a exercerem funções correlatas múltiplas. Vivemos tempos ultramodernos em que o conhecimento teórico aliado à funcionalidade prática faz a diferença. 

Estabelecer limites fossilizados aos profissionais de comunicação é o caminho mais curto ao desperdício. Quando se descobre capaz de pautar, redigir, corrigir, titular e legendar, não há jornalista que não estufe o peito da autoestima.  

Que prazer tem um profissional, se de autocrítica dispor, em simplesmente executar uma dessas tarefas?  

 SINERGIA GERAL  

O mais interessante é que multitarefas se revestem de tanta sinergia individual e coletiva que acabam por agilizar o amadurecimento dos profissionais. Queimam-se etapas.  

Profissionais mais antigos e que não passaram pela experiência simplesmente acusam as dores do despreparo. Há profusão de casos de bons redatores péssimos titulistas, bons pauteiros péssimos redatores, bons editores e péssimos pauteiros.

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