Regionalidade

Clube dos Prefeitos é hospital
de infectados sem antibiótico

  DANIEL LIMA - 16/03/2022

É possível sugerir que o Hospital do Coração não tenha instrumental para desobstrução de artéria avariada pós- infarto? É crível sugerir que a Liga das Senhoras Católicas não disponha de exemplares da Bíblia Sagrada? É de acreditar que um hospital para infecciosos em geral não conte com antibióticos? 

Se você respondeu “não” a todas essas perguntas está mais que livre de qualquer suspeita de viver sob efeitos de alucinógenos.  

Então responda mais uma: é possível uma entidade que cuide do Desenvolvimento Econômico de uma região em histórico processo de desindustrialização não contar com um departamento de dados, estatísticas, estudos, planejamento e ações voltadas à Economia? 

Como às três primeiras indagações não há ser vivo e de bom senso capaz de dizer sim, porque dizer sim é lançar-se às profundezas da ignorância ou da estupidez, no caso da quarta questão, na questão do Clube dos Prefeitos, oficialmente Consórcio dos Prefeitos, é exatamente o que acontece de pior e mais inacreditável: 32 anos depois de criado por Celso Daniel, a instituição não conta com um departamento direcionado à economia, ou especificamente ao Desenvolvimento Econômico.  

MAIS COMPLICAÇÕES  

Tradução? A especialidade que supostamente determinaria todos os rumos do futuro do Grande ABC, um futuro que já virou presente há muito tempo, um presente de passividade diante da desindustrialização crescente e excludente, essa especialidade jamais ganhou atenção específica.  

O pior de tudo isso, se é possível aprofundar a desgraça institucional, é que há exatamente três anos foi descoberta a pólvora, a obviedade, de que um departamento de Desenvolvimento Econômico é indispensável (o correto é dizer que o departamento de Desenvolvimento Econômica é o começo e o fim do caminho da regionalidade). O que houve, entretanto, para tudo continuar como antes? 

Diadema segue a adiar a decisão de aprovar a medida. O Legislativo de Diadema (é essa a novidade, vejam só) está cuidando da iniciativa. O Clube dos Prefeitos funciona em regime consorciado, tudo tem de ser aprovado pelos respectivos legislativos. É uma espécie de União Europeia em pontos supostamente vitais.  

Quem acha que desgraça pouca é bobagem não deve subestimar a potencialidade de estragos do Clube dos Prefeitos. 

Como assim? O tal Departamento de Desenvolvimento Econômico poderá vir a ser uma emenda de triunfalismo pior que o soneto do desprezo.  

Trata-se do seguinte: sem o Departamento de Desenvolvimento Econômico, o Clube dos Prefeitos manteve trajetória mais que errática, porque também omissa, descontinuada, insensível e tudo mais em relação ao balanço do navio da economia regional.  

Com o Departamento de Desenvolvimento Econômico a situação correria o risco de ficar pior porque se lançariam medidas marquetológicas com o objetivo de ludibriar o distinto público.  

Essa premissa não é especulação. Está respaldada pela história individual da maioria dos prefeitos que sentaram nos respectivos gabinetes dos paços municipais. As secretarias municipais de Desenvolvimento Econômico não passam de quartos de despejo da Administração Municipal.  

MAIS CHARLATANISMO 

Vou ser mais reto e direto: prefeitos que adoram dourar a pílula, mentem descaradamente, manipulam sem dó nem piedade, ultrapassam a linha de fundo da responsabilidade social, jogam para a plateia, esses tipos de prefeitos fazem de tudo para mistificar.  

Eles poderão se unir em torno do Clube dos Prefeitos para manobras econômicas mais ousadas e abrangentes que passariam a léguas de distância do que realmente interessa. 

E o que realmente interessa para valer e sobre o qual estou cansado de escrever é que a temática de Desenvolvimento Econômico seria uma peça importante, central, mas não única no organograma do Clube dos Prefeitos.  

O que realmente pesaria às transformações é a construção de um Planejamento Estratégico Regional por consultoria especializada, que conheça o mundo dos negócios e que agora, com pandemia e guerra da Ucrânia, sabe que a globalização cederá cada vez mais espaço à regionalização mundial. E que o Grande ABC não pode perder essa embarcação da modernidade emergencial.   

NEGAÇÃO DO ÓBVIO  

O acervo deste CapitalSocial e da revista impressa LivreMercado (que são mesma coisa nesta plataforma virtual) está repleto de traquinagens municipalistas que sacrificam dados e conceitos.  

Até hoje existe acadêmico graduado, com currículo invejável, que vem a público negar a verdade insofismável da desindustrialização regional.  

Esses prevaricadores numéricos e éticos que têm coloração ideológica a sequestrar conhecimentos técnicos contam com o respaldo de autoridades públicas.  

Afinal, eles dizem exatamente o que as autoridades públicas querem para levar ao público mentiras açucaradas.  

Malvistos são os raros personagens de indignação que mexem e remexem em dados históricos, em várias áreas, e comprovam sem muito esforço, ante a clarividência dos acontecimentos, que a trajetória é outra, completamente diferente. 

Fico a imaginar quantos desses violadores da percepção regional não estariam a postos para, num departamento específico, agirem oficialmente em nome dos prefeitos. Seria a coroação da mesquinharia que tem o endereço vital de dar sustentação política às autoridades de plantão. 

MARINHO MELHOR  

Depois que o Luiz Marinho deixou a presidência do Clube dos Prefeitos, porque completara o ciclo de gestão em São Bernardo (pelo menos numa primeira etapa, porque é favorito na temporada de 2020), a instituição caiu pelas tabelas.  

À parte o enviesamento sindicalista demais para meu gosto, Luiz Marinho foi o único titular do Clube dos Prefeitos, após Celso Daniel, criador da instituição, a observar a importância dessa ferramenta de costura de soluções.  

Nada de uma gestão excecional, a bem da verdade, mas muito acima dos antecessores pós-Celso Daniel.  

Tanto é verdade que preparou as bases financeiras das medidas adotadas. Marinho aumentou substancialmente a participação orçamentária dos sete municípios, hoje marginais.  

Tanto quanto importante um Departamento de Desenvolvimento Econômico (e de outras medidas) para fortalecer o Clube dos Prefeitos no que é mais potencialmente reformista), as prefeituras só têm um caminho a seguir: dotar a instituição de orçamento compatível com as emergenciais e estruturais deficiências da Economia do Grande ABC.  

COMO ORGANIZAR  

Entretanto, como tenho por obrigação ir além do ponto inicialmente final nas observações frequentes que faço sobre o Clube dos Prefeitos (são mais de 750 textos no acervo de CapitalSocial), o catapultar do departamento no organograma não fará verão. É preciso muito mais para que o Grande ABC tenha perspectivas de mudanças para valer. 

Há a imperiosidade de uma transformação visceral nos conceitos e na forma de atuação do Clube dos Prefeitos.  

Vou deixar para outra edição o que pretendia escrever agora. Faço uma parada técnica porque é preciso um entendimento específico sobre o que virá, e que não pode ser confundido com a descoberta da pólvora à qual me refiro neste texto. 

Dito isto, veja um resumo do resumo do que prescinde o Clube dos Prefeitos para sair da pasmaceira de três décadas: 

1. Diretoria Institucional. 

2. Diretoria Executiva. 

3. Diretoria de Infraestrutura Social. 

4. Diretoria de Infraestrutura Física. 

5. Diretoria de Infraestrutura Econômica. 

Notaram que tudo que pretendo explicar tem mesmo que ficar para depois? Esses pontos determinam um organograma funcional que teria especialistas em cada departamento. Nada de apaniguados políticos. Não de diversionismo. Nada de tergiversações.  

Um trabalho conjunto, entrelaçado, conjugado, ditado pela realidade da decadente região.  

O problema que se apresenta é que não temos meia dúzia de agentes públicos dispostos a colaborar. E contamos com dezenas de agentes públicos e satélites prontos para atrapalhar. 

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