Economia

Vem aí o quarto golpe do
Rodoanel no Grande ABC

  DANIEL LIMA - 26/04/2022

A economia do Grande ABC já foi duramente abalada por três golpes sequenciais e dilacerantes do Rodoanel Mario Covas e não reagiu. Agora está à beira do nocaute final, ou seja, de um cruzado de complementariedade impactante na mandíbula da imprevidência.  

A linguagem metafórica do pugilismo é um mecanismo que visa transportar para a realidade econômica mais uma prova provada de que o arcabouço institucional do Grande ABC não funciona.  

Pior que não funcionar é ser supostamente protegido por farsantes.  

O Clube dos Prefeitos e as secretarias de suposto Desenvolvimento Econômico dos sete municípios da região não se articulam e, portanto, não criam forças de resistência ao bom combate de forma coletiva.  

Soluções caseiras aqui a ali podem amenizar a situação, mas não quebram a corrente de destruição de riquezas e cidadania.  

OS TRÊS GOLPES  

Já detalhei em dezenas de análises o que se passou com a economia do Grande ABC neste século desde que o Rodoanel Mário Covas começou a ser construído e complementado. 

O primeiro golpe se deu com a inauguração do Trecho Oeste, que abrange a região que chamaria de Grande Osasco, que inclui Barueri. 

O segundo golpe se deu com a inauguração do Trecho Sul, que abrange os municípios do Grande ABC em conexão com o outro lado da Região Metropolitana e a Baixada Santista.  

O terceiro golpe se deu com a inauguração do Trecho Leste, que abrange Suzano e outros municípios em direção ao Norte da Região Metropolitana de São Paulo. 

O quarto golpe vem aí, atrasado, atrasadíssimo, e abrange Guarulhos e um entorno de alternativas. É o Trecho Norte propriamente dito, que fecha o círculo da derrocada do Grande ABC.  

SOMENTE NA JANELA  

Nos três primeiros golpes do roteiro desbravador de áreas que contornam a grande metrópole, as instituições da região ficaram na janela da inércia. Apenas assistiram passivamente, quando não cantarolando fanfarronices,  a banda da desindustrialização se agigantar.  

No quarto golpe que vem aí, tudo indica que  o Grande ABC não sairá do estado de paralisia, porque paralisia é a marca registrada do Grande ABC  Borralheiresco deste século, como o fora também, em larga escala, no século passado. 

A diferença entre o Grande ABC Gata Borralheira deste século e o Grande ABC Gata Borralheira do século passado é que no anterior crescemos economicamente. As condições conjunturais, políticas e tudo o mais colocavam a geoeconomia regional em situação privilegiada. Estar próximo da Capital consumista e do Porto de Santos era o máximo.  

Entretanto, os conceitos de logística se tornaram anacrônicos e foram para o beleleu. O emaranhado de transporte, de acessibilidade, alterou-se.  

MUNDO TECNOLÓGICO  

Neste século sofremos as dores de um mundo cada vez mais tecnológico e, por ser um mundo mais tecnológico, oferece muito mais alternativas no dicionário do pragmatismo de Desenvolvimento Econômico.  

Um exemplo: ainda há falastrões na região a dizer que estamos muito próximos de portos e aeroportos, além da Capital consumista e, portanto, temos um estoque de competitividade intocável. 

É muita ignorância o desdenhar das transformações. Logística deixou há muito tempo de ser a menor distância física entre dois pontos para se tornar a melhor distância temporal e, portanto, econômica,  entre dois ou muito mais pontos. 

O quarto golpe do Rodoanel na estrutura socioeconômica do Grande ABC é mesmo o Trecho Norte do Rodoanel, anunciado hoje nas páginas do Valor Econômico como uma obra que se complementará em 24 meses.  

COMO REAGIR?  

A perspectiva é de sucesso da licitação programada para amanhã. O regime de PPP deverá consolidar o trecho final de uma obra repleta de confusões.  

Portanto, em tese, teríamos dois anos para elaborar um planejamento regional que contemplaria os meios possíveis de um combate por investimentos, quer mantendo o que temos, quer acrescentando alguns pontos no nosso PIB. 

Como a região é uma praça de triunfalismo vazio, o mais provável é que teremos, ao fim de 24 meses, uma nova serpentina asfáltica a nos asfixiar, porque se juntará em forma de anel aos demais trechos do Rodoanel já consolidados e destrutivos à economia do Grande ABC. 

Os efeitos do Rodoanel na economia do Grande ABC (e as repercussões sociais) são agenda estrutural de CapitalSocial, iniciada pela revista impressa LivreMercado, antecessora desta publicação.  

RODOANEL 602 VEZES 

Para os leitores terem uma ideia mais precisa sobre isso – e, portanto, ter condições de avaliar a credibilidade, a preocupação e a dose de indignação que nos move sempre que retomamos o assunto – até a presente data há 602 textos registrados em nosso acervo que trata direta e indiretamente do Rodoanel.  

Portanto, nada aqui é fortuito, por acaso, sazonal, ou de acordo com eventuais conveniências.  

Diria que Rodoanel é uma das cláusulas pétreas da agenda de LivreMercado/CapitalSocial. E que não passa de penduricalho a autoridades públicas que deveriam gerenciar a regionalidade do Grande ABC.

Ou seja: somos a única regionalidade que de fato opera na região de quase três milhões de habitantes. Entendam “somos” o que realmente é “somos”, ou seja, esta revista que completa 32 anos de circulação impressa/digital. 

Os leitores vão ler na sequência dois textos que, distantes no tempo, são espécie de complemento inexorável do descaso com o lado desenvolvimentista da implantação do Trecho Sul do Rodoanel. 

A primeira análise data de julho do ano passado. Trata de vetores econômicos que separam o Grande ABC da Grande Oeste, a área de Osasco, Barueri e outros municípios. 

A segunda análise, de novembro de 2002 (isso mesmo, há quase 20 anos) mostra a posição editorial da revista LivreMercado sobre o futuro do traçado metropolitano.  

Trata-se de um texto que continua válido, validíssimo, porque as institucionalidades do Grande ABC são extraordinárias na incapacidade de gerar transformações que contemplem o planejamento para o futuro.  

 

Rodoanel: Grande Oeste dá

de goleada no Grande ABC 

 DANIEL LIMA - 23/07/2021

 

O que os leitores mais recentes de CapitalSocial e também os leitores que não conheceram a revista LivreMercado vão contar nestas linhas é com mais uma análise do comportamento da economia do Grande ABC no período que começa em 1994, quando foi implantado o Plano Real, e, agora, o ano passado. No meio desse longo caminho de 26 anos tem, entre tantos obstáculos e oportunidades, o Rodoanel Mário Covas.  

Cantamos a caçapa muito antes da obra começar: o Grande ABC se daria muito mal. E está se dando muito mal.  A obra do governo do Estado vista como a salvação da lavoura regional é um tiro que saiu pela culatra da competitividade. O traçado ainda incompleto (falta o tramo Norte) acelerou o processo de desindustrialização do Grande ABC e beneficiou tremendamente várias regiões no entorno da Grande São Paulo, a principal das quais o Grande Oeste, que tem Barueri e Osasco como cabeças de desenvolvimento econômico. 

CONTRASTES EVIDENTES 

(...) Enquanto perdemos geração de riqueza, aquela região avança continuamente.  O Município que menos cresceu no grupo do Grande Oeste cresceu mais que o melhor município do Grande ABC. Se o leitor não entendeu, vamos dar um exemplo claro:  

Rio Grande da Serra, o menor e menos expressivo endereço municipal do Grande ABC, cresceu nominalmente (sem considerar a inflação) no período 620,63%. No Grande Oeste, quem avançou menos no mesmo traçado temporal foi Osasco, com 755,18 %.   O contraste entre o pior dos melhores e o melhor dos piores (ou seja, do Grande Oeste e do Grande ABC) já é suficiente para aplacar qualquer dúvida sobre o destino criador e o destino destruidor do Rodoanel Mário Covas quando se trata de Desenvolvimento Econômico.   

A velocidade de crescimento do Valor Adicionado do Grande Oeste em 27 anos é mais que o dobro da registrada no Grande ABC. O Grande Oeste avançou em termos nominais (que não considera a inflação do período) 1.225,66%, enquanto o Grande ABC apontou 502,37%. Com isso, estreitou-se consideravelmente a diferença entre as duas geoeconomias.  

LARGADA E CHEGADA  

Em 1994, no tiro de largada dos estudos, o Grande ABC contava com Valor Adicionado de R$ 16.032.475 bilhões, ante R$ 4.396.134 bilhões do Grande Oeste. Já em 2020, segundo os dados mais recentes da Secretaria da Fazenda do Estado, o Valor Adicionado do Grande ABC registrava R$ 82.145.830 bilhões, ante R$ 58.277.724 bilhões do Grande Oeste.  Dessa forma, se em 1994 o Valor Adicionado do Grande Oeste correspondia a apenas 27,42% do Valor Adicionado do Grande ABC, na reta de chegada mais atualizada a participação do Grande Oeste chegou a 70,94%. A velocidade de crescimento é que faz a diferença diminuir.    

 

Vamos colocar a pauta do

Rodoanel na área econômica? 

 DANIEL LIMA - 22/11/2002

 

A Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC vai colocar em pauta para debate antes do final de ano um assunto sobre o qual nos referimos tangencialmente na semana passada: o que pretendemos fazer do traçado do Rodoanel Sul como ferramenta de incremento econômico com amplas repercussões sociais?  

Trata-se, simplificadamente, do seguinte: agentes econômicos e sociais que estejam realmente preocupados com a prospecção de novas matrizes de desenvolvimento econômico sustentável da região têm de assumir a dianteira nos debates sobre o trecho sul que passará ao redor de alguns dos municípios da região (Ribeirão Pires, Mauá, São Bernardo e Diadema), retirando dos ambientalistas o controle exclusivamente preservacionista da obra. 

DEVAGAR COM ANDOR  

Calma lá, senhores ambientalistas! Não estou aqui a desfraldar a bandeira da irresponsabilidade. Tanto não estou que destaco a importância do desenvolvimento econômico sustentável em todas as intervenções em busca de novos caminhos para o Grande ABC. Entretanto, defendo também que o debate não se limite a megatratado ambientalista exacerbado, como já se observa aqui e ali. 

Menos mal que o problema maior das obras do traçado sul dessa que é a mais importante cirurgia viária da Região Metropolitana de São Paulo está localizado na Serra da Cantareira; portanto longe do Grande ABC. Na geografia da região aparentemente não há empecilhos incontornáveis. Entretanto, exatamente porque as facções desenvolvimentistas não se mobilizam, os ambientalistas conseguiram sustar as audiências públicas programadas, inclusive em municípios do Grande ABC, e, com isso, agigantam-se as probabilidades de o cronograma de obras fugir do acasalamento estratégico com que todo homem público sonha — ou seja, inaugurar esse novo trecho na boca das urnas eleitorais de 2006, quando uma nova chefia de governo estadual se disputará em São Paulo.  

EVENTO MULTILATERAL  

Quem garante que, diante da impossibilidade ainda não consumada de conciliar tempo e espaço de acordo com as estratégias eleitorais, o governo do Estado não decida afrouxar o ritmo e desviar parte dos recursos para outros projetos? 

É uma boa notícia a afirmativa de José Carlos Paim, secretário-executivo da Agência de Desenvolvimento Econômico. Ele dá conta de que será programado um evento multilateral para aquecer a fogueira da instalação desse temário acima de geleiras de defesas eventualmente conservadoras do conceito de desenvolvimento econômico.  

Muito se fala e se escreve sobre o trecho do Rodoanel que poderá recolocar o Grande ABC na rota dos investimentos produtivos na Grande São Paulo, mas jamais se expôs a seguinte questão: precisamos saber o que queremos obter de possíveis vantagens estratégicas oferecidas pelo traçado que circundará o Grande ABC. 

ESTUDO MINUCIOSO  

Há tantas questões a serem avaliadas e ponderadas que este espaço seria pouco. Mas alguns pressupostos precisam ser cautelarmente registrados e atacados, contando para tanto com uma força-tarefa necessariamente a ser liderada pelo governo do Estado, pelos chefes de Executivos e empreendedores da região. Talvez ainda não seja tarde, mas é indispensável que se elabore minucioso estudo sobre o perfil territorial, topográfico e de propriedade das vastas áreas que estarão próximas do trecho sul do Rodoanel.  

A especulação imobiliária poderá neutralizar a possibilidade de o Grande ABC expandir-se na direção de bordas opostas às da Capital tão vizinha e asfixiante, provavelmente com a inserção de novas configurações econômicas porque assim os mananciais tão próximos exigem.  

PEQUENAS EMPRESAS  

A prioridade de prestigiar pequenas e médias empresas não pode ser enterrada pela ausência de medidas preventivas, como bem lembrou o secretário de Desenvolvimento Econômico de São Caetano, Jerson Ourives. O dirigente sempre participativo em encontros regionais juntou-se ao rápido bate-papo informal que mantivemos com José Carlos Paim e o secretário de Relações Internacionais da Prefeitura de Santo André, Jeroen Klink, pouco antes do evento que marcou a assinatura do convênio da Agência com a Fundação Vanzolini. 

Aliás, a própria Fundação Vanzolini poderia ser chamada a contribuir com planejamento, estudos, propostas e projetos especificamente voltados ao trecho sul do Rodoanel. Afinal, como instituição integrada à ramificação da Universidade de São Paulo, a Fundação Vanzolini poderia ter convocatória recomendada pelo governo do Estado. Basta vontade política para que técnicos especializados se juntem aos agentes sociais, econômicos e políticos do Grande ABC para que se evite na alça sul do Rodoanel o mesmo desvario do trecho oeste já terminado: a completa ausência do Estado como agente organizador do espaço adjacente à serpentina asfáltica. 

ESTADO COMPETENTE  

Essa é a função e, mais que isso, a vocação de um Estado minimamente competente. Deixar ao deus-dará a guerra santa pela disputa econômica de espaços especialmente estratégicos para a qualidade de vida e o equilíbrio econômico da Grande São Paulo é muito mais que imprevidência — é o suprassumo da irresponsabilidade. 

Esperamos que as instituições regionais — sobretudo a Agência, a Câmara Regional e o Consórcio de Prefeitos — se mobilizem imediatamente para levar até o governo do Estado uma síntese com as principais âncoras de um planejamento de ocupação econômica e socialmente inteligente ao longo do Rodoanel. 

São essas e outras questões que, expostas, minimizam o escopo exclusivamente ambientalista com que tem sido tratado o Rodoanel sem, entretanto, reduzir a importância de impedir que predadores de plantão se locupletem. 

Mais caro que o preço da imprevidência ecológica é acrescentar a isso uma morfologia ocupacional em contraste com a potencialidade econômica que o traçado sul sugere.

Leia mais matérias desta seção: