Política

Voto eletrônico: Datafolha e
Folha escondem reprovação

  DANIEL LIMA - 30/05/2022

Esse é um bom teste para saber até que ponto você é radical de direita ou de esquerda. Levo em conta que o voto eletrônico demarca eleitores dos dois principais (e únicos) concorrentes para valer à Presidência da República. E a matéria-prima é o Instituto Datafolha, braço estatístico da Folha de S. Paulo e do chamado Consórcio de Imprensa. 

Afirmar como estou afirmando na manchetíssima de hoje que o Datafolha e a Folha escondem reprovação ao voto eletrônico não é uma heresia. É a realidade que salta da mais recente pesquisa daquele instituto. Não há semântica que resista aos dados apresentados.  

A manchetíssima de primeira página da Folha de S. Paulo de sábado e a manchete da página interna que tratam do voto eletrônico são frutos da mesma tessitura de notícias falsas. Fake news, numa expressão mais utilizada. Uma das modalidades de notícias falsas é enfiar na fuça de consumidores de informação dados sem sustentação como fortalezas inexpugnáveis.  

EXPLICANDO TUDO  

Vou explicar tudo sobre a investida do Datafolha e da Folha de S. Paulo para seguirem tratando o voto eletrônico como meta inviolável à contestação e reparo.  

A sociedade brasileira não concorda com isso em larga escala. O próprio Datafolha fornece combustível para atear fogo às próprias vestes de dados gelatinosos. 

O mapa da mina para dinamitar a concepção do Datafolha e da Folha de S. Paulo de que o eleitorado brasileiro aprova o voto eletrônico está na avaliação de um ponto crucial que, antes de revelá-lo por inteiro, me remete a perguntar ao leitor sem rodeios: 

Pergunta – Quando você responde a uma consulta qualquer sobre o grau de confiança a determinada pessoa com a afirmativa “confio pouco”, você está muito mais próximo de aprovar ou de reprovar?  

RESPOSTA LÓGICA  

Se essa pergunta for feita a um grupo de pessoas, provavelmente a resposta será unânime: não se confia.  

Se individualmente ou em grupo a resposta fosse “confio muito”, não haveria do que desconfiar. Tão claro quanto o sol do meio dia no verão. 

Pois esse é o ponto ignorado, quando não sacrificado, pelo Datafolha/Folha.  

A manchete da página A4 da Folha de S. Paulo de sábado não deixava margem a dúvida quanto ao equívoco que se observa no corpo da matéria: “73% confiam nas urnas; índice recua em meio a ofensiva de Bolsonaro”. 

O Datafolha e a Folha erraram grotescamente. E não é a primeira vez.  

PLURALIDADE? 

O jornal que no passado se orgulhava de suposta pluralidade, hoje não passa de braço armado contra a direita. Tanto quanto algumas mídias eletrônicas o são contra a esquerda.  

O Brasil polarizado que se reflete nas intenções de votos é o Brasil da mídia em geral. O problema é que falta combinar com a realidade dos fatos. E o Datafolha ignora essa premissa porque a militância político-ideológica é a fonte de novas inspirações e aspirações. O jornalismo impresso, como se sabe, está em transe após o desembarque barulhento das mídias sociais.  

Vou reproduzir, em seguida, os trechos principais da matéria da Folha de S. Paulo de sábado e, em seguida, explico as razões de caracterizar o noticiário como fake news. 

FOLHA DE S. PAULO  

A confiança do brasileiro nas urnas eletrônicas caiu desde março, segundo mais recente levantamento do Datafolha, mas ainda é majoritária na população. No total, 73% responderam que confiam no sistema usado nas eleições, enquanto 24% dizem não confiar e outros 2% não sabem. Dentro aqueles que confiam nas urnas, 42% dizem confiar muito no sistema e 31% confiam um pouco. Em março, o índice de confiança era maior – de 82%, enquanto 17% afirmavam não confiar no sistema. Já em relação a dezembro de 2020, a confiança nas urnas subiu: era de 69%, contra 39% que não confiavam. 

AGORA, AS FATOS 

O texto correto ao qual deveria ter-se dedicado a Folha de S. Paulo com base na matriz de dados do Datafolha e num jornalismo a salvo de tranqueiras informativas deveria ser exatamente esse, que segue abaixo, em relação ao que os leitores acompanharam acima: 

A confiança do brasileiro nas urnas eletrônicas continua a cair, segundo o mais recente levantamento do Datafolha, e tudo indica que seguirá caindo até as eleições presidenciais de outubro. No total 58% responderam que “não confiam” ou “confiam pouco” no sistema usado nas eleições, enquanto 42% “confiam muito”. Outros 2% não sabem. Dentre aquele que reprovam as urnas eletrônicas, 24 dizem que “não confiam” e 42% “confiam pouco”. O bloco daqueles que confiam é formado por 42% do eleitorado.  

FALSIDADE INFORMATIVA 

A análise da Folha de S. Paulo é completamente direcionada à falsidade numérica como verdade inquestionável.  

O texto dá de ombros a qualquer possibilidade de ponderação sobre o conceito de “confia pouco”. Como se o time desse grupamento reforçasse automaticamente o time do “confia muito”. Uma tremenda bobagem interpretativa.  

Qualquer profissional especializado em psicologia de massa colocará o Datafolha no deslocamento de credibilidade. Aliás, não é preciso ser especialista em coisa alguma para distinguir o ruim de “confia pouco” do bom de “confia muito”. Ou alguém tem dúvida de que “confia pouco” é parente mais que próximo de “não confia”? 

Você compraria um carro usado de alguém em que “confia pouco”. O Datafolha metamorfoseia realidade factual, tornando-a realidade artificial. 

Não bastasse a farsa interpretativa da Folha de S. Paulo, sem base alguma de sustentação inclusive entre os eleitores de Lula da Silva (ou alguém tem coragem de afrontar a dinâmica sensorial dos entrevistados e considerar “confia pouco” algo positivo) o jornal trata os dados do Datafolha com o costumeiro desdém à inteligência dos leitores. Não é de hoje que escrevo sobre isso. Nem será a última vez, portanto. 

Ao longo dos anos esmiucei malabarismos de pesquisas eleitorais não só do Datafolha. A diferença em optar preferencialmente pelas análises do Datafolha é que o instituto é a base da artilharia de interesses nem sempre republicanos que predomina na Grande Mídia, seja agora, seja antes da barafunda petista.  

CRONOLOGIA MALICIOSA  

Uma das malandragens que visam contaminar os resultados das pesquisas de acordo com a vontade de quem comanda o Datafolha e de quem comanda quem comanda o Datafolha é a ordem cronológica dos questionamentos.  

Uma pergunta antecedente tem poder imenso de enviesar a resposta da pergunta seguinte e também as respostas seguintes das perguntas seguintes. 

Por essa e por outras razões é indispensável contar com o questionário integral de cada pesquisa, o que, todos sabem, é praticamente impossível.  

ORDEM DAS QUESTÕES  

A Folha de S. Paulo e as demais mídias alinhadas fracionam a divulgação dos dados, sempre sob ótica a se desconfiar. A integridade do material básico levado aos entrevistados é sempre omitida. 

Querem um exemplo prático da última pesquisa do Datafolha cuja ordem de perguntas poderia influenciar respostas posteiros?  

Sob a temática “Confiança no sistema eleitoral e participação das Forças Armadas”, a pergunta transposta pela Folha de S. Paulo é exatamente a seguinte: 

a) O presidente Jair Bolsonaro em suas declarações costuma questionar a segurança do sistema eleitoral e diz que pode haver fraude nas eleições. Na sua opinião, existe ou não existe chance de haver fraude nas eleições, com diz o presidente?  

Ora, é muito fácil constatar que o questionamento é enviesado porque explicita um posicionamento do presidente da República numa questão que poderia ser apresentada de maneira neutra, ou seja, sem que se mencionasse um candidato presidencial levado ao escrutínio dos eleitores pesquisados. 

PARTIDARISMO  

Ou seja: partidariza uma questão importante quando a mesma questão importante poderia ser avaliada pelos entrevistados sem a explicitude eleitoral. Por mais que o senso comum junte farsa eletrônica e candidatura de Jair Bolsonaro, não é correto do ponto de vista de ciência meter o bedelho de forma tão acintosa.  

O leitor perguntaria qual foi o resultado a essa questão que nomina o presidente da República.  Um terço dos entrevistados (34%) disseram haver “muita chance” de fraude nas eleições, 21% disseram existir “um pouco de chance” e 43% se posicionaram “não existe chance”. 

Viram os leitores como os números podem ser vistos como conflitantes, mas também como semelhantes à questão pressupostamente anterior (aquela à qual me refiro na manchetíssima aí de cima), cujo enunciado foi neutro – exatamente o seguinte: 

a) Você diria que confia muito, um pouco ou não confia no sistema de urnas eletrônicas usado nas eleições brasileiras?  

MAIS EXPLICAÇÕES  

Quando afirmo que as respostas podem ser vistas como semelhantes, mas também como conflitantes quero dizer que toda a diferença entre uma coisa e outra está na resposta “existe um pouco de chance” para fraudes nas urnas. Nesse caso, ou seja, quando se posicionou “existe um pouco de chance”, o eleitor está mais ou está menos vinculado ao pensamento do presidente?  

Diferentemente da questão de enunciado neutro, ou seja, sem a nominação de Jair Bolsonaro, na qual “confia pouco” quer dizer reprovação às urnas eletrônicas, nesse caso de “existe um pouco de chance” de fraudes, o resultado parece se encaminhar mais para a alternativa “existe muita chance” ao invés de “não existe chance”.  

MAIS DÚVIDAS 

Espero que tenham entendido o tamanho do muro entre uma questão e outra, ou seja, de explícita reprovação ao uso de urnas eletrônicas (isso não quer dizer que se defende urnas de papel) quando não se menciona o nome de Jair Bolsonaro e a possibilidade de fraudes quando se utiliza o nome do presidente da República.  

A dúvida que fica em relação ao cruzamento das duas questões de resultados distintos é por que o Datafolha não introduziu uma nova questão no escrutínio dos pesquisados, na sequência das duas questões acima: 

a) Você seria favorável à comprovação em papel do voto eletrônico nas próximas eleições? 

b) Você seria favorável ao voto exclusivamente de papel nas próximas eleições, aposentando-se, portanto, o voto eletrônico?  

APOSTANDO CABELOS 

Sou capaz de apostar todos os meus cabelos que o Datafolha jamais vai fazer a pergunta que cruzaria votos eletrônicos com votos documentados. O resultado seria uma pá de cal na avaliação supostamente majoritária de que as urnas não são violáveis da forma com que se apresentam nas eleições. Afinal, se da forma com que já se apresenta o enunciado protetivo ao voto eletrônico – e mesmo assim os resultados são um chute na canela da arrogância – imaginem então com complemento. O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral iriam entrar em convulsão.  

Voltando ao Datafolha e à questão em que se menciona deliberadamente o nome de Jair Bolsonaro na suposição de fraude eleitoral, está tão claro o direcionamento partidário que entre os eleitores de Lula da Silva pesquisados pelo Datafolha, apenas 21% responderam “existe muita chance”, enquanto os eleitores de Bolsonaro foram 60%. De outro lado, “não existe chance” contemplou 57% dos eleitores de Lula da Silva, ante 16% de Jair Bolsonaro. 

O interessante nessa dicotomia partidária é que tudo isso reforça a questão-chave da manchete da Folha de S. Paulo: bolsonaristas, lulistas e eleitores de outros candidatos perfilam-se como maioria que “confia pouco” e “não confia” nas urnas eletrônicas. 

FORÇAS ARMADAS  

Mais um ponto da pesquisa do Datafolha coloca a Folha de S. Paulo em situação difícil porque o resultado também contraria a política de criminalizar as Forças Armadas.  

Explico. À pergunta “As forças Armadas devem participar da contagem dos votos nas eleições”, nada menos que 45% “concorda totalmente”, outros 13% “concorda em parte” e apenas 7% “discorda em parte” e 33% “discorda totalmente”. Ou seja: a maioria segue alinhada à desconfiança das urnas eletrônicas.  

E mais uma vez, também nesse questionamento específico, a divisão entre lulistas e bolsonaristas é palpável: 48% dos lulistas “concorda totalmente” e “concorda em parte” com a participação dos militares, ante 81% dos bolsonaristas, enquanto 49% dos lulistas “discorda em parte” e “discorda totalmente” da presença dos militares ante 17% de bolsonaristas que “discorda em parte” e “discorda totalmente”.  

DOIS PESOS 

Nos desdobramentos diários do Datafolha nas páginas da Folha de S. Paulo, a edição de hoje é um tiro no pé da incoerência interpretativa apontada no caso das urnas eletrônicas, de fraudes e outras questões avaliadas acima. A manchetíssima de hoje do jornal paulistano é prova disso. A manchete principal de primeira página é exatamente a seguinte: “Situação econômica influi muito no voto, diz maioria”.  

Vale a pena reproduzir o texto da primeira página (que se repete em alinhamento lógico na página interna) e, em seguida, breve exame complementar: 

a) Pesquisa Datafolha aponta que 53% dos brasileiros consideram que a situação econômica do país está tendo “muita influência” na decisão do voto – e, para a maior parte dos eleitores, o quadro piorou no últimos meses. Há “um pouco de influência” para 24%, enquanto 21% não veem influência alguma. Nesse contexto, subiu de 46% para 52% (entre levantamento feito em março e agora) o total de eleitores que consideram que sua situação econômica pessoal piorou nos últimos meses.   

Voltando à realidade: notaram que a Folha de S. Paulo esqueceu o critério de incorporar a resposta secundária em densidade à resposta principal, como o fez no caso das urnas eletrônicas?  

Vou explicar: para ser coerente (e novamente equivocada) com a forçada de barra de enganar leitores com a falsidade de aprovação ao voto eletrônico (que de fato foi reprovado), o Datafolha e a Folha de S. Paulo deveriam acrescentar aos 53% dos brasileiros que se posicionaram no modo “muita influência” em relação à situação econômica do País os 24% que responderam “um pouco de influência”.   

Ou seja: o universo de eleitores que, seguindo a interpretação do Datafolha e da Folha de S. Paulo no caso das urnas eletrônicas, seria formado pela soma dos 53% que disseram “muita influência” e os 24% que disseram “um pouco de influência”. 

O Datafolha e a Folha de S. Paulo se juntaram às instâncias judiciais que não abrem mão do voto eletrônico solteiro, ou seja, sem qualquer adendo, e precisam manter uma suposta aprovação do eleitorado. Quebraram a cara com os próprios punhos sem luvas. 

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