Política

Voto regional é um mistério
que dificulta planejamento

  DANIEL LIMA - 02/06/2022

O conceito de voto regional num Grande ABC reconhecidamente misturado em seus limites territoriais e dividido na cultura municipalista seria mais ou menos o seguinte: quantos sufrágios ao longo de disputas à Assembleia Legislativa e à Câmara Federal foram consumados em favor de candidatos reconhecidamente com atuação na região em relação ao conjunto da obra, ou seja, ao total do eleitorado e aos candidatos paulistas? 

Confesso publicamente essa frustração porque em matéria de Economia sou o que todo mundo sabe, com dados na ponta da língua.  

Entretanto, em matéria de política, sobretudo de disputa eleitoral, poucas vezes me ative a desvendar essa questão entre outras razões porque já tenho interrogações demais para tentar destrinchar. Além disso, as fontes primárias de informações são um labirinto. 

COMPLEXIDADE AFLORA  

Além disso, não custa lembrar, a questão do voto regional é muito mais complexa do que parece. Dia desses escrevo sobre especificidades que desafiam eventuais pesquisadores do tema.  

Confesso que nos últimos dias andei dando uma pesquisada para ver não necessariamente o quanto votamos nos candidatos locais, mas mais precisamente sobre a possibilidade de haver um Ademir Medici dos votos nos candidatos da região.  

Menciono o meu amigo Ademir Medici porque não há ninguém na história regional com tanta competência, determinação e mesmo evangelização voltadas às entranhas da ocupação dos sete municípios.  

VÁCUO GERAL  

Ademir Medici é um triturador do passado, mas um triturador metafórico. Disseca múltiplas plataformas sociais. Ainda bem que deixou algum pedacinho para este jornalista.  

Entretanto, nem eu nem ele nos demos conta de que há um ponto de interrogação enorme a ser vasculhado. 

Quantos votos em média tendo como referência o estoque do eleitorado da região foram e estatisticamente poderiam ser computados nas eleições deste ano a concorrentes aos cargos de deputado estadual e deputado federal? 

Partindo-se da premissa de que nas últimas eleições municipais para prefeito o mais bem votado entre todos (diante da moleza dos adversários praticamente banidos pela mídia) Paulinho Serra obteve 48% dos votos disponíveis, e tendo-se em vista que não há notícia segura de quanto foi o lote de votos produtivos na soma de todos os candidatos a uma vaga de vereador, a conclusão a que chego preliminarmente é que apenas uma minoria,  expressivamente minoria,  que concorrerá a deputado estadual e a deputado federal,  terá o aconchego de eleitores da região.  

VOTOS DESPERDIÇADOS  

O manancial de votos desperdiçados (abstenções, votos em branco e votos nulos) e a enxurrada de votos em candidatos de fora que sabem utilizar as redes sociais, será contundente.  

Quanto afirmo que o voto regional é dividido quero dizer que a divisão vai muito além dos sete municípios que se fingem companheiros (a série “Uma vez Borralheira, sempre Borralheira” trata disso com ironia) porque também embarca no transatlântico de terceiros, estranhos a tudo que se refira a atividades locais.  

As eleições proporcionais de 2018 foram um festival de somas e multiplicações de votos em gente que jamais deu as caras na região. Esse é um processo que vem de longe e só ganhou mais tração agora com o advento dos aparelhos de smartfones e a Internet bombando.  

ADEUS FRONTEIRAS  

As fronteiras físicas foram dissolvidas de vez. O mundo digital e seu filho dileto, os algoritmos,  prevalecem e desafiam os concorrentes locais. Não há barreira a inviabilizar invasões. Os Cavalos de Troia são portáteis, insinuantes e arrasadores.  

Fico cá a imaginar quais são as coreografias estratégicas dos candidatos a deputado estadual e a deputado federal para o enfrentamento aos alienígenas.  

É claro que alienígenas é uma brincadeira. Como superar a força das redes sociais mais consolidados dos principais candidatos no Estado?  

Peguem os nomes dos candidatos estrangeiros mais votados nas eleições proporcionais de 2018 e vejam a que ponto eles chegaram.            

NOVA AVALANCHE? 

Flavio Bolsonaro, Janaina Paschoal, Joice Hasselmann, Mamão Falei e tantos outros deitaram e rolaram em solo paulista. Alguns desses e outros mais menos votados, mas com sufrágios expressivos minguaram em prestígio nos últimos quatro anos justamente no bastião em que estabeleceram fortalezas, as redes sociais. Provavelmente novos invasores estarão na lista dos mais votados.  

A questão que martela minha cabeça inquieta é saber qual é o tamanho do estrago do voto desperdiçado no Grande ABC quando se pretende medir a produtividade na disputa por uma vaga na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal? 

É nesse ponto que aprofundamos crítica à regionalidade vazia de nossas entranhas institucionais.  

FÓRUM DA CIDADANIA  

Afinal, como esse tema de evasão eleitoral vem de muito longe, combatido que foi, oficialmente, na campanha de 1994, quando o Fórum da Cidadania desfraldou a bandeira do “Voto no Grande ABC”, a curiosidade aumenta ainda mais.  

Será que não existe um acadêmico na praça (sugestão ao pessoal da USCS, que se tem debruçado com denodo nas questões regionais) orientado para buscar essa resposta e, a partir daí, um grupo de especialistas dedicar-se a medidas que deem adensamento político estadual e político nacional à representatividade regional? 

Embora o histórico da chamada Bancada do ABC seja a multiplicação horrenda de desencanto e enganação, um Grande ABC diferente do que temos há 300 anos passaria também por estratégia geral no campo político. 

MUNDO POLÍTICO  

Afinal, o mundo vai ser cada vez mais conduzido pela política, como já tem sido, e quem não se preparar vai dançar. A economia perdeu a pole-position, como bem escreveu ainda esta semana, tratando de estratégias internacionais, um especialista do Financial Time.  

É claro que ter o domínio estatístico do quanto de voto regional jogamos no lixo nas duas competições eleitorais que poderiam dar mais força à política do Grande ABC no Estado e em Brasília é apenas ínfima parte de estratégia muito ampla.  

Ter alguns ingredientes para preparar um bolo, entregando-os a um chefe de cozinha despreparado, pode ser pior do que não ter esses mesmos ingredientes, porque se evitaria estrago.  

Não acredito sinceramente que essa proposta tenha desdobramento positivo. Vivemos numa região de profundo sono institucional. Aqui as coisas não acontecem porque há gente interessadíssima em congelar o tempo e olhar para o próprio umbigo e bolsos. 

UMBIGO E BOLSOS  

Tanto é verdade que já não se tem mais a cara de pau de utilizar a expressão Bancada do ABC como pressuposto à regionalidade do voto -- mesmo sem ter o mínimo de engenhosidade ao escrutínio do que seria voto regional.  

O que parecia um marketing de democratização do voto e das ações dos parlamentares eleitos não passou mesmo de um marketing vazio.  

NADA DE BANCADA  

Agora, nem Bancada do ABC se introduz nas mensagens eleitorais. As forças de interesses político-administrativos preferem estrangular a plasticidade de opções dos eleitores, canalizando incursões em nome de determinados candidatos, escolhidos a dedo pelos grupos de influência.  

Ainda tenho muito a escrever sobre o voto regional antes que outubro chegue,  mas o farei, como prometi, na medida do possível e do diferenciado em relação à mesmice que a mídia introduz no calendário eleitoral.  

A questão do tamanho do voto produtivo do eleitorado do Grande ABC nas eleições proporcionais, tema de hoje, é um ponto-chave a qualquer perspectiva de se desenhar o que teremos em forma de representação em Brasília e no Estado de São Paulo. 

Quando escrevo “representação” é porque tomo a cautela de separar uma coisa da outra. Representação e representatividade são diferentes. Representação é a legalidade no formato de escolha, enquanto representatividade é a consecução de ações com capilaridade junto à sociedade.  

SOMENTE NO PAPEL  

O que não falta no Grande ABC são instituições com representação formal (caso do Clube dos Construtores, sempre sob o mesmo comando, entre outras entidades) mas sem qualquer vínculo com representatividade que, resumidamente, é o quanto a entidade de classe decididamente representa.  

Saber o que se passa com o voto regional e a partir daí lançar-se à luta estratégica de buscar a cada temporada metodologias que intensifiquem a participação do eleitorado em favor dos nomes locais é um desafio e tanto.  

Não acredito, sinceramente, que haverá respostas. Uma região que não cuida dos próprios fundilhos econômicos, em processo de esvaziamento contínuo, não teria aptidão para mais nada, exceto ao individualismo do salve-se-quem-puder.  

FINANCIAL TIMES  

Para completar, Martin Wolf, editor e principal analista econômico do Financial Times, quem escreveu ontem no Valor Econômico sobre a projeção da política no mundo em que vivemos. Veja: “É a política, seu burro”. James Carville, o estrategista de campanha de Bill Clinton disse, celebremente, que é “a economia, seu burro”. A primazia da economia não pode ser mais considerada um pressuposto. A nossa é uma era de guerras culturais, de política identitária, nacionalismo e rivalidade geopolítica. Em decorrência disso, é também uma era de divisão no âmbito entre países”. 

O Grande ABC, às avessas, pratica indomavelmente essa prática de política antes da economia, mesmo se desconsiderando o contexto nacional e internacional. E só tem colhido tempestade. Sem organizar a política regional, é claro que tudo continuará mais difícil, mas as práticas atávicas nos levam ao buraco contínuo.  

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