Política

Voto regional já não é tão
misterioso assim. Confira

  DANIEL LIMA - 14/06/2022

Escrevi no último dia dois que o voto regional é um mistério. A base do enunciado é o tamanho da sangria dos candidatos locais a deputado estadual e a deputado federal em relação ao universo do eleitorado. Temos perto de dois milhões e 100 mil eleitores. Gente pra burro, como se sabe.  

Sangria é o efeito do voto de cada eleitor desviar-se do caminho da região em direção a forasteiros ou alienígenas.  

Um provincianismo de raciocínio ou um desejo incontido de torcer pelo Grande ABC?  

Você é que decide. Mas decida pensando no que você está comprometido com o local regional em que mora. E com a qualidade dos políticos locais que o representam. 

Para quem não está nem aí com a maionese do regionalismo e seus efeitos, tanto faz uma coisa quanto outra. 

COMO UMA BOATE  

Para quem tem compromisso com a região, incomodam as duas coisas. O sangramento e a inapetência de supostos prejudicados, ou seja, candidatos da região.  

Agora posso afirmar sem medo que existe uma luz a clarear o assunto. Uma luminosidade de boate, é verdade, mas já é alguma coisa. Melhor que nada.  

Como escrevi naquela análise, andei perscrutando a Internet para descobrir alguma coisa nesse sentido – ou seja, o farolete a indicar algum ponto de convergência no propósito de dar conta do recado. 

Achei quase sem querer, ou melhor, foi sem querer mesmo, uma informação que está na edição digital do Jornal OVALE (antigo Valeparaibano) de São José dos Campos.  

VOTE QUE VALE  

Aliás, mais que encontrar dados da Região Metropolitana do Vale do Paraíba, também descobri que o jornal está lançando uma campanha que o Diário do Grande ABC colocou na praça em 1994, juntamente com o Fórum da Cidadania.  

Aqueles foram os melhores anos do Diário do Grande ABC. Já os melhores anos da revista LivreMercado foram todos os anos da revista LivreMercado. 

O Voto no Grande ABC do Diário do Grande ABC virou Voto que Vale do jornal OVALE. Uma sacada inteligente, mas que, esmiuçada, não parece diferente do que se viu aqui na região.  

Ou seja: vai ser interessante, deverá dar algum resultado, como se deu aqui, mas sem uma mexida geral na metodologia, entre outros pontos, daria com os burros nágua. 

Dar com os burros nágua significa que quantidade é uma coisa, qualidade é outra. 

E O FUTURO?  

Os vencedores das disputas eleitorais na região sob o guarda-chuva do Fórum da Cidadania e do Diário do Grande ABC mal se aperceberam do compromisso com o futuro.  

Sem uma agenda levada a sério, com monitoramento independente e constante, de nada adiantará mobilizar-se em torno de causas valiosas.  

E votar em candidatos da região, seja o Grande ABC seja o Vale do Paraíba, seja da Grande Campinas, é uma causa valiosa. Tanto é verdade que, se há uma proposta que potencializa o que já é interessante, é a aplicação do voto distrital. 

Trataremos disso em outra data, embora já o tenha feito no passado. Políticos do Vale do Paraíba estão de olho no assunto.  

CONSÓRCIO POLÍTICO  

Os prós e contras ao voto distrital deveriam ser pauta inadiável do Consórcio de Imprensa, por exemplo. Mas o Consórcio de Imprensa só repete a política feita pelos políticos, embora com outras armas. É uma indigência intelectual sem limites.  

Resta saber, quanto ao voto regional, se a causa é interessante a toda a sociedade ou apenas aos grupos de pressão que mantêm as rédeas dos processos eleitorais com financiamentos que privilegiam potenciais favoritos.  

Como estava dizendo, descobri nas páginas digitais do OVALE que o prefeito de Jacareí teria estudado o assunto e aferido que, dos 1,9 milhão de votos disponíveis no mercado do Vale do Paraíba em 2018, 700 mil foram convertidos em favor dos candidatos a cadeiras estaduais daquela área, enquanto 770 mil contemplaram os candidatos locais a deputado federal. No fim das contas, foram eleitos apenas dois estaduais e dois federais. Os demais votos disponíveis foram para candidatos de fora, viraram abstenções, votos nulos e votos em branco. Uma enxurrada.  

Uma confluência de votos desperdiçados e de candidaturas em excesso levou o Vale do Paraíba à baixa representação na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal. 

REGIÃO NA CONTA  

No Grande ABC de 2018, também de aproximadamente 1,9 milhão de eleitores, foram eleitos seis deputados estaduais e dois deputados federais. Tudo dentro do controle proporcional de rebanho. Temos 6% dos eleitores do Estado e 6% de ocupação de cadeiras na Assembleia Legislativa. Os eleitores da região no total do País não chegam a 2%.  

Portanto, a baixa representação eleitoral do Grande ABC é uma imprecisão dos avaliadores. Mas não custa nada ter representação maior, embora o que deva ser doutrinado como exemplo de maturidade é o que chamo de representatividade, que é a produtividade qualitativa da representação.  

Trocando em miúdos, não passaria de três votos, um pouquinho mais, bem menos que quatro, para cada grupo de 10 eleitores, destinados a candidatos locais no Vale do Paraíba. No Grande ABC, até prova em contrário, a conclusão seria a mesma.  

Uma análise mais profunda sobre as características geoeconômicas do Grande ABC e do Vale do Paraíba tomaria muito espaço, mas há alguns pontos que merecem ser observados porque teriam influência no empuxo do voto regional. 

Supostamente, o Grande ABC teria mais produtividade potencial de votos aos candidatos locais na medida em que é uma região especial na literatura de metropolização.  

IDENTIDADE PRÓPRI?  

O Grande ABC conta com identidade (gatabolheiresca, é verdade) própria porque 2,8 milhões de habitantes estão quase espremidos num espaço territorial de 840 quilômetros quadrados. A densidade demográfica passa de três mil habitantes por quilômetros quadrado. 

O Vale do Paraíba é muito maior territorialmente, com 39 municípios, 2,8 milhões de habitantes e densidade demográfica que não chega a 200 habitantes por quilômetro quadrado.  

Se o leitor acha que isso é importantíssimo, de modo a estabelecer diferença fundamental à possibilidade de o Grande ABC contar com menor quebra de votos locais para os candidatos a deputado estadual e a deputado federal, não custa elevar a desconfiança de que nem tudo que parece é de fato.  

DENSIDADE RELATIVA  

Por mais que a densidade demográfica no Grande ABC conduza a uma busca de votos menos desgastante e mais sensibilizadora, também porque são apenas sete municípios ante 39 do Vale do Paraíba, é preciso avaliar que densidade demográfica não é um conceito fechado quando se trata de eleições.  

Vou tentar explicar. No conjunto da obra, de fato, o Vale do Paraíba é mais esparso que o Grande ABC na ocupação espacial, mas quando se pega pelo chifre o touro da individualidade municipal, da área urbana de cada território, desprezando-se a dispersão causadora de baixa densidade, provavelmente teríamos um acréscimo acentuado de interação social.  

MEIOS DE COMUNICAÇÃO  

Se ganha teoricamente na composição da população em relação ao total da área do território da Região Metropolitana do Vale do Paraíba, a Região Leste da Grande São Paulo,  o Grande ABC embutido na metrópole paulistana, perde feio no campo da comunicação.  

São José dos Campos, Capital do Vale do Paraíba, conta com retransmissoras de TV da Capital, com as janelas a programações locais. O Grande ABC é satélite cultural integral da Capital tão próxima porque não dispõe de nenhum veículo de comunicação de massa.  

Poderia avançar o sinal de atrevimento à prospecção de outros diferenciais entre as duas áreas, com dados diversos. 

Poderia mesmo, mas não vou tocar adiante as especificidades e as semelhanças entre esses importantes pontos geoeconômicos do Estado de São Paulo.  

MESMA INVASÃO  

Nestes tempos de Internet e de aparelhinhos mágicos que destruíram parte da reputação e do predomínio da Velha Imprensa (tanto os grandes jornais nacionais quanto os grandes jornais regionais), não há, aparamente, nada que supere a aproximação virtual dos candidatos nas campanhas eleitorais. 

É tanto verdade essa avaliação que, também nas páginas de OVALE, constatei que os candidatos mais votados a deputado estadual e a deputado federal naquelas 39 cidades são os mesmos que invadiram virtualmente o território do Grande ABC – Janaina, Joice,  Tiririca, Mamãe Falei, Bolsonaro filho e tantos outros.  

Nada muito distante dos tempos em que não havia esses aparelhinhos atrevidos na palma da mão. Os invasores predominavam no horário gratuito de televisão.  

PRESENÇA PESA  

Claro que o peso do presencial é considerável ainda (estão aí nossos candidatos mais bem aquinhoadas com recursos públicos que não nos deixam mentir),mas já não é como antes, que também não era lá essas coisas.  

Ainda tenho muito a escrever sobre eleições nesta temporada. O Grande ABC também, no campo da política, é um deserto de informações e de mesmices.  

Um exemplo: como os partidos políticos que gastam tanto dinheiro público nesse eterno liberou geral de fundos de campanhas que fazem milionários, especialmente os chamados especialistas em legislação da área, não se debruçaram jamais para decifrar o voto regional e, a partir daí, criar mecanismos que elevariam a produtividade?  

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