Sociedade

Responda rápido: você confia
na maioria das pessoas? Diga!

  DANIEL LIMA - 04/07/2022

Os leitores vão ficar estupefatos (ou não ficarão nada surpresos?) com a resposta média dos brasileiros quando indagados a respeito da confiança que têm sobre a maioria dos brasileiros. Brasileiro não acredita em brasileiro quando a pergunta se refere “à maioria dos brasileiros”.  

Transplantando o assunto para essas terras de João Ramalho, o leitor pensaria diferentemente da maioria dos brasileiros sobre os brasileiros? Duvido. 

Essa “maioria” contida no centro do questionamento que resultou num ambiente de Sodoma e Gomorra comportamental faz uma diferença e tanto.  

Não houvesse “a maioria”, que é um chamamento à atenção sobre nossos relacionamentos de maneira geral, mesmo relacionamentos circunstanciais, ou exatamente por conta disso, possivelmente a resposta estaria enviesada. 

PARENTES, NÃO 

Pressupostamente, com os familiares colocados no topo e no todo da resposta, os resultados seriam menos escabrosos. 

Seriam mesmo menos escabrosos ou parentes próximos também fariam parte do mesmo saco de gatos de desconfiança? Se acreditarmos nisso, é melhor fechar o caixão.  

O resumo é simples: falta capital social à comunidade em geral. No Grande ABC, então, é uma barbaridade. A combinação de desindustrialização e quebra da mobilidade social nos transformou numa terra de desiludidos em geral e de oportunistas em especial.  

TRIPÉ DESEQUILIBRADO  

O tripé Mercado, Governo e Sociedade, base de civilização razoavelmente aceitável, virou pó no Grande ABC.  

Aliás, nunca foi lá essas coisas desde sempre, porque democracia no sentido mais abrangente é uma fantasia da minoria bem nutrida que manda e desmanda.  

E não pensem que estou me referindo a uma única classe social e econômica. Os nichos corporativos e políticos dão o tom. O restante segue a orquestra de maquinações ou paga o preço da resistência.   

Mas isso é outro assunto. Certo mesmo é que o Mercado e a Sociedade do Grande ABC estão muito abaixo do nível de participação, influência, interferência e poder do Governo, no caso as prefeituras. É o Estado em forma de Poder Público Municipal. 

Vamos ao que interessa e que deu origem a esse texto.  

SÓ 6,5% CONFIAM  

Dados do World Value Survey mostram que o capital social do Brasil, que também é chamado de coesão social, é de fragilidade alucinante.  

Apenas 6,5% dos brasileiros acreditam que a maioria das pessoas é confiável. A média dos demais países pesquisados é de 27%. O Brasil ficou em 80º lugar entre 88 países. 

O que pergunto é o seguinte: fosse o Grande ABC um País, qual seria a nossa colocação nesse ranking de desconfiança? Pessoas que largamente não confiam em pessoas são pessoas doentes psicologicamente ou têm motivos de sobra para demonstrarem sanidade?  

UNANIMIDADE ANIMAL 

Se a pergunta fosse outra, tanto em nível internacional quanto nacional e regional, seria uma goleada. Que pergunta? 

Ora, bolas: a maioria confia nos animais, especialmente nos cães? Acho que seria 100% para os pets. 

Brincadeira à parte, o fato é que cada leitor destas linhas deve ter ficado encafifado com a pergunta do título. Ainda mais porque induzi a todos a uma resposta rápida, quase irrefletida. Foi uma brincadeira sem graça.  

Num caso como esse, de decidir sobre confiança em terceiros, é preciso pensar bem.  

Talvez quem tenha se decidido a dizer que confia possivelmente esqueceu do diabo que mora nos detalhes, ou seja, “na maioria”. É aí que o bicho da desconfiança pega para valer. Confiamos, em regra, em poucas pessoas. “na maioria” seria estupidez.  

DEPENDÊNCIA DO ESTADO  

A mesma sondagem abordou outras questões que mostram mesmo como estamos de mal a pior.  

Sigo a trilha do pesquisador associado do Insper, Marcos Mendes. Ele tratou do assunto em termos nacionais. Peguei o atalho e regionalizei a questão publicada na edição de sábado da Folha de S. Paulo.  

Marcos Mendes é uma de meus colunistas preferidos, entre os quase 40 que leio permanentemente. Prefiro as colunas ao noticiário propriamente dito. Experiência no ramo faz a diferença. A gente conhece os atalhos.  

Por mais que o jornalismo da Velha Imprensa esteja cada vez mais voltado à interpretação do noticiário, sempre é melhor acompanhar os colunistas de diversas fontes ideológicas e estilos. Veja o que escreveu Marcos Mendes:  

 “Quanto ao esforço coletivo para resolver os problemas da sociedade, 48% dos brasileiros acreditam que cabe ao governo a responsabilidade por atender as necessidades das pessoas, em oposição ao esforço individual. A média é de 16,5%. Só Jordânia e Zimbábue colocam mais responsabilidade no governo. O curioso é que o brasileiro não confia no governo, sendo o quinto da lista dos mais desconfiados. Logo, a mensagem parece ser de descompromisso individual com a solução dos problemas coletivos, jogando para um terceiro (o governo) a responsabilidade que não se quer assumir, e de buscar o governo sempre que precisar resolver um problema do seu grupo de interesse” – escreveu Marcos Mendes. 

PIOR AQUI   

Possivelmente o resultado que explicita a dependência dos brasileiros de instâncias de governo seria ainda pior por estas terras. Estamos tanto à deriva econômica neste século, não bastassem as duas últimas décadas do século passado, que não encontramos nenhum sinal de que haveria reação coletiva em formato institucional.  

Cada vez mais o Grande ABC é extremamente dependente dos humores dos governos municipais que, por sua vez, na maioria individualistas e bairristas, como tenho demonstrado ao longo dos tempos em forma de síntese gataborralheiresca, tratam, em regra, de seus próprios destinos.  

Há, portanto, um vácuo ameaçador e permanente no ambiente regional em situação provavelmente mais elevada de dependência do governo do que a média brasileira. Até porque a média brasileira é resultado de um país que mesmo mal das pernas tem melhores números de desempenho econômico que o Grande ABC nos últimos 40 anos.  

SEM PERSPECTIVA  

Gostem ou não os triunfalistas de plantão, que só enxergam o próprio umbigo, o que temos no Grande ABC sempre que aparecer uma luz de questionamentos imprescindíveis, é um óbvio atestado de decadência. Uma decadência contínua que torna a sociedade local senão descrente do futuro, mas infinitamente distante dos sonhos de um passado que passou sem que as januárias das janelas se dessem conta de que o futuro seria o que está aqui em cores e ao vivo. 

Contasse o Grande ABC com alguma instituição voltada a tomar o pulso da sociedade e das instâncias de poder de forma confiável, sem manipulações de qualquer ordem, poderíamos ter uma tomografia completa do que pensam os quase três milhões de habitantes sobre os mais distintos temas.  

ALVOS DISTINTOS  

Já imaginaram esses dados analisados permanentemente com base em dispositivos tecnológicos de Inteligência Digital? Já imaginaram o quanto poderiam ser úteis à instrumentação de medidas sociais, econômicas e culturais sem desperdício de munição? 

Juro que gostaria de saber como pensa para valer o Grande ABC em relação a algumas questões internas, mas também externas. Por exemplo: 

1. Você confia no Clube dos Prefeitos? 

2. Você confia no prefeito de sua Cidade? 

3. Você confia no presidente da República? 

4. Você confia no ex-presidente Lula da Silva? 

5. Você confia no Supremo Tribunal Federal? 

6. Você confia para valer no jornal que você lê todos os dias? 

7. Você confia para valer nos jornalistas?  

TRÊS DIMENSÕES  

Questionamentos não faltariam. Se fossem feitos a mim, teria de contextualizar. Primeiro como jornalista, segundo como pessoa física, terceiro como exemplar panglossiano. 

Para ficar mais claro: se me perguntassem se confio no Supremo Tribunal Federal, daria três respostas: 

1. Como jornalista – não confio. 

2. Como pessoa física – não confio. 

3. Como o panglossiano Leinad Amil, que é meu contrário – confio sempre. 

Você está mais para o jornalista, para a pessoa física ou faz parte de trupe que vê tudo cor de rosa?  

Aliás, sobre confiança, o líder espiritual Dalai do Tibete, Dalai Lama, disse o seguinte: “Falando francamente, é muito difícil confiar nos chineses. Uma vez mordido de uma cobra, você desconfia mesmo quando enxerga uma corda”. 

Ou você prefere o dramaturgo americano Tennessee Williams: “Temos de desconfiar uns dos outros. É nossa única defesa contra a traição”.  

Já o ex-presidente Ronald Reagan foi contraditório. Primeiro disse: “Cerque-se dos melhores que você achar, delegue autoridade e não interfira”. Depois, declarou: “Confie, mas cheque”. 

Vamos lá, vamos lá. Você decide.  

Leia mais matérias desta seção: