Política

Conservadores fazem 10
gols na Avenida Paulista

  DANIEL LIMA - 26/02/2024

Para entender (antes de opor-se) os 10 gols que os conservadores marcaram ontem na Avenida Paulista é indispensável uma tomada da temperatura do ambiente político-social antes e depois. Sem essa equação que envolve a psique social você não vai compreender o que passou e o que pode passar no País nos próximos tempos. Permanecerá, portanto, submerso a enquadramento defasado. Novas tomadas de posições e contextos sinalizam novas realidades.  

Ou seja: qualquer contestação a essa avaliação – e é muito bom que o façam – passa necessariamente pelo conjunto de 10 pontos sobre o qual faço breves considerações.

Sem cuidadosa sistematização desses quesitos, corre-se o risco de acreditar que é possível tomar uma gaveta do armário entreaberta que se vê pelo buraco da fechadura como o ambiente integral do quarto de solteiro. A gaveta pode revelar apetrechos masculinos cuidadosamente organizados, em contraste, entretanto, com o restante do ambiente. Ou exatamente o inverso.

O dia em que a Avenida Paulista retirou os conservadores da vergonha e do amedrontamento pós-Oito de Janeiro é seguramente um dia especial. Independentemente de coloração partidária e ideológica, 25 de Fevereiro pode ser o marco inicial de nova atmosfera num País subjugado por duas metades praticamente iguais nas consequências deletérias, mas nem por isso proibitivas. É o custo da democracia, caros pretensos donos do destino de uma Nação.

Uma metade faz vistas grossas às aberrações de um dos poderes que, como definiu com arroubos autoritários o novo ministro do STF, Flávio Dino, “controla” os demais. A outra metade respira por aparelhos e coloca no mesmo balaio de descrédito instituições imperfeitas, mas não descartáveis. Seguem os 10 gols marcados pelos conservadores na tarde de ontem na Avenida Paulista. 

1. MANIFESTAÇÃO ESTRATÉGICA.

2. MICHELLE CARISMÁTICA.

3. DISCIPLINA E ORDEM.

4. DISCURSO COMEDIDO.

5. MALAFAIA TERCEIRIZADO.

6. EFEITO ELEITORAL.

7. JUDICIÁRIO ENCURRALADO.

8. IMAGEM EXPORTÁVEL.

9. JORNALISTA PORTUGUÊS.

10. ESQUERDA ATÔNITA.

Colocada na vitrine da síntese, o que é possível extrair da Avenida Paulista? Nada melhor que passar a conjecturas.

1. MANIFESTAÇÃO ESTRATÉGICA

É muita ingenuidade ou dopagem ideológica acreditar, como muitos acreditaram, que Jair Bolsonaro e sua equipe criariam um matadouro no melhor estilo de Jim Jones, transformando o 25 de Fevereiro no enterro formal dos conservadores brasileiros. Parece que há certo desprezo pelo adversário – é disso que se trata – imputando-lhe voluntarismo inconsequente ante desafios nem sempre dentro das quatro linhas de jogo.

Alguém com a cabeça no lugar poderia mesmo supor que a empreitada de ontem na Avenida Paulista não foi concebida por cérebros políticos dotados de informações concretas de que haveria um poderio sistêmico de representação social que asseguraria o sucesso consumado?

Os adversários de Jair Bolsonaro e dos conservadores brasileiros ainda não caíram na real de que o que temos na praça nacional de competição ideológica – é disso que se trata – não é uma chuva de verão. Até mesmo a Folha de S. Paulo, vanguardista na tomada de decisões no campo minado da política – quem não se lembra das Diretas, Já!? -- somente outro dia se deu conta de que a direita veio para ficar. O editorial do jornal mais que centenário foi uma confissão pública de que o Brasil cada vez menos domesticado quando não neutralizado pela Velha Imprensa, já anda com as próprias pernas, não sob a tutela de terceiros que cultivam interesses nem sempre nobres.  

2. MICHELLE CARISMÁTICA

Quem desconhecia o potencial de interação da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro assistiu ontem a uma demonstração de que um dos calcanhares de Aquiles de Jair Bolsonaro e dos conservadores em geral, estigmatizados na cartilha de identitariíssimo, poderia sofrer duros contragolpes em disputas eleitorais. Michelle Bolsonaro transmitiu a imagem conciliadora entre religiosidade aguçada e equilíbrio temperado de emotividade. Com isso, superou qualquer vínculo direto com o populismo, que a condição de mulher oferece de respaldo. Michelle é boa de palanque. Foi superior ao próprio marido. Quem acha que mulher boa de palanque não ajuda a fazer a diferença não entende nada de mulher. Nem de política. 

3. DISCIPLINA E ORDEM

A ausência de incidentes reforçou o conceito de que os conservadores que ocuparam novamente a Avenida Paulista, e ocuparam tantos outros locais desde o surgimento de Jair Bolsonaro, é uma enorme representação social que, em regra, zela pela ordem e segurança. Os cuidados se provaram compensatórios. E também foram um sucesso diante de ameaça de infiltrados. Um aparato que cuidou de todos os detalhes, inclusive de contratempos de saúde de manifestantes. O Oito de Janeiro, portanto, segue como um especulado mas sempre condenável desvio de percurso.

4. DISCURSO COMEDIDO

O ex-presidente Jair Bolsonaro fez um discurso comedido, quase protocolar. Não disse nada que não havia dito no passado em incansáveis lives, mas deixou de dizer muito do que disse no passado, nas lives e nas declarações à imprensa, que tanto o colocaram em rota de colisão com instâncias do Judiciário, especialmente com o ministro Alexandre de Moraes, e também com os maiores veículos de comunicação do País. O autocontrole poderia ser chamado de autocensura, foi uma resposta ao ambiente de prisão que se espalhou pelo País na medida em que vazam informações e especulações sobre as investigações que levariam o então presidente ao ápice da apuração da Polícia Federal. Mas Jair Bolsonaro não se acovardou. Tanto que fez referências à chamada minuta do golpe, contrapondo-se à versão sem contrapontos da Velha Imprensa.  

5. MALAFAIA TERCEIRIZADO

O pastor Silas Malafaia foi escalado para bater o escanteio e marcar o gol de cabeça na pauta de esquadrinhar as raízes e os contrastes, quando não discricionaridades, nas relações entre o governo Jair Bolsonaro e, principalmente, o Supremo Tribunal Federal. Malafaia foi ao passado recheadíssimo de tolerâncias com espectros ideológicos mais alinhados a determinados integrantes do Supremo. Um relato conhecido e comprovado, mas que, num País sob democracia relativa, parecia entregue ao esquecimento e ao desdém de narrativas enviesadas.  

6. EFEITO ELEITORAL

O conjunto crítico das manifestações na Avenida Paulista, com provas testemunhais e documentais, além do tom prevalecentemente democrático, ganha contornos de peça publicitária nesta temporada eleitoral. Os efeitos colaterais com que se poderia trabalhar o campo conservador são abrangentes. Nestes tempos de mídias sociais, resultados não se medem por critérios ultrapassados do aqui e agora, mas nas repercussões consequentes. E o portfólio dos conservadores extraído da Avenida Paulista é um contraponto precioso ao Oito de Janeiro catastrófico.

7. JUDICIÁRIO ENCURRALADO

É muito pouco provável, quase impossível, que o Supremo Tribunal Federal ou seu principal agente nos embates com representantes dos conservadores se dobre à sugestão do ex-presidentes Jair Bolsonaro e entregue de bandeja a cabeça dos exageros das medidas contra os arruaceiros do Oito de Janeiro. A proposta de anistia coloca Alexandre de Moraes numa sinuca de bico. A batata quente da conciliação política foi sugerida diante de milhares de testemunhas na Avenida Paulista, retirando-se qualquer interpretação contrária, ou seja, de que o outro lado do espectro político nacional, o lado de Jair Bolsonaro, pretenderia manter acessa a fogueira de conflitos político-judiciais. Alexandre de Moraes tem contra si uma circunstância que nem o mais empedernido extremista de esquerda negaria: o contraponto às invasões em forma de descarte do Devido Processo Legal é um ônus constitucional que o faz referência de autoritarismo, condenado até mesmo por quem está longe de ser de direita.

8. IMAGEM EXPORTÁVEL

Não há como negar que o ex-presidente da República está repleto de razões, mesmo que razões puramente de marketing, como poderiam admitir os adversários, ao lembrar que as imagens da Avenida Paulista vão ganhar o mundo e chamarão a atenção às condições de práticas antidemocráticas no País. Os números sobre o volume de manifestantes vão para o escanteio da desimportância na medida em que uma imagem vale mais que qualquer manipulação. É impressionante a quantidade do tom verde-amarelo na Paulista. Com a massificação das redes sociais, já não é mais possível, sem perder ainda mais credibilidade, a Velha Imprensa manipular imagens para vender ilusões. O máximo que faz, e mesmo assim também sob o peso do descrédito, é contradizer-se quanto ao volume humano em desacordo não só com as fotografias de agora, como também de tempos em que se lutava para instaurar a democracia de verdade e se exagerava na quantidade da plateia documentada.

9. JORNALISTA PORTUGUES

O breve relato do jornalista português Sergio Tavares durante a manifestação, após ser detido por quatro horas no Aeroporto de Guarulhos, e, mais que isso, o que pretende massificar fora do País, são duas faces de incidente que deverá elevar o Brasil a observações mais apuradas no ambiente internacional.  O que teremos será provavelmente a exportação do ambiente de falsa democracia que o Brasil vive desde o Teatro das Tesouras. Os conservadores eram joguetes nas mãos de tucanos e assemelhados, falsos contrapontos do Lulismo. O jornalista português é tratado apenas como influenciador pela Grande Imprensa nacional. Nega-se a função profissional de jornalista, como se boa parte dos jornalistas dessa mesma Grande Imprensa não fossem vaquinhas de presépio de poderosos grupos de interesse.  

10. ESQUERDA ATÔNITA

No jogo de aparências que geralmente escondem os verdadeiros sentimentos, porque na política é mais importante parecer, não perecer, é provável que as esquerdas, especialmente o PT, estejam vivendo uma segunda-feira de ressaca. O adversário deixou as cordas, a beira de um nocaute em novo lance das disputas que se seguiram às eleições de 2022. Mais que isso: ganha fôlego e consolidou uma saída de representatividade social antes sob suspeita. É possível que os petistas tenham vivido uma noite de terror, como torcedores fanáticos que, numa tarde-noite de domingo, veem o time arquirrival ganhar um título importante e, madrugada adentro, buzinas intermitentes dificultam a chegada do sono. O 25 de Fevereiro não seria para os esquerdistas o Oito de Janeiro dos conservadores, mas o contragolpe teve um desfecho impactante. Há vida do outro lado do campo de disputa. Democracia é isso. O resto é perfumaria de malandros e poderosos intocáveis.

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