Esportes

SANTO ANDRÉ ANTECIPOU
SAFIEL DO CORINTHIANS

  DANIEL LIMA - 14/10/2025

A experiência supostamente redentora que o Corinthians poderá adotar nos próximos tempos com a chamada SAFIEL foi proposta de forma pioneira pelo então presidente, Jairo Livolis, como solução para o Santo André, com ampla documentação e análise deste jornalista, então à frente da revista de papel LivreMercado, antecessora de  CapitalSocial.

Há exatamente 26 anos Jairo Livolis foi alçado à Reportagem de Capa de  LivreMercado.  Vestido com a camisa do Santo André, segurando uma bola de futebol, Jairo Livolis sorria num flagrante resumido no título emblemático: “Santo André S/A – Lei Pelé à moda Thatcher. 

O dirigente que está entre as principais personalidades da história do Grande ABC não conseguiu levar adiante a proposta de solidificar fundamentos então consagrados pela primeira-ministra britânica, Margareth Thatcher, que reduziu o peso das estatais ao incentivar que a população se tornasse proprietária de ações das companhias. 

REVOLUÇÃO INSTITUCIONAL

O Grande ABC daquele final de século passado vivia período de grande ebulição institucional. Respirava-se transformação em meio à década mais dramática na Economia. Somente nos anos 1990 o Grande ABC perdeu 100 mil empregos industriais com carteira assinada.

As pequenas indústrias foram dizimadas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, protetor das montadoras de veículos e algoz das autopeças. As cadeias produtivas desapareceram. Sobraram apenas o setor automotivo, mesmo assim bastante debilitado, e o setor químico-petroquímico.

Entretanto, no campo institucional, sob a liderança do prefeito de Santo André, Celso Daniel, criaram-se organizações que pareciam assegurar dias melhores. Clube dos Prefeitos, Agência de Desenvolvimento Econômico e Câmara Regional de Desenvolvimento surgiram na esteira do Fórum da Cidadania, movimento à parte do âmbito político-administrativo,  em 1994.

Acompanhei muito de perto toda aquela revolução. O Esporte Clube Santo André já desfrutava dos benefícios sociais e econômicos da inauguração do Poliesportivo, clube de entretenimento e lazer instalado no coração do 2º Distrito, no Parque Jaçatuba. Tudo sob a liderança de Jairo Livolis.

Há muito em comum entre o projeto de Jairo Livolis e o que os proponentes da SAFIEL esperam ver aprovado no Corinthians.  E quanto mais parentesco entre um projeto e outro, mais resplandece o brilho da diretoria comandada por Jairo Livolis.

MUITA COISA MUDOU

Mas, no caso do Santo André,  não é possível acreditar que o passado proposto pode virar um presente de realizações, agora tendo o Corinthians como espelho motivacional. O que era potencialmente uma grande revolução no futebol profissional da região não serve mais para estes tempos. A boiada de oportunidade parece ter passado para sempre.

O Santo André já não é mais o mesmo. Está desfigurado como representante institucional  da cidade, embora tenha mais identidade que praticamente todas as demais organizações coletivas. O Santo André ocupa a Série B do Campeonato Paulista. Isso significa a Sexta Divisão do futebol brasileiro.

Posicionamento na hierarquia do futebol brasileiro faz muita diferença. Quanto menos relevante, menos o valor de avaliação de um clube. O São Bernardo acabou de subir para a Série B do Campeonato Brasileiro. Série B do Brasileiro é uma quase-elite. Conta com calendário e muito mais retorno dos patrocinadores diretos e indiretos. Se antes do acesso o São Bernardo valeria por volta de R$ 100 milhões, agora provavelmente custaria o dobro.

FUTEBOL DE NEGÓCIOS

Ainda à espera de investidores que possam elevar o clube à formatação de SAF dentro dos padrões atuais, restrito a eventuais novos comandantes, o Santo André não teria massa crítica para sequer ensaiar a possibilidade de adotar a proposta de Jairo Livolis. A representatividade social do Santo André esfarelou-se.

Os tempos são outros. Os clubes da região perderam o contato com a população entre outros motivos porque os grandes clubes da capital se tornaram ainda mais dominantes. O Grande  ABC  que jamais foi regionalista também perdeu o tônus municipalista no futebol. O São Bernardo é um time estranho à sociedade de São Bernardo. Praticamente só joga em São Bernardo. Não tem intimidade com qualquer organização coletiva.

O marketing transformou o futebol em grande espetáculo de público e bilheteria. Não há mais lugar para clubes que não respondam às demandas dos investimentos. Talvez tudo fosse diferente se a proposta de Jairo Livolis houvesse obtido sucesso há quase três décadas.  

SAGED FRACASSA

O que de fato veio na sequência, em 2007, foi o lançamento do Santo André Gestão Empresarial. A organização empresarial, com duas dezenas de acionistas, tornou-se um fracasso fora de campo após sucesso efêmero dentro de campo, quando chegou a disputar o título do Campeonato Paulista com o Santos em 2010 e disputou uma temporada de Série A do Campeonato Brasileiro.

Mas isso é outra história. Nada a ver com a popularização de ações pretendida por Jairo Livolis. O mesmo Jairo Livolis que chegou a liderar o projeto da Saged. Foi defenestrado por parte dos acionistas. A Saged deixou o Santo André em estado de  penúria financeira, zerou o estoque de preciosidades da base de jogadores e desmoralizou qualquer coisa que possa sugerir nova tentativa interna de virar clube empresarial.

Antes de uma leitura da síntese da proposta de Jairo Livolis nas páginas de LivreMercado de 1999, eis a reprodução da matéria publicada pela CNN Brasil neste final de semana sobre a SAFIEL do Corinthians. 

 

Corinthians: entenda como funcionaria

a SAFIEL, projeto inédito no Brasil 

O Corinthians seria uma nova sociedade. Essa sociedade teria dois sócios. Um sócio: o Corinthians, que vai entregar, aportar e contribuir na sociedade com os seus ativos, do futebol, e o seu passivo, por patrimônio líquido. E, de outro lado, uma outra empresa que é formada por acionistas que integram a torcida corintiana. (...) Todo torcedor que quiser investir vai poder investir. Eduardo Salusse, idealizador da SAFIEL

Segundo Carlos Teixeira, o modelo proposto busca “pulverizar o controle entre centenas de milhares de corintianos” e “instaurar governança compatível com as grandes empresas de capital aberto”.

A participação de cada parte será definida após a avaliação dos ativos e do capital investido. “A própria lei das SAF estabelece que clubes que tem 10% podem ter poder de veto em uma série de assuntos”, explicou Eduardo.

Segundo Salusse, o controle político não depende apenas da maioria acionária. “A questão de controle não necessariamente tem relação com uma participação societária. O controle pode ser definido num acordo de sócios que vai definir os poderes políticos de cada um, da maioria e de veto, inclusive”, disse.

Como inspiração, os idealizadores citaram o Bayern de Munique, time que hoje está liderando a Bundesliga.

“A SAFIEL, em poucas palavras, consiste em transformar todas as propriedades de futebol que hoje estão no clube associativo numa nova corporação altamente profissionalizada, com padrões de processos e governança compatíveis com as maiores empresas nacionais e grandes clubes de futebol, por exemplo, o Bayern de Munique, que é uma grande inspiração para nós”. Carlos Teixeira, idealizador da SAFIEL

Carlos Teixeira detalhou que a SAFIEL emitirá dois tipos de ações: uma com direito a voto e outra preferencial, sem voto. “Esse segundo CNPJ que entra de sócio junto com o associativo vai emitir dois tipos de ação. Uma ação com direito a voto, que vai poder ser comprada por corintianos, e uma outra classe de ação, que é a ação preferencialista, que, assim como o Bayern, empresas e fundos de investimento serão convidados a investir, mas não terão poder de voto”, relatou.

Para participar, o torcedor precisará ser sócio do programa Fiel Torcedor. "Esse tipo de ação que é comercializada para o setor corintiano, para que qualquer corintiano compre essa ação, vai precisar ser de torcedor. Ele vai precisar fazer parte do programa Fiel Torcedor do Corinthians. Então, ele contrata um plano, e a partir daí ele adquire ação. Estando adimplente com o plano dele, ele também vai poder votar nas assembleias", explicou Teixeira.

O projeto prevê um limite máximo de votos por investidor e uma meta de captação bilionária. “Nosso projeto prevê limite máximo de voto. Nenhum acionista poderá ter mais que 1,8% das ações com direito a voto”, disse Carlos.Os idealizadores ressaltaram que não pretendem se tornar donos do clube. “É um projeto feito por corintianos sem nenhum interesse político ou financeiro no projeto. (...) Tudo que nós estamos fazendo é uma doação para a comunidade corintiana”, afirmou Teixeira.  

 

Santo André Sociedade Anônima

adota modelo Margareth Thatcher

 DANIEL LIMA - 05/06/1999 

Dentro de três meses o Conselho Deliberativo do Esporte Clube Santo André vai estar reunindo para tomar a decisão mais importante em 32 anos de história desta que é a instituição esportiva mais popular do Grande ABC. O presidente Jairo Livolis, empresário que há sete anos transformou o que era apenas um time de futebol num imenso e concorrido parque poliesportivo, prepara estudos para o salto mais delicado, complexo, instigante e revolucionário da agremiação — torná-la uma sociedade anônima, adequando-a à chamada Lei Pelé. Embora não seja o primeiro clube da região a adaptar-se de fato à legislação, já que a Associação Desportiva São Caetano e o Grêmio Mauaense vivem experiências que podem ser interpretadas como de terceirização do Departamento de Futebol, o Santo André deverá consolidar modelo inédito de empreendedorismo no setor, porque possibilitará a toda a comunidade da região adquirir lotes de no mínimo 100 milhões de um total de um milhão de ações com direito a voto.

MAIS LIVREMERCADO

Adaptando a projeto do Esporte Clube Santo André ao terreno das privatizações, o sistema que se pretende implementar é semelhante ao que a ex-primeira-ministra Margareth Thatcher liderou na Inglaterra, quando decidiu desmontar o império de estatais deficitárias ao democratizar o acesso às ações das companhias. A diferença entre a decisão de Margareth Thatcher e a proposta de Jairo Livolis é que o Santo André não é uma organização estatal e muito menos contabiliza prejuízos. Trata-se de clube saudável, com perto de 30 mil associados entre titulares e dependentes, os quais desfrutam de variedade de opções de equipamentos de lazer e entretenimento no Poliesportivo instalado no Parque Jaçatuba. São 60 mil metros quadrados de área. 

MAIS LIVREMERCADO

Além disso, o Santo André conta com tradição de força média do futebol do Estado de São Paulo. Já subiu três vezes para a Primeira Divisão e disputa o campeonato de acesso com amplas possibilidades de estar entre os grandes clubes paulistas na próxima temporada. O lançamento das ações do Santo André S/A, cuja previsão do presidente Jairo Livolis é para o início do ano que vem, independe do acesso à Primeira Divisão. Afinal, trata-se de obrigatoriedade imposta pela Lei Pelé. Mesmo que a legislação sofra mudanças e passe a ser puramente opcional, como defendem algumas lideranças de grandes clubes, o Santo André já fez sua opção pelo mercado de ações. 

MAIS LIVREMERCADO

Jairo Livolis reconhece que passar para a elite do futebol paulista pode ser a pedra de toque que provocaria esperada enxurrada de torcedores e não-torcedores decididos a investir em ações do clube-empresa. Se não houver mudança de rota, serão efetivamente 499 mil ações lançadas no mercado a R$ 5 por unidade, correspondentes à participação de 49,9% do capital social do Santo André Sociedade Anônima. O Esporte Clube Santo André ficará com 50,1%. Por que a diferença de apenas um ponto percentual entre as ações que serão levadas aos investidores e a parcela que corresponderá à participação acionária do Esporte Clube Santo André? Simples: o Esporte Clube Santo André, pelo menos até que o projeto ultrapasse a fase de decolagem, terá mecanismos legais de manter maioria numérica entre os membros do Conselho Gestor, o órgão diretivo que vai dar os rumos ao Santo André S/A. 

MAIS LIVREMERCADO

Antes que se conheçam os detalhes preliminares sobre as atribuições do Conselho Gestor do Santo André S/A é importante que os potenciais investidores entendam como vai se proceder o surgimento desse clube-empresa de ações atomizadas. A partir da aprovação do Conselho Deliberativo, o Santo André será dividido em duas partes. O Esporte Clube Santo André, como é identificado juridicamente hoje, vai ter reconhecimento exclusivamente como instituição associativa. Gozará, portanto, de todos os benefícios da legislação, manterá o Conselho Deliberativo, o Conselho Fiscal e a Diretoria Executiva. O patrimônio material permanecerá intocável. Já o Santo André S/A vai se submeter à legislação especifica que atinge as empresas como se fosse uma construtora, uma megaloja, coisas assim. A diferença é que o comando administrativo caberá ao Conselho Gestor eleito em assembleia pelos acionistas. 

MAIS LIVREMERCADO

A formação inicial do Conselho Gestor, como pretende o presidente Jairo Livolis, terá seis representantes do Esporte Clube Santo André e cinco do Santo André S/A. Todas as diretrizes do Santo André S/A passarão pelo Conselho Gestor. Jairo Livolis vai mais longe. O órgão poderá, inclusive, reunir-se extraordinariamente diante de situação emergencial. Jairo Livolis cita especificamente o caso recente em que o técnico Luiz Carlos Ferreira resolveu aceitar proposta do XV de Piracicaba e rompeu contrato verbal com o clube. O Santo André não teve disponibilidade de recursos financeiros para cobrir a proposta financeira do XV Piracicaba. 

MAIS LIVREMERCADO

Se já funcionasse como Santo André S/A, uma reunião do Conselho Gestor poderia ser convocada para decidir por eventual contraproposta ao treinador. Nesse caso seria necessário aprovar desembolso financeiro ou, diante de falta de recursos, promover aporte de capital, provavelmente com o lançamento de naco complementar de ações no mercado, forma de capitalização que pode alterar a participação relativa dos acionistas. O mais provável mesmo é que se o Santo André S/A já estivesse em atividade, o técnico Luiz Carlos Ferreira não deixaria o clube no meio de uma competição. Uma empresa esportiva, como pretende ser o Santo André S/A, teria maior respaldo financeiro para dificultar, contratualmente, uma ação oportunista de um executivo tão importante no cronograma da organização.

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