Regionalidade

PF ACABA COM A FARRA
DO CLUBE DOS PREFEITOS

  DANIEL LIMA - 15/08/2025

Independentemente dos desdobramentos da Operação Estafeta, que destronou ontem o prefeito de São Bernardo, Marcelo Lima, a Polícia Federal já causou estrago monumental. Os imperialistas e territorialistas do Grande ABC não esperavam por essa tragédia. Na casamata dos privilegiados do Clube dos Prefeitos, uma instituição farsesca,  foi para o saco o projeto hegemônico que caminhava celeremente para confundir as bolas. Vendia-se gato de preceitos típicos de mandachuvas e mandachuvinhas por lebre de redenção regional.  

Na melhor das hipóteses, toda a engrenagem que pretendia manter a sociedade do Grande ABC de joelhos diante de narrativas glorificadoras, entrará em parafuso. Esse é um bom motivo a comemorar. Pena que os danos dos federais sejam atordoantes tanto dentro quanto fora do terreiro em convulsão.  A imagem do Grande ABC, precaríssima na bolsa de valores de investimentos competitivos, ganhou potencialidade incontrolável no derramamento midiático sem fronteiras. Somos o resto de toco, o toco sozinho. A percepção de ações delituosas dos poderosos  se soma à criminalidade organizada fora de esferas oficiais.

Tenho por natureza e cuidado não comprar tudo que as instituições vendem a pretexto ou não de enviar mensagens de que são guardiãs da moralidade e da ética. O Brasil destes tempos e de tempos passados não é para amadores. 

VÁCUO NATURAL

Entretanto, diante das provas reunidas pela Polícia Federal, não há como relaxar na interpretação preliminar do noticiário. O Grande ABC comprovadamente está naquele estágio de moralidade que há muito se desconfiava. Não somos diferentes do País. Aliás, é possível que sejamos piores. Por quilômetro quadrado, certamente.

Mas vamos ao que interessa: o Clube dos Prefeitos que os atuais prefeitos pretendiam tornar campo de operações de controle municipal e regional por um grupo seletivo e associados a conduzir a regionalidade de forma imperialista e territorialista deverá sofrer duros reveses.

Haverá um vácuo de comando sucedido de desconfiança generalizada. As iniciativas que pareciam caminhar às mil maravilhas precisam agora ser cuidadosamente avaliadas. Dinheiro público federal e dinheiro público estadual, motivação básica do ajuntamento festivo dos prefeitos, não parecerão mais tão acessíveis e tampouco excluídos de preocupações quanto ao uso.

Já escrevi várias vezes sobre o projeto imperialista e territorialismo do atual Clube dos Prefeitos, mas não custa repetir. O imperialismo se daria ou se pretendia dar com a argamassa anticrítica de um conjunto de participantes que distribuiriam entre si as respectivas capitanias dos sete municípios.

DUAS FACES DO PERIGO

O territorialismo é a vagabundagem esperta de fazer crer que se trataria de regionalismo. Uma coisa e outra coisa são coisas diferentes.

Territorialismo é a gestão coletiva por alguns mutuamente escolhidos a fim de subordinar a vontade de todos às próprias ambições. Regionalismo é a participação efetiva e independente de representações institucionais e individuais da sociedade.

A estratégia dos sabotadores da regionalidade institucional legada por Celso Daniel era uma jogada perfeita. Pouco perceberam que se tratava de uma operação exclusivista, de interesse de poucos que dominam as prefeituras da região e vários parlamentares estaduais e federais. Tudo caminhou neste sentido nestes últimos oito meses. Haveria  espécie de réplica expansionista do territorialismo e do imperialismo obtidos com amplo sucesso nos últimos oito anos  em Santo André.

De repente, eis que dá uma tremenda zebra. O despojamento e o constrangimento legal impostos ao prefeito dos prefeitos Marcelo Lima provocaram um estrondo na política regional. Há evidente tentativa interna de espalhar os destroços a outros atores políticos que não constam das investigações.   

CUIDADO REDOBRADO

Somente os próximos tempos poderão dar elasticidade ou não à lista de supostos infratores. Seja lá o que for que venha a ser colocado no tabuleiro da baiana de contrariedades individuais dos imperialistas e dos territorialistas, a mensagem demolidora é irrebatível: mesmo a mais singela, pura, perfeita, idônea, responsável e tudo o mais operação que envolver as prefeituras locais e também ou principalmente o Clube dos Prefeitos, prevalecerá a desconfiança de que haveria observadores externos a causar incômodos.

Como acompanho as ações do Clube dos Prefeitos desde que escrevia que o Clube dos Prefeitos era Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, e isso se deu há quase 35 anos, alguns meses depois de criar a revista de papel LivreMercado, talvez esta seja a melhor notícia. Como assim? Ora, bolas: já que o Clube dos Prefeitos jamais foi o que deveria ter sido (exceto durante algum período do prefeito dos prefeitos Celso Daniel) e já que os atuais integrantes partiram para a esculhambação estratégica, colocando-se ostensivamente à frente de planejamento regional para valer, é melhor mesmo que conheça o inferno e, quem sabe, ressurja das cinzas. Demore o que demorar seria sempre preferível esse desfecho à dupla face nefasta do territorialismo e do imperialismo. 

CASA DAS ILUSÕES

Quero ver qual seria a utilidade da Casa de Brasília, o puxadinho sem nexo senão o que está mais que explícito nos parágrafos anteriores, diante do afastamento escandaloso do prefeito dos prefeitos Marcelo Lima.

Dependendo da extensão da ficha corrida específica dos apanhados em delito pela Policia Federal, e quem sabe de agregados que, por exemplo, os aparelhos celulares provavelmente explodirão, a Casa de Brasília não só se tornará um reduto mais que descartável como também, possivelmente, facilitaria a tarefa dos federais.

Fico a imaginar e imagino sem cacoete necessariamente ácido, porque evidente, como já se estão dando os relacionamentos entre agentes políticos da região e assemelhados estaduais e federais depois das repercussões midiáticas de ontem e que seguirão nos próximos dias. Quem tem coragem de trocar mensagens e telefonemas, por exemplo, com qualquer dos nomes diretamente ou não da lista da Polícia Federal?

Traduzindo tudo isso,  o que quero dizer é que o Grande ABC Político, de Inocentes e Culpados, virou endereço tóxico de extensão nacional. Nem vou entrar em detalhes especulativamente ou não sobre os efeitos arrasadores da imagem perante investidores privados que, eventualmente, pretendiam ou pretendem instalar-se na região. Nosso passado já é barra pesada e nosso presente é espantoso.

A percepção de que a criminalidade na região seria uma engrenagem à qual adicionaram areia, agora se tornou a certeza de que se trata apenas de areia mesmo, no caso areia movediça.

E A CIDADANIA?

Embora não faltem exemplos nacionais e principalmente internacionais de localidades que chegaram ao fundo do poço econômico, social e moral,  mas conseguiram reagir a ponto de darem a volta por cima, no caso do Grande ABC o buraco de insolvência social é muito mais embaixo.

Aqui não existe um mínimo de cidadania, quanto mais de cidadania cooperativa. Estamos no precipício do descaso coletivo. Faz o que bem quer o PIB de Influenciadores  integrado por políticos populistas, empresários aproveitadores e sociedade negligente.

Vivemos o pior dos mundos. Combinamos  tudo isso com a degringolada econômica tão permanente e gravíssima como negada ou dissimulada pelos triunfalistas e territorialistas de plantão.

Chegamos a um estágio de apatia social  de grau tão insano que não há reações indignadas de qualquer instituição com foco na regionalidade ou mesmo no municipalismo.

REVÉS PEDAGÓGICO

Nos últimos 30 anos o Grande ABC estacionou na contramão de um acostamento de ideias, projetos e ações impostergáveis. Somente neste século o PIB Tradicional do Grande ABC correu à velocidade 70% inferior à média nacional por habitante. É algo escabroso, mas não se observa reação para botar o dedo nessa ferida que vai muito além da Economia, porque inflige derrotas permanentes à qualidade de vida.

Aliás, o ranking nacional que publicamos ontem escancara mais uma vez essa toada que segue rompendo limites no desfiladeiro de insucessos.  

Por conta disso e de tantas coisas mais, bendita a Operação Estafeta da Polícia Federal. Nesse sentido, restaria a satisfação de que sofreu um duro revés o desânimo coletivo dos mais vulneráveis, eventualmente em flerte com a possibilidade de que valeria a pena percorrer caminhos tortuosos.

A sacudidela no Clube dos Prefeitos é a melhor notícia da instituição nos últimos 35 anos. Afinal, jamais a regionalidade pífia do Grande ABC chegou a ser tão ameaçada pela carga redobrada de dois vetores que não só negam a essência de integração entre os sete municípios como, também, possibilitaria a repartição fraudulenta de partes e repartes de acordo como a conveniência e desejos dos supostos salvadores da pátria.

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