Política

TRAMA GOLPISTA É
A PONTE QUE CAIU

  DANIEL LIMA - 11/09/2025

O desfecho moral do Oito de Janeiro ontem no Supremo Tribunal Federal remete ao Caso Celso Daniel com sinais trocados, mas providenciais.  A politização partidária no passado e a politização acentuadamente ideológica no presente escancararam a precariedade ética da Velha Imprensa, apeada do poder soberano pela Internet e redes sociais. O estrebuchamento vai continuar. O tratamento jornalístico tanto à direita quanto à esquerda é fonte de contradições autofágicas.

Tanto num caso quanto no outro, as evidências e as provas foram jogadas na lata do lixo do enviesamento programado e comprometido. Trama golpista é a ponte que caiu, mas se o leitor pensou em outra coisa assemelhada e menos educada, esteja certo de que foi nisso que me inspirei. E só não reproduzi literalmente em respeito aos leitores. Acho que aquele ministro do STF, aquele ministro do dedo médio, não teria essa diplomacia.

Devo dizer que sou  o maior especialista na imprensa brasileira sobre o Caso Celso Daniel. Isso não é empáfia  -- é realidade provada e comprovada. Mais que isso: não tenho vínculo político-partidário ou de qualquer espécie, exceto com a idiotice de ser jornalista. Me impus essa missão a ponto de colecionar mais de 200 análises sobre a morte do prefeito de Santo André. Com base nisso, asseguro que não existe muita diferença de macrofundo factual de tratamento jornalístico com o que ocorreu no Oito de Janeiro. Há sim insaciável determinação de criarem enredos circunstanciais e estruturais. O tabuleiro da política nacional é uma farra de quermesse. .

CRUZAMENTO INACREDITÁVEL

Vou pinçar um ponto extremo de sólida verdade do Caso Celso Daniel, sobre o qual escrevi várias vezes para fundamentar a saga de retirar Sérgio Gomes da Silva do polo passivo de mandante do crime, e o ponto extremo do Oito de Janeiro.

Há intimidade visceral entre esses dois pontos nucleares. Como se sabe, Sergio Gomes, estigmatizado pelo Ministério Público como “Sombra”, virou boi de piranha de um crime que jamais deixou a bitola de circunstâncias alheias às práticas políticas – como a Polícia Civil do governo tucano à época e a Policia Federal igualmente tucana,  comprovaram após longas investigações. 

Como no passado,  os mesmos representantes da Velha Imprensa de papel e eletrônica que deixaram de lado a realidade dos fatos provados e comprovados (caíram na armadilha da força-tarefa do Ministério Público Estadual e Alkimista calculadamente colocada nas investigações para criar a versão de crime de encomenda), se estreparam agora. Apareceu o único juiz de carreira do STF, indicado por Dilma Rousseff, para botar água de esclarecimento no chope de especulação.

CONTRADITÓRIO

Questionamentos às decisões do magistrado só enriquecem o contraditório que a mídia tradicional sonega. Temos na praça editorial uma farsa de democracia informativa  --e isso vem de longe.

A inconsistência da versão fraudulenta do caso em que Celso Daniel teria sido abatido a mando do próprio Partido dos Trabalhadores, como  propagou insanamente à época o Ministério Público então sob o controle político do governador Geraldo Alckmin, é de clareza meridiana, não bastassem todas as provas.

Afinal, não teria sentido que ele, Celso Daniel, pretendesse denunciar o esquema de propina em Santo André, supostamente revoltado por ter descoberto desvios de arrecadação paralela.  Celso Daniel beneficiou-se do sistema que envolvia principalmente o setor de transporte coletivo. A bem da verdade, trata-se de atividade que desde sempre se articula nas entranhas do Poder Municipal. O grupo político de Celso Daniel não inaugurou esse placar. Talvez tenha sido apenas menos individualista e mais doutrinário, o que chocou os menos ideologizados de então. Todo mundo sabe o nome e o sobrenome de famílias que ganharam muito dinheiro com transporte coletivo privatizado. E também os políticos que  levaram o barco à deriva com o transporte público estatal.

PREGAÇÃO DE LULA 

Vou além no escrutínio de Celso Daniel: apesar de todo o brilho intelectual e administrativo como maior prefeito regional do Grande ABC, o PT o qualificava também como peça da engrenagem de poderes internos. Pesava nesse ponto a capacidade arrecadatória paralela, em forma de propinas, como se comprovou mais tarde, inclusive com a confissão pública de Gilberto de Carvalho num documentário sobre o qual trato logo em seguida.

Aliás, bem antes do assassinato de Celso Daniel, num encontro partidário em Mauá, Lula da Silva, ainda concorrente a um mandato presidencial, fez elogio entusiástico ao grupo que comandava a Prefeitura de Santo André. Sugeriu ao prefeito anfitrião, Oswaldo Dias, semelhante eficiência contributiva. Tudo isso está registrado em reportagem da Folha de S. Paulo.

Lula da Silva fez o comentário em tom descontraído, como se contasse uma anedota em botequim de São Bernardo, cercado de sindicalistas. Tucanos de plumagem mais refinada costumam ser mais reservados e compartilham  intentos em ambientes sofisticados.

Entenderam os leitores a base da desqualificação da opereta do Ministério Público deliberadamente escalado por forças do governo estadual, então antagonista do PT, para contaminar os cromossomos de um crime de ocasião?

VEZ DO PCC

A metrópole vivia ambiente criminal alarmante. Todos éramos reféns de bandidos em operações fluviais de sequestros. O assassinato de Celso Daniel marcou, no dia seguinte ao sepultamento, uma reviravolta na política de Segurança Pública no Estado. Escrevi muito sobre isso.  O PCC passou a ser o bambambã do pedaço.

Afinal, qual é a imbricação do Caso Celso Daniel  com o Oito de Janeiro de modo a se estabelecer linha comum de incompatibilidade criminal fabricada por terceiros ávidos por vantagens duradouras, tendo agora o Partido dos Trabalhadores como patrono da esculhambação da verdade, depois de sacrificado no crime do começo deste século?

Ora, bolas: se houvesse mesmo algo que ultrapassasse o terreno de especulação e preparação de atos criminosos contra o processo democrático, somente um bando de jumentos teria a desfaçatez de esperar pela troca de presidente e de outros comandos de Forças Armadas, entre outros elementos, para levar a cabo o pretenso derretimento da Democracia.

A invasão aos Três Poderes, como reiterou o ministro Fux, e anteriormente tantas outras autoridades que não podem ser chamadas de ramais do bolsonarismo (o ministro da Defesa de Lula da Silva,  e Aldo Rebello, entre muitos) não passou de festa de arromba de mau gosto de civilidade. Mais ou menos tão agressiva quanto  a esquerda no  passado, como bem lembrou o ministro  Luiz Fux.

DUAS DÉCADAS DEPOIS

As longas horas de Luiz Fux no Supremo Tribunal Federal, demolindo ponto por ponto cada uma das versões de verdades então intocáveis da Velha Imprensa, uma Velha Imprensa que se tornou extensão de manipulações que vão muito além do visível, essas longas horas de Luiz Fux destruíram os profanadores de fatos e industrializadores de fantasias. Na essência, nada muito diferente, mas com sinal trocado, do Caso Celso Daniel.

A Velha Imprensa comete crimes informativos arrepiantes tanto na explicitude  das manchetes quanto nas subjetividades das entrelinhas, além do meuladismo disfarçado de multiladismo.

Nada diferente, portanto, do Caso Celso Daniel de, por exemplo, supostas oito mortes incisivamente atribuídas pelos opositores petistas de então como extensão do crime de encomenda.

Foram necessárias duas décadas para que, no documentário da Globoplay sobre o assassinato do prefeito, um dos próprios promotores criminais que embalaram a bobagem publicada pela Folha de S. Paulo sobre as oito mortes, revelasse em tom jocoso que tudo não passara de pixotada da jornalista da Folha de S. Paulo ao ligar uma coisa a outras coisas numa salada especulativa e irresponsável. A ombudsman da Folha de S. Paulo jamais terá liberdade e coragem para cavoucar essa escandalosa fake news.

ESCULHAMBAÇÃO GERAL

Quem ainda não acredita nisso que faça o seguinte: o deboche do promotor criminal está disponível no documentário da Globoplay. A fonte de informações mais utilizadas pelos produtores cinematográficos foi este jornalista. Até me reservaram espaço no documentário, quase morto que estava porque a gravação se deu menos de 90 dias após o tiro no rosto. Estava convalescente.   

O jornalismo profissional da Velha Imprensa e também da Imprensa Alternativa à Velha Imprensa está tão esculhambado que se ainda hoje, ao darem um cavalo de pau e voltarem ao Caso Celso Daniel para algum tipo de reminiscência, teremos reprises de desinformações alucinantes. Entre as quais,  as oito mortes amarradas e empacotadas num mesmo compartimento de aberrações.  

Querem outro exemplo? A indução de que o médico-legista que cuidou do corpo de Celso Daniel teria sido assassinado. De fato, e para valer,  o legista se matou depois de deixar carta do próprio punho, inconsolável com a separação da mulher. O Estadão reproduziu a carta, embora, contraditoriamente, alimentasse aqui e ali a fraude de morte encomendada.  Tudo  isso e muito mais estão no meu arquivo profissional. 

Tenho certeza que a grande maioria dos leitores deste texto acredita piamente que aquelas oito mortes vinculadas à estrutura de apuração do Caso Celso Daniel têm sim relações entre si. Mais que isso: comprovariam a trama diabólica que abateu Celso Daniel,  porque Celso Daniel bom de voto e bom de governo seria também um estúpido traidor ao entregar de bandeja aos adversários a bomba-relógio da denunciação do crime de propina que liquidaria com qualquer possibilidade de o PT ganhar as eleições presidenciais de 2002. Exatamente a missão entregue ao Ministério Público pelo governador Geraldo Alckmin – esse mesmo que hoje é vice-presidente da República.

Sérgio Gomes resistiu à delação premiada. Segurou as pontas sobre as propinas que destruiriam a competitividade de Lula da Silva. O PT virginal em condutas anticorrupção ganhou uma esticadinha até o Mensalão.  

Vou parar por aqui. Já fui perseguido e ainda sou pela direita por conta do Caso Celso Daniel, entre tantos outros temas. Agora serei mais uma vez pela esquerda, não bastasse o estoque já consolidado. Jamais tive medo. Se o preço da simpatia, da amizade e da convivência estiver subordinado a conveniências de qualquer tipo,  inclusive ideológica, estou fora. Sou um liberal de viés social.   Menos Marx, Menos Mises, Mais Jornalismo.

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