Administração Pública

IPTU DE SANTO ANDRÉ É
O MAIS CARO DA REGIÃO

  DANIEL LIMA - 28/10/2025

Não é  tarefa simples definir  uma métrica que se ajuste com eficiência metodológica na construção de um ranking do custo do IPTU. Resolvemos estabelecer um referencial cujo resultado principal coloca Santo André como endereço mais caro para quem tem propriedade imobiliária. E pensar (como se verá abaixo) que, no começo do século, Santo André era o local regional que menos arrecadava com o IPTU.

A receita desse tributo municipal avançou na medida em que a desindustrialização se avolumou. A emenda ficou pior que o soneto. A inflexão de custos se contrapôs à queda do valor real do metro quadrado. Ou alguém tem dúvida de que uma Economia desfiladeiro abaixo como a de Santo André, de PIB per capita congelado neste século, inevitavelmente perde tônus imobiliário?

O patrimônio imobiliário em Santo André tornou-se relativamente mais custoso aos proprietários ou locatários na medida em que a riqueza produzida mergulhou. 

Dando sequência ao que publicamos na edição de ontem sobre a goleada que Santo André sofre neste século para Sorocaba na disputa do PIB per capita, decidimos comparar também o IPTU com aquela capital de região metropolitana no Interior do Estado. É outra goleada consumada. Uma coisa está liga à outra e a muitas outras coisas.  

IPTU X RECEITA TOTAL

Como chegar à conclusão de que Santo André de continuada desindustrialização que enfraquece a economia lidera o custo imobiliário no Grande ABC? Pegamos os valores de 2023, de dados mais recentes da Secretaria do Tesouro Nacional, e comparamos com a Receita Total. Repetimos a operação com os demais municípios da região.

É muito difícil encontrar ou fabricar argumentos que desclassifiquem essa operação. O grau de dependência de arrecadação do IPTU em relação à Receita Total é um medidor inapelável.  

Resultado da situação já posta? Da Receita Total de Santo André, ou seja, de todos os impostos, taxas e transferências que formam o caixa, nada menos que 12,12% têm origem  nas receitas do IPTU do território de quase 700 mil habitantes. 

Querem saber os percentuais dos demais municípios do Grande ABC? A participação da carga tributária do IPTU na Receita Total de São Bernardo é de 10,07%, em São Caetano é de 9,17%, em Diadema de 8,00% e em Mauá de 9,07% Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não entram nessa disputa.

DURÍSSIMO REVÉS

Agora uma comparação com Sorocaba vai deixar todo o mundo de queijo caído. E olhem que o mais supostamente sensato seria o inverso. Sorocaba nada de braçadas em crescimento econômico, de quase 3% ao ano em termos per capita,  e poderia aumentar a carga tributária municipal sem que pesasse relativamente mais que outros municípios.

Entretanto, não seria justamente por mostrar-se competitiva sem esse custo tributário que Sorocaba é melhor que qualquer endereço do Grande ABC? Sorocaba arrecada com IPTU apenas 5,60% da Receita Total. Menos da metade de Santo André.

Para entender melhor a equação de arrecadação de IPTU e Receita Total, uma analogia facilitaria tudo. Imaginem a Receita Total como espécie de PIB Arrecadatório. E o custo do IPTU incidente sobre isso nas respectivas proporções. É evidente que quem tem menor incidência no confronto goza de maior competitividade no quesito.

COMPETITIVIDADE

O preço salgadíssimo de morar ou empreender em Santo André, especificamente, e no Grande ABC de maneira geral, é um dos inibidores de investimentos produtivos. Não há pormenores do mapa do IPTU dos municípios do Grande ABC que possam dar elasticidade à analise, mas o valor absoluto quando colocado em confronto com outros endereços fora da região é assustador.

A Prefeitura de Sorocaba arrecadou em 2023 R$ 275.163 milhões com a planta imobiliária, resultado que representa o 34º posicionamento entre os mais de cinco mil municípios brasileiros. Já Santo André, de PIB per capita 4,88% inferior ao de Sorocaba, arrecadou em 2023 o total de R$ 502.379 milhões com o Imposto Predial e Territorial Urbano, ocupando a 24ª posição nacional. Santo André arrecadou em valores absolutos exatamente 85% mais que Sorocaba.

A Receita Total de Sorocaba em 2023 (ou seja, de todos os impostos, taxas e transferências) alcançou R$ 4.913.618 bilhões, enquanto Santo André registrou R$ 4.142.128 bilhões. A carga tributária de Santo André no quesito IPTU é, portanto, mais que o dobro da carga tributária do IPTU no PIB arrecadatório de Sorocaba.

Se o caso do confronto entre Sorocaba e Santo André nos valores do IPTU conectados com as respectivas rubricas de Receita Total é preocupante como fonte de competitivididade, a comparação com Diadema, o endereço regional que mais se enfraqueceu economicamente neste século, é alarmante. Diadema arrecadou em 2023 nada menos que R$ 248.995 milhões com o IPTU. Portanto, um pouco abaixo de Sorocaba em valores reais. Quando se desce a minucias, o que temos é uma voracidade incontrolável da Administrçaão Pública.   

PASSADO DIFERENTE

Em 19 de outubro de 2002, entre as atuais quase 700 matérias que fazem referência direta ou indireta ao IPTU, escrevi para CapitalSocial que Santo André sofria com o IPTU baixo. Santo André de 175 quilômetros quadrados de área territorial era o endereço do Grande ABC -- exceto a pequena Rio Grande da Serra -- onde era mais barato morar e estabelecer negócios do ponto de vista estritamente locacional.

Para chegar àquela conclusão, utilizei dados da Secretaria da Fazenda do Estado. O custo per capita do IPTU em Santo André era extraordinariamente inferior ao de São Bernardo e de São Caetano, líderes no ranking, e também de Diadema, Mauá e Ribeirão Pires. 

Lembrei naquele texto de 2002 que se o volume de receita gerada pelo IPTU em Santo André fosse dividido igualmente entre os 649 mil habitantes, o custo per capita atingiria R$ 49,26. Pelo mesmo princípio, em São Bernardo o custo do IPTU era de R$ 122,39 por morador, em São Caetano R$ 98,66, em Diadema R$ 71,97, em Ribeirão Pires R$ 58,85, em Mauá R$ 51,51 e em Rio Grande da Serra apenas R$ 9,51.

Os dados que colocavam Santo André na penúltima colocação do ranking regional do IPTU contrariava o lugar comum que estabelecia estado de beligerância permanente entre a Administração Municipal e lideranças sociais e empresariais. Em 2001, por exemplo, o prefeito Celso Daniel nomeou equipe de assessores para negociar novas alíquotas com representantes empresariais e mesmo assim encontrou barreiras. 

MUITA DIFERENÇA

A equalização do IPTU de Santo André em relação à média por habitante de São Caetano, vice-líder no ranking, praticamente exigiria o dobro dos valores registrados em 2001. Em vez de R$ 31,93 milhões arrecadados, o total chegaria a R$ 63,97 milhões. Já se a comparação se estendesse a São Bernardo, primeira colocada com média per capita de R$ 122,39, a receita de Santo André com o IPTU atingiria R$ 79,43 milhões, três vezes mais que o montante do ano anterior. 

Expliquei naquela análise que o frágil desempenho de Santo André no IPTU era consequência de comportamento da maioria dos administradores públicos brasileiros. Durante os anos de ciranda inflacionária mergulhavam os impostos municipais na piscina do populismo. Até que a moeda nacional não se deteriorasse acentuadamente com a corrosão inflacionária e viesse a estabilidade do Plano Real em 1994, grande parcela dos prefeitos tratava os impostos municipais com desdém.

Particularmente em Santo André – ressaltava aquela análise de 2002 -- o golpe da razoável estabilidade do real completou o circo de horrores do esvaziamento do cofre municipal, iniciado com a irrefreável desindustrialização posta em marcha no final dos anos 1980. Santo André chegou a ter 4,75% no ranking de Índice de Participação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), então a maior fonte de renda dos municípios. Em 2001  não passava de 1,52%.

Aquele texto que preparei há 23 anos parece ter saído de meus dígitos na noite passada. Escrevei que os transtornos orçamentários de Santo André estavam associados a duas combinações sinistras. De um lado o esvaziamento industrial e a subestimação de receitas municipais; de outro, o grau continuamente evolutivo de desemprego e as demandas crescentes por serviços públicos de saúde, educação, segurança e transporte.  

Embora provocasse estridência, principalmente quando a junção de aumento de alíquotas atingia mais duramente a classe média e a isenção se alarga em direção à periferia, o IPTU pesava até então muito pouco no bolo de impostos federais, estaduais e municipais.

Na grade que tornava a carga tributária do Brasil uma das mais elevadas do mundo, o IPTU estava lá embaixo, muito distante do ICMS, da Previdência Social, do Imposto de Renda, da Cofins, do FGTS, do IPI, da CPMF, do PIS/Pasep, da Contribuição sobre o Lucro, do Imposto de Importação, do ISS e do IPVA. 

Também ressaltei naquela análise que dos  estimados (em valores de então)  R$ 403,647 bilhões arrecadados pelos governos federal, estaduais e municipais do Brasil no ano anterior, ou 34,1% do PIB (Produto Interno Bruto), apenas R$ 6,169 milhões referiam-se ao Imposto Predial e Territorial Urbano. Ou 0,5% do elefantísmo tributário nacional. De cada R$ 100 de impostos arrecadados em todas as esferas de poder, apenas 1,6% referiam-se ao IPTU. O Imposto de Renda de Pessoas Físicas e Jurídicas alcançava 16,1%, índice semelhante ao arrecadado pela Previdência Social e um pouco mais que os 11,5% do Cofins. O ICMS tinha peso de 23,3% na arrecadação. 

DISTRIBUIÇÃO GERAL

A União era naquele 2001 responsável por 67,3% do montante da carga tributária arrecadada, cabendo às fazendas estaduais o recolhimento de 26,4% e aos municípios exatos 4,8%. Esse mix de impostos que expandia os bíceps federais sofria ligeira alteração quando se considerava a receita tributária disponível, que levava em conta as transferências intergovernamentais constitucionais: a União passava a contar com 56,8%, os Estados com 26,3% e os municípios com 16,9%. Em percentuais do PIB, a carga federal era de 19,3%, a estadual é de 9% e a municipal de 5,8%. 

Ainda naquela análise de mais de duas décadas, acentuava este jornalista, os sete municípios do Grande ABC totalizaram com tributos próprios em 2001 (ISS, IPTU, ITBI, além de taxas e contribuições) R$ 429,5 milhões, ou 21,4% de toda a receita arrecadada.

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