Administração Pública

Polícia ainda não identificou
possível mandante do crime

  DANIEL LIMA - 21/08/2023

A Polícia Civil de Santo André ainda não identificou o possível mandante do crime contra o jornalista André do Viva e familiares numa noite de invasão de domicílio. André do Viva não estava em casa, mas a mulher e a filha passaram maus bocados. Tudo ocorreu em julho do ano passado. Mas agora é que virou caso de Polícia.  

A defasagem de tempo é outra história que não tem prioridade à compreensão, embora gere muita especulação. O que está cristalizado é que se havia alguma possibilidade de abafamento, tudo foi por água abaixo. 

“Espanhol” é o codinome do personagem apontado por um dos criminosos, segundo relato que consta do inquérito policial. Mais que isso, há entrecruzamentos de informações que robustecem a participação de “Espanhol”. Quem é Espanhol?  

No mundo político da região só existe um Espanhol como sinônimo de Espanhol. Ou seja: que independe de nome de batismo para ser identificado em qualquer conversa, informal ou não. Quem chamar por Espanhol em qualquer Paço Municipal da região só vai encontrar Espanhol no Paço Municipal de Santo André. 

HOMEM DE CONFIANÇA  

O Espanhol do Paço Municipal de Santo André é homem de confiança do prefeito Paulinho Serra. Mais que isso: por ser de influência muito próxima de Paulinho Serra, o Espanhol do Paço Municipal de Santo André tem trânsito livre em todos os setores da Prefeitura de Paulinho Serra. Quem vê Espanhol vê Paulinho Serra.  

O Espanhol do Paço Municipal de Santo André é Superintendente da Unidade de Assuntos Institucionais e Comunitários, com status de secretaria. Conta com um exército de colaboradores e cuida de assuntos delicados do chefe do Executivo. Entre os quais o relacionamento com o Legislativo. Os vereadores de Santo André sabem o que Espanhol é capaz de fazer no cumprimento de tarefas do Executivo. 

HOMEM PODEROSO   

O Espanhol do Paço Municipal de Santo André é, como se observa, um homem poderoso. Já foi secretário-geral da Fundação do ABC, o Clube Milionário da Saúde da região, com dotação orçamentária que supera muitos cofres públicos municipais. O Espanhol da Fundação do ABC estava na Fundação do ABC quando a instituição passou por dois crivos de idoneidade funcional na área de Central de Compras, coração da companhia pública sob a responsabilidade das prefeituras de Santo André, São Bernardo e São Caetano.  

Uma auditoria externa de empresa contratada pela então presidente da Fundação do ABC e uma varredura amostral da Controladoria-Geral da União constataram desvios milionários em contratos assinados durante a pandemia do Coronavírus.   

Há indicativos e muito mais que instalam o crime contra André do Viva e familiares num compartimento político muito bem definido. E não há muito que se questionar quanto a isso, embora tudo possa ocorrer durante investigações que prosseguem na Polícia Civil de Santo André. Há um cuidado especial com o trabalho investigativo depois do estranho buraco temporal.  

E O DESENLACE?  

Quanto mais um caso criminal se aproxima de políticos, mais se lançam interrogações sobre o desfecho. O Brasil pós-Lava Jato consagra vilões que teriam sido violados e demonizam heróis que teriam exacerbado. Tudo sob a roupagem nem sempre sustentável de cumprimento do Devido Processo Legal.  

André do Viva é um jornalista que atua politicamente. Foi candidato a deputado federal no ano passado com apoio da Administração de Paulinho Serra. Não era o que André do Viva queria em forma de competitividade nas urnas. Pretendia mesmo concorrer a deputado estadual, onde supostamente teria mais possibilidades de sucesso. 

Mas André do Viva foi convencido a esquecer a Assembleia Legislativa e mirar Brasília. Teria suporte de colaboradores próximos ao Paço Municipal. Em troca, auxiliaria a candidata Carolina Serra, mulher do prefeito. Outros concorrentes em Santo André foram igualmente convencidos a não dividir os votos potenciais. Mais que isso: correndo em outra raia, auxiliariam a candidatura de Carolina Serra.  

SUCESSO ELEITORAL  

Carolina Serra foi um sucesso eleitoral retumbante. Obteve quase 200 mil votos. De cada 10 votos que recebeu, oito tiveram eleitores de Santo André como ativos. Foi uma eleição de porteira fechada para Carolina Serra comemorar. Porteira fechada é uma expressão da política que quer dizer mais ou menos o seguinte: fique com a pasta inteira, coloque quem quiser e boa sorte. A pasta de Carolina Serra era a Assembleia Legislativa. 

Carolina Serra foi brilhante numa operação de guerra em que resíduos de plástico viraram alimentos a mais de uma centena de entidades assistenciais cadastradas pela Prefeitura de Santo André. Uma Bolsa Família de resíduos sólidos comercializáveis. 

Como se sabe, o que não falta em Santo André e na região como um todo é gente pobre e miserável, resultado de migração combinada com desindustrialização. Um Nordeste assistencialista domina as periferias da região.  

CASO POLÍTICO  

Portanto, deslocar o crime que abalou André do Viva e a família em julho do ano passado a território à parte da vida política seria dissimulação de quem não pretenderia resolver a questão. 

Além da morfologia que envolve a todos, o crime de fundamentação política também se sustentaria nos detalhes da noite em que mulher e filha do jornalista tiveram a casa invadida por dois criminosos, orientados por terceiros em telefonemas no dispositivo de viva-voz. Elas contaram tudo à Polícia em julho do ano passado. O inquérito parecia jogado às traças, mas voltou penetrante.  

Considerando-se que seria inescapável que o crime não fugiria da bitola política, e levando-se em conta o que seria um contrassenso implicar um único “Espanhol” da praça regional, ligadíssimo ao prefeito Paulinho Serra, como se explicaria o Caso André do Viva? 

Esse é um assunto para a própria Polícia resolver. Mas o pressuposto para tanto é identificar o “Espanhol” ainda supostamente não identificado. Como, repita-se, não existe outro “Espanhol” na política regional e, mais que isso, um dos criminosos que está preso mencionou o nome de “Espanhol” no inquérito policial, juntamente com outros delinquentes, é mais que provável que a Polícia chegará até o “Espanhol”. Seria por coincidência ou consequência o codinome de José Antônio Acemel?  

PITÁGORAS ENROLADO  

Se o Espanhol do Caso André do Viva não for José Antonio Acemel, homem de confiança de Paulinho Serra, a Polícia Civil vai precisar apresentar um Espanhol que tenha as características de alguém com interesse em levar aquele jornalista à situação de desespero juntamente com familiares.  

A peça-chave do Caso André do Viva provavelmente é mesmo Pitágoras Araujo Silva Santos, o Pity que aparece nas redes sociais com amigos políticos próximos de Paulinho Serra. Ele está entre o deputado federal Alex Manente e o vereador de São Bernardo Julinho Fuzari em mensagens nas redes sociais. Apoiou os dois nas últimas eleições. 

Foi Pitágoras Silva Santos quem colocou Espanhol no enredo do crime contra o jornalista André do Viva e familiares.  

E o Espanhol mencionado por Pitágoras é mesmo José Antonio Acemel. Eles trabalharam juntos na mesma secretaria da Prefeitura de Santo André. Pitágoras foi contratado em março deste ano (portanto, oito meses após o crime) e demitido em julho (quando a Polícia iniciou as investigações).  

Pitágoras está preso preventivamente. A 1ª Vara Criminal de Santo André atendeu a pedido da Polícia Civil. Há outras prisões de supostos operadores da empreitada criminosa. Deixaremos esses personagens para outro texto. Pitágoras é o presidiário da vez.  

ORDEM DE PRISÃO  

Leiam o despacho da juíza Maria Silvia Gabrielloni, titular da 1aVara Criminal de Santo André, de sete de agosto último, após relato da investigação policial sobre a atuação de Pitágoras Silva Santos no Caso André do Viva: 

 Conforme se infere da leitura dos autos, há fundados indícios de que os averiguados participaram do roubo à residência da vítima conhecida como André do Viva, jornalista responsável pelo portal “Viva ABC”, pois estavam nas imediações do referido imóvel e mantinham contato com Luiz e Daniel durante toda empreitada criminosa. De início, necessário consignar que a busca e apreensão pleiteada se faz necessária para a continuação das investigações e melhor apuração dos fatos, impedindo-se o desaparecimento de objetos úteis à instrução probatória, razão pela qual defiro a expedição do referido documento, que deverá colher o cumpra-se do Juiz competente. (...). Com relação à decretação da prisão temporária dos averiguados Pitágoras e Eduardo, necessário consignar que é medida que se afigura imprescindível para garantir a continuidade das investigações (...). Por fim, defiro a quebra dos sigilos telefônicos e de dados contidos nos equipamentos apreendidos durante a busca e apreensão, devendo a autoridade policial realizar a perícia dos aparelhos para extração tão somente dos dados que sejam úteis às investigações de crimes, tais como as ligações efetuadas e recebidas, mensagens de texto, conteúdo de aplicativos, linha do tempo, Google drive, fotos, vídeos e demais informações do aparelho de (...).  

ESPANHOL NA FITA   

Um pouco mais de 30 dias antes, em dois de julho, a Polícia Civil de Santo André ouviu Pitágoras Araujo Silva. Leia os pontos principais do “Termo de Declarações”, no qual o acusado faz breve menção a Espanhol:  

 (...) Declarou que comprou uma moto de um conhecido de nome Rodrigo, que não transferiu a moto para seu nome, que intimado para comparecer no 6º DP para depor sobre um roubo a residência ocorrido em Santo André, disse que foi chamado porque a moto ainda estava em seu nome foi vista nas proximidades da casa da vítima na data do crime; disse então a Rodrigo que iria verificar o que ocorreu e depois voltaria para esclarecer o assunto. Quando então compareceu hoje espontaneamente nesta distrital, na presença de sua advogada e disse que gostaria de esclarecer o porquê sua moto foi vista nas proximidades da casa da vítima. Disse que foi sócio da pessoa de João Antonio Cardoso por aproximadamente dois anos e que desfez essa sociedade no começo de 2022;  que João ficou lhe devendo R$ 7.000,00, que cobrava João por diversas ocasiões, mas que se esquivava sempre do pagamento;  quando João então lhe disse “vou dar um jeito de te pagar”; disse existir um empresário que tinha muito dinheiro, que já trabalhou com ele e que iria invadir sua casa e roubar R$ 300.000,00 que ele teria em casa e depois iria matá-lo. Disse então que daria mais prazo, mas não concordava em matar ninguém, despedindo-se então de João. Passados alguns dias, encontrou João na Câmara de vereadores de São Bernardo e este lhe disse: “Hoje à noite vou lhe pagar o que devo”. Esclareceu então quem seria o empresário que seria vitimado, disse: “O André do Viva ABC”. O declarante disse então: “Você está louco, o caro é gente boa, ajuda a comunidade”. João então disse “não se mete, sei o que estou fazendo”. Imediatamente o declarante dirigiu-se até as proximidades da casa da vítima, com o intuito de avisá-lo sobre o risco que ela corria. Ao chegar nas proximidades da casa, observou a movimentação de diversas viaturas, ficou então observando por alguns instantes, quando então percebeu que não teria mais tempo de avisar a vítima, foi então embora. Ficou sabendo posteriormente do roubo nas redes sociais. Que recentemente procurou a vítima, espontaneamente, disse quem são os autores do crime, inclusive seu mandante, João Antonio Cardoso, que se gabava de ter a proteção de um "tal de Espanhol".  

MAIS AMANHà 

Na edição de amanhã de CapitalSocial, vamos revelar os motivos que levaram a Polícia Civil a solicitar a prisão preventiva de Pitágoras Araujo Silva, entre outros personagens do Caso André do Viva.  

Leia mais matérias desta seção: