Erros e acertos táticos
dramatizam eleições

  DANIEL LIMA - 22/04/2024

Dois movimentos sincrônicos colocam os governistas de Santo André ensanduichados. Em São Bernardo, manobras oposicionistas procuram levar ao esgarçamento as relações dos situacionistas. Em São Caetano há um terceiro vértice não visível que pode danificar os planos dos situacionistas. E em Diadema, um secretário paulistano candidato à Prefeitura tentará pessoalmente pela terceira vez uma tarefa que não foi possível nem mesmo pós-desastre de Dilma Rousseff, ou seja, vencer o PT.

Esse é o resumo dos movimentos táticos com fundos estratégicos da semana eleitoral em quatro dos principais municípios da região. Deixamos de lado outra vez uma Mauá de conflitos que levam a muitas indefinições, enquanto Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra podem mesmo ficar para depois.

A Administração de Paulinho Serra lança cada vez mais pimenta nos próprios olhos num ensaio autofágico de botafogada eleitoral. A semana não terminou sem que se esticasse a corda de hostilidade a parceiros agora adversários.

SARDANO PUNIDO

O Coronel Sardano, vereador da base de Paulinho Serra, ex-secretário de Segurança Pública e agora candidato a prefeito, provavelmente ganhará forma de mais desafeto nas eleições. Ele teve aliados enxotados dos quadros de servidores da Prefeitura. A retaliação do Paço Municipal poderia interditar  relações que seriam construídas ao mais que provável segundo turno.

O Coronel Sardano é um homem de princípios e de discrição total, mas não faltam interlocutores que observaram o descontentamento do antigo aliado de Paulinho Serra por conta do que teria ganhado conotação crítica à ausência de hombridade nas tomadas de decisão do Paço Municipal.

Sardano seria candidatíssimo a engrossar as fileiras do vice-prefeito também dissidente Luiz Zacarias, considerado segundoturnista mais que provável.

DISPUTA NO LEGISLATIVO

Desta vez a semana foi menos tumultuosa nas redes sociais, mas nem por isso inférteis em ataques. Depois dos erros cometidos pelo grupo de Paulinho Serra na semana passada, e dos acertos de Luiz Zacarias, a campanha contou com estilingadas menos agressivas que sempre fazem efeito para marcar presença e posicionamentos.

Desta vez, o filho de Luiz Zacarias, vereador Lucas Zacarias, foi às redes sociais para reproduzir vídeo em que o pai e o então candidato a governador do Estado Tarcísio de Freitas se encontraram na transmissão de pedidos formais série de propostas para Santo André e a região. Entre os pedidos listados constava a Estação Pirelli de Santo André. Foi uma resposta ao noticiário de dias antes que massificaram subliminarmente a ação como autoria  do prefeito Paulinho Serra.

Traduzindo: Lucas Zacarias ancorou a apresentação do vídeo com ênfase de indignação ao evocar a atribuição legitima da reivindicação ao então vice-prefeito. A data do evento, primeiro de setembro do ano passado, marcava atuação protagonista de Luiz Zacarias.  

ORIGEM PETISTA

A origem de tornar relevante a construção da Estação Pirelli, nas imediações do Shopping Atrium, vem da Administração do petista Carlos Grana, bem como o próprio empreendimento comercial, legado inicial do projeto Cidade Pirelli, lançado durante a gestão de Celso Daniel no interior do Projeto Eixo Tamanduatehy.

Carlos Grana promoveu uma tentativa que virou realidade como empreendimento comercial ao incorporar torres de apartamentos na vizinhança do shopping. A Estação Pirelli constava, portanto, do portfólio petista e foi recuperada durante a gestão seguinte da Prefeitura. Luiz Zacarias, até prova em contrário, foi o condutor do pedido ao então candidato a governador. O vídeo está carregado de elogios de Tarcísio de Freitas a Luiz Zacarias.

Não custa lembrar que, a depender da composição das chapas, Tarcísio de Freitas poderá antecipar para o primeiro turno em Santo André o apoio que declarou reservar numa disputa na qual não haja bola dividida.

As relações do governador com Luiz Zacarias são as melhores possíveis. Cada vez mais emissários do governador alimentam o estoque de medidas e declarações críticas do prefeito Paulinho Serra principalmente dirigidas ao então presidente Jair Bolsonaro. Tarcísio de Freitas e Jair Bolsonaro são indissociáveis.

DIREITA X ESQUERDA

Aproveitando-se dessa situação, Lucas Zacarias comandou constrangimento aos situacionistas do Legislativo, grupo do qual fazia parte até o rompimento do pai Luiz Zacarias com o prefeito Paulinho Serra. Lucas Zacarias apresentou proposta de concessão do título de Cidadão Honorário de Santo André ao governador Tarcísio de Freitas. É claro que capitalizaria a aprovação.

O vereador Marcio Colombo, combativo representante da direita radical na Câmara de Vereadores, e integrante da base aliada do prefeito, puxou o gatilho de dispositivos legais e adiou a análise por 20 sessões. Houve trocas de acusações nas redes sociais. Marcio Colombo acusou Lucas Zacarias de inadimplência funcional, com supostas e reiteradas ausências no Legislativo, além de não vestir a camisa da direita durante o mandato. A camisa da direita de Tarcísio de Freitas.

MAIS OPOSIÇÃO

O ensanduichamento do provável candidato do Paço Municipal, Gilvan Junior, secretário de Saúde, portanto, começa a ganhar contornos mais nítidos, entre outras razões porque centro-esquerda e esquerda decidiram concorrer para valer, sob a liderança dos petistas que apoiam a candidata Bete Siraque.

Há consenso costurado e quase pronto de que os adoradores da gestão de Paulinho Serra, que se juntaram ao tucano antes mesmo das eleições de 2016, contra o petista Carlos Grana, já estão de volta ao ninho oposicionista, convencidos pela cúpula nacional de que o PSDB de Paulinho Serra não seria a melhor companhia.

Carlos Grana foi derrotado no segundo turno das eleições de 2016 principalmente porque o governo de Dilma Rousseff, que sofreu impeachment em meados daquela temporada, danificou duramente o potencial de votos do PT no País. No Estado de São Paulo, sobraram apenas quatro petistas em mais de 600 municípios.

FAZENDO A CABEÇA?

Em São Bernardo, a artilharia oposicionista tem um objetivo explícito: transformar o ex-deputado federal e ex-vice-prefeito Marcelo Lima adversário do prefeito Orlando Morando. A escalação da sobrinha Flávia Morando é a ponte que seria detonada para que Marcelo Lima se junte aos oposicionistas Alex Manente, deputado federal, e Luiz Fernando Teixeira, deputado estadual do PT.

Uma convocação para depoimento do secretário de  Saúde Geraldo Reple é interpretada como a batalha da ponte. O presidente do Legislativo de São Bernardo, Danilo Lima, primo de Marcelo Lima, tomou a iniciativa que levará o chefe da saúde de São Bernardo à prestação de contas com os vereadores. Entretanto, há quem interprete o movimento como o puxa-estica natural da política em ano eleitoral.

Ou seja: um vácuo entre quem está na chefia do Executivo e quem está no comando do Legislativo, tendo como pano de fundo ocorrências de irregularidades no Hospital da Mulher, sob comando da Prefeitura. O Diário do Grande ABC tem recorrido a um noticiário incisivo mas, como sempre, vinculado ao âmbito político-eleitoral. Ouve candidatos aliados ao plano de conquistar a Prefeitura de São Bernardo, casos específicos dos dois deputados.

RELAÇÕES AMISTOSAS

Não se tem ainda a real dimensão do encontro do secretário de Saúde no sentido de eventual comprometimento da Administração de Orlando Morando. O médico Geraldo Reple  estaria forrado de informações para retirar as denúncias do campo de responsabilidade corporativa da instituição, instalando-as num compartimento estatístico que ultrapassaria o equipamento público inaugurada há menos de um ano.

Certo mesmo é que as relações entre o prefeito Orlando Morando e o deputado Marcelo Lima são amistosas e, mais que isso, prospectivas. Mas nada é definitivo quando se trata de política. O provisório e o surpreendente sempre têm vagas.

Assessores do ex-deputado, cassado pela Justiça Eleitoral por filigranas jurídicas ao trocar de partido, asseguram que existe compreensão sobre a decisão de Orlando Morando lançar a sobrinha Flavia Morando à sucessão.

O nome Morando estaria nas urnas não só com possibilidade de chegar ao segundo turno como, também, porque direcionaria o eleitorado para o legado eleitoral de Orlando Morando. Alex Manente se lançou várias vezes na tentativa de obter a imagem de herdeiro eleitoral de Orlando Morando. Dessa forma, o raciocínio quantitativo de votos se encaminharia à presença de Flavia Morando ou Marcelo Lima, ou mesmo ambos, ao segundo turno.

GABINETE PARALELO?

Em São Caetano o quadro aponta para um estranho mas não inédito gabinete paralelo de origem partidária não-identificada e que teria como chefe operacional uma advogada bem relacionada com os poderes públicos locais. Trata-se de Patrícia Veronesi, diretora-geral do Hospital Nardini, em Mauá.

Patrícia Veronesi exerce o cargo em nome da Fundação do ABC, instituição comandada pelas prefeituras de Santo André, São Bernardo e São Caetano. A Fundação do ABC tem o maior orçamento público da região, inclusive superior às prefeituras, individualmente. São mais de R$ 3 bilhões para esta temporada. Dezenas de organizações estão na lista  atendida em convênios mantidos com recursos do SUS – Sistema Único de Saúde.

A dirigente do Hospital Nardini transita discretamente entre os grupos de José Auricchio Júnior e Tite Campanella. Patrícia Veronesi estaria se reunindo com prováveis secretários e assessores graduados que seriam recrutados para o projetado governo de Tite Campanella.

CONSTRANGIMENTOS

Há constrangimentos internos que, entretanto, não chegam a desabafos públicos. Afinal, se considera que tudo estaria equacionado por acordos negados apenas como medida preventiva de campanha. Mas não há desmentidos categóricos.

Tite Campanella desqualificaria qualquer participação na iniciativa de Patrícia Veronesi. O prefeito José Auricchio também. Mas as investidas são identificadas e avaliadas sob dois pontos de vista: o quando poderiam estabelecer conflitos entre os situacionistas e o quanto eventuais estilhaços divisionistas seriam capitalizados pela campanha de Fabio Palacio, único concorrente para valer como oposição numa cidade que neste século viu o prefeito José Auricchio vencer quatro das cinco disputas eleitorais. Só foi derrotado ao indicar a secretária de Saúde Regina Maura Zetone ao cargo, em 2012. O experiente Paulo Pinheiro venceu.

Regina Maura estava cotada à nova corrida eleitoral nesta temporada. Acabou ficando como companheira de chapa de Tite Campanella. Entre Regina e Patrícia existiria um fosso de desentendimentos inconciliáveis.    

DIADEMA QUENTE

Para completar, em Diadema,  o que pareceria uma vitória mais que programada do tetraprefeito José de Filippi Júnior é avaliada como algo a exigir cautela. O petista que, em caso de vitória, seria o único pentaprefeito da história da região, terá em Taka Yamauchi um possível osso duro de roer.

Taka Yamauchi vem com uma maquinaria eleitoral forte como presidente de uma estatal da Prefeitura de São Paulo – a SP Obras – e todo o apoio do MDB. Um orçamento de R$ 7 bilhões, três vezes mais o que Diadema dispõe por ano, seria o combustível de competividade do adversário de Filippi. Nas duas últimas eleições ele chegou em segundo lugar. Em 2020,  perdeu por escassos 5.618 votos num colégio eleitoral de então 233.234 votos – o resultado final foi 51,35 a 48,65%.

Em 42 anos de história da redemocratização do País, com disputas municipais, o PT dominou quase todas as eleições. PT e partidos de esquerda. Tudo a partir da vitória do metalúrgico Gilson Menezes, em 1982.  A esquerda só perdeu a Prefeitura de Diadema em dois mandatos do conservador Lauro Michels. Taka Yamauchi faz uma campanha aparentemente bem nutrida de recursos financeiros.

Leia mais matérias desta seção: