Sociedade

Quem é contrário a
sabatinas públicas?

  DANIEL LIMA - 24/04/2024

Vou direto ao ponto para, em seguida, costurar algumas tentativas de explicação que dariam sustentação aos preceitos básicos. Imaginem os leitores que também são consumidores e contribuintes, quando não torcedores e eleitores, para não dizer outras coisas mais, imaginem todos os leitores as seguintes situações que, à luz da consciência geral, necessitariam de esclarecimentos.  Até mesmo, ou principalmente, para que se pratique o direito não à proteção privilegiada, como se dá com obscurantismos, mas a esclarecimentos indispensáveis à transparência de ações dos próprios envolvidos.

1. O secretário de Saúde de São Bernardo prestando contas do que vem acontecendo ou teria acontecido no Hospital da Mulheres, supostamente e até prova em contrário palco de negligência e até de mortes.

2. O dono do Diário do Grande ABC, Ronan Maria Pinto, inquerido entre outros pontos de conflito de interesses envolvendo o jornal e a Prefeitura de Santo André, entre outras razões porque é concessionário de transporte público e publica editais oficiais da Municipalidade.

3. O prefeito de Diadema, José de Filippi Junior, maior representante da esquerda do Município mais vermelho da região, questionado sobre os resultados históricos do partido na cidade especialmente na área de Educação, Saúde e Saneamento Básico,  vacas sagradas dos socialistas.

4. O prefeito Paulinho Serra tendo de se explicar, entre tantos pontos, por que há mais de três anos enrola a diretoria do Santo André ao não conceder autorização de uso do Estádio Bruno Daniel para fins de negociação direta com empreendedores interessados em transformar o clube comunitário em clube empresarial, considerado ponto básico para que a cidade volte a ter uma equipe competitividade.

5. O empresário Milton Bigucci, confessadamente próximo de autoridades judiciais, chamado a não só esclarecer como anda o processo em que sua empresa foi considerada participante do escândalo do ISS em São Paulo como também da ausência de comprometimento social da entidade que dirigiu e influencia com familiares há mais de três décadas, e que representa o setor na região.

6. Chamar o secretário de Saúde de Santo André, Gilvan Junior, para um encontro no qual fosse inquerido sobre diversas temáticas a fim de se aferir qualificações básicas para concorrer ao cargo de prefeito até agora inacessível a qualquer coisa que lembre contraditório como fonte de evolução da sociedade.

PAÍS PIORADO

Poderia desfilar aqui dezenas de questões envolvendo dezenas de personagens da vida regional para dar a dimensão exata do quanto somos um fracasso geral e irrestrito de cidadania, embora não faltem fake news do jornalismo de papel que se autoproclamam “porta-voz” da região. Porta voz dos sem vozes.

Nada disso é muito diferente, aliás, do que se passa no País, mas em situação muito pior num contexto histórico, porque não há endereço nacional que tenha passado pelo que passamos nos últimos 30 anos. Caímos no precipício da desindustrialização combinada com a quebra da mobilidade social e inação de administradores públicos.

Sonho com um Grande ABC transparente e participativo, que seja palco de responsabilidade coletiva tendo como núcleo estimulador de mudanças uma organização integrada por voluntários que organizassem sabatinas periódicas com gente que responde pelo nosso futuro, gente que já manchou ou não o nosso passado, gente que atravanca ou não o nosso presente.

FARSA INTITUCIONAL

O fato é que o Grande ABC é uma farsa institucional no sentido mais amplo da expressão porque é uma megacidade dividida e multiplicada por sete.

Ao longo de décadas utilizei inúmeras metáforas para tentar traduzir o que se passa por estas bandas. Desde Província do Grande ABC a Arquipélago Cinza. Talvez a principal marca seja mesmo Complexo de Gata Borralheira.

Sim, Complexo de Gata Borralheira, conforme expliquei em  quase 200 páginas de um de meus livros. Retrato em tom descontraído, mas muito comprometido com o futuro que já virou passado, o quanto estávamos perdidos no tempo e no espaço. Somos uma região à deriva. E tudo indica que ficaremos ainda pior.

Por isso,  desprezo a ignorância que conheço muito bem e produzo essa que não é nova sugestão, porque apenas reformatada, na tentativa de tocar a alma quem sabe de algumas meias dúzias de pessoas a ponto de, quem sabem de repente, surja uma luz no fim do corredor desse motel de alta rotatividade de negligências coletivas.

SEM MEDO

Precisamos perder o medo de enfrentamentos necessários. Até mesmo para que esclarecimentos possam ser transmitidos sempre de forma ordeira, comprometida, didática e reformista. Estou cansado de ler e ouvir peças de marketing político sem atenção alguma com as próximas gerações. O varejismo impera na prática e na consciência da população agora com a multiplicação de canais de comunicação social.

Talvez seja indelicado dizer com todas as letras que vivemos uma região sem eira nem beira em institucionalidades, em participação de organizações que vejam muito além dos próprios umbigos e de interesses pessoais. Somos um fracasso como sociedade em qualquer formato constitucional, ou seja, municipal e regional. Até porque uma coisa leva à outra. Vige em todos os quadrantes o canto da sereia de mentiras inteiras e meias-verdades sorrateiras.

Da mesma forma que um secretário de Saúde não pode e nem deve entrar em férias diante de acusações que lhe são feitas de forma direta ou indireta, um dono de jornal não pode permanecer às escondidas no controle de determinados endereços públicos, ou um prefeito interesseiro no destino de um clube de futebol longe de qualquer coisa que signifique proteção à tradição e ao futuro. 

Vivemos os piores dos mundos, portanto. Não temos luzes para retirar a penumbra de questões delicadas. Não temos faróis que iluminem o futuro. Os oportunistas de sempre querem uma caça às bruxas das redes sociais porque detestam o escrutínio popular.

DELINQUENTES NAS REDES

Mesmo que se reconheça e se denuncie a existência de delinquentes nas redes sociais, uma minoria muitas vezes paga pelos contribuintes como braços armados de prefeitos de plantão, a liberdade de expressão não pode ser satanizada e banida.

Mas, como já escrevi, as fake news das redes sociais são fichinhas de amadorismo rústico perto do profissionalismo dos veículos dito tradicionais.  As piores fake news são as fake news com tessitura de notícia formulada por marginais da mídia profissional.

Como disse numa breve gravação de vídeo que fiz circular em aplicativos da Internet, não me excluo de qualquer compromisso de prestação de contas que as sabatinas proporcionariam sobre a atuação profissional de quem tem alguma participação na vida regional.

EXPOSIÇÃO DIÁRIA

Estou diariamente exposto a milhares de leitores que recebem as postagens desta revista digital ou mesmo mensagens desgarradas deste espaço, mas compatíveis com a linha editorial que adotamos.

Todos os leitores que acompanham este jornalista sabem de cor e salteado que não preciso de memória para responder a qualquer questão. Basta acionar o dispositivo de cognição que liga o motor da linha editorial de CapitalSocial a partir de 1990 em forma de revista LivreMercado.

Sei muito bem o quanto é igualmente prazeroso e desgastante enfrentar os leitores mais agudos ou mais solidários. Essa deveria ser a regra geral a ser aplicada a todos que, repito, tenham alguma porção de incisão participativa na vida regional. Sem exceção.

A vida mansa da turma que aparece na mídia apenas conforme o receituário de marqueteiros ou conveniências programadas deveria acabar. Confesso que estou cansado do papel de ombudsman da região. Desempenho-o isoladamente nas mídias locais. Sociedade que precisa de ombudsman é sociedade devastadoramente derrotada.

Leia mais matérias desta seção: