Economia

Capuava é grande
desafio regional

  DANIEL LIMA - 05/04/1998

O aumento de produção da Petroquímica União, a primeira central de matérias-primas do País, é o maior teste à capacidade de mobilização institucional do Grande ABC. Responsável pelo abastecimento de empresas de segunda geração do setor petroquímico do Pólo de Capuava e também de outros municípios, inclusive Cubatão, a PQU vive situação decisiva. É agregar mais capacidade de produção de eteno, do qual deriva multiplicidade de subprodutos da cadeia produtiva, ou continuar a marcha batida de perda de importância econômica com repercussões em grande parte do parque industrial da região. A Petroquímica União, que já foi a maior central de matérias-primas da América Latina, perde feio para as outras duas unidades-chave do País, a Copene e a Copesul, porque só participa com 21% da produção nacional de eteno.

A batalha que as forças políticas, sociais e econômicas do Grande ABC têm pela frente é dessas oportunidades que se oferecem para testar até que ponto estão realmente preparados para potencializar a região o Consórcio Intermunicipal (formado pelos sete prefeitos), o Fórum da Cidadania do Grande ABC (integrado por conjunto de 100 entidades dos mais diferentes espectros) e a Câmara Regional do Grande ABC (uma combinação do Consórcio e do Fórum a que se somam Secretarias do governo do Estado).

A importância econômica do Pólo de Capuava, até recentemente relegado ao quarto de despejo das organizações político-administrativas da região, vai muito além da visibilidade tributária que começa a ser propagandeada.

Mais que os 43% que os petroquímicos representam de forma direta para as receitas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de Mauá e 40% de Santo André, o grupo de empreendimentos que produz petroquímicos na divisa dos dois municípios pode significar, com novos aportes de produção, o surgimento de novas empresas de terceira geração, responsáveis por produtos acabados. Em resumo: tão relevante quanto os recursos tributários diretos e indiretos que proporciona, a revitalização do Pólo de Capuava implementaria investimentos e empregos em novas unidades industriais.

Por isso, não foi apenas o sentimento de solidariedade regional que levou ao Rio de Janeiro o prefeito de Mauá, Oswaldo Dias, no começo do mês passado, numa comitiva que buscou sensibilizar o presidente da Petrobrás, Joel Mendes Rennó, para a importância da recuperação econômica da região. Tampouco o prefeito de Santo André, Celso Daniel, lhe fez companhia só porque é um dos mais determinados defensores da integração regional.

Os demais prefeitos da região só não participaram do encontro provavelmente porque desconhecem ou estão malinformados sobre os efeitos irradiadores do parque petroquímico de Capuava. Presença cada vez mais pronunciada na indústria de transformação, os petroquímicos atingem diretamente o coração econômico da região porque estão em número extenso de atividades. Inclusive no uso cada vez mais intensivo de plástico na indústria automotiva.

A dificuldade de dimensionar o grau da repercussão econômica e social dos petroquímicos gerados a partir da Petroquímica União e da cadeia de segunda geração torna o Pólo de Capuava muito menos reluzente que, por exemplo, a indústria automotiva. Com produção pulverizada em forma de moléculas entre a central de matérias-primas e várias empresas de segunda geração — são perto de 35, contada a cadeia que está fora do território de Capuava — e administrações complexas, integradas por diferentes macrogrupos empresariais, muitos dos quais concorrentes entre si, o parque petroquímico do Grande ABC jamais se converteu em protagonista de ações institucionais na região.

Já as montadoras de veículos, cujos produtos são mais facilmente identificados porque brilham nas ruas e avenidas e contam com massa de trabalhadores que patrocinou grandes eventos sindicais e políticos, sempre atraíram as atenções macroeconômicas.

Mas agora a situação está sendo alterada. A ameaça de perder o pouco brilho que lhe restou no cenário nacional, depois de superado pelos pólos da Bahia do senador Antônio Carlos Magalhães e do Rio Grande do Sul do governador Antônio Brito, determinou série de ações informais envolvendo representantes das empresas de Capuava e administradores públicos, além de agentes sociais. A visita ao presidente da Petrobrás é sintomática dessa transformação.

Embora se cogite duplicar a produção de eteno da Petroquímica União a partir da distribuição de nafta pela Petrobrás como base para restabelecer a força comparativa do Pólo de Capuava, a realidade é outra. A PQU pretende é outra alternativa. Fontes de Brasília, relacionadas à ANP (Agência Nacional de Petróleo), órgão criado para promover a regulação, contratação e fiscalização do setor de petróleo, garantem que a Petroquímica União quer mesmo é as sobras de gás das refinarias de Cubatão e de Capuava para executar a primeira fase de duplicação da produção.

A explicação é de ordem técnico-mercadológica. Para acrescentar à atual capacidade de 500 mil toneladas anuais de eteno derivada da nafta outras 150 mil toneladas originárias do gás de refinaria seriam necessários investimentos de perto de R$ 70 milhões na planta da Petroquímica União. Já o aumento de produção de eteno com base na nafta da Petrobrás, até atingir 1,1 milhão de toneladas por ano, exigiria investimento de R$ 600 milhões.

O gás de refinaria que se transforma em eteno tem utilidade industrial mais restrita e demanda inversões tecnológicas menos complexas. O eteno derivado da nafta torna indispensável tecnologias intercomplementares para atender a desdobramento industrial muito mais amplo e demorado.

Tudo isso parece equação de difícil entendimento para os leigos? Não só parece como é de fato, por isso exige muita atenção. Tanta atenção que as notícias sobre a duplicação da capacidade de produção da Petroquímica União geralmente são imprecisas porque não distinguem as duas etapas da operação, a primeira com gás de refinaria e a segunda com nafta.

Ao optar preferencialmente pelo gás de refinaria, a Petroquímica União estaria apta a, dentro de 18 meses, acrescentar 150 mil toneladas de eteno em seu balanço anual de produção. Preencheria espaços no mercado e poderia ganhar mais fôlego para, num estágio seguinte, retomar de fato o interesse pela nafta da Petrobrás e alcançar 1,1 milhão de toneladas.

Certo mesmo é que há disponibilidade de gás nas refinarias de Cubatão e de Capuava, sob o comando da Petrobrás. Esse subproduto do petróleo tem sido utilizado nas duas empresas como energia para caldeiras, entre outras finalidades. Economicamente, segundo técnicos especializados, é interessante a transformação em eteno. Tanto para quem vende como para quem compra. Para quem vende porque pode representar vantagem financeira. Para quem compra porque possibilita a redução de investimentos para a industrialização de eteno, pois o processo é menos complexo que o de transformação da nafta, e os custos operacionais são mais baixos.

Instalada ao lado da Petroquímica União, a Refinaria de Capuava teria facilitado o transporte do gás. Já o abastecimento da Refinaria de Cubatão seria por intermédio de duto específico. Há disponibilidade de um dos vários dutos da Petrobrás que interliga a PQU à Baixada Santista. Mas, se for preciso investimento em nova interligação, de aproximadamente 55 quilômetros, os custos não seriam empecilho.

A Petroquímica União não produz apenas o eteno. Também estão na lista propeno, butadieno, buteno, benzeno, tolueno, xileno, ortoxileno, resíduo aromático, resinas de petróleo e toluenos. A empresa conta com 600 funcionários. Quase a metade dos tempos de estatização: em 1993 eram 1.160 funcionários. O consumo de nafta atinge 1,8 milhão de toneladas anuais fornecidas pela Petrobrás por meio das refinarias de Cubatão, Capuava, Paulínia e São José dos Campos. A distribuição dos produtos da PQU concentra-se principalmente através de dutos (75% do total). O restante é feito por caminhões, a partir do parque de armazenamento da empresa. O setor de plásticos domina a grade de participação dos setores nas vendas da Petroquímica União com 47%. Fibras sintéticas vêm a seguir com 22%. Os demais: plastificantes (10%), tintas e vernizes (3%), borracha (5%), solventes (5%), detergentes (1%) e outros (7%).

Documento enviado em 14 de outubro do ano passado ao secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, Rui Coutinho do Nascimento, assinado por Edson Eden dos Santos, diretor-superintendente da Petroquímica União, explica onde está a maior ameaça ao Pólo de Capuava. O ofício externa sérias preocupações da companhia em relação ao contrato de associação assinado em 12 de setembro de 1997 entre a Petrobrás e a Odebrecht, o qual, segundo argumenta, põe em risco a competitividade da Petroquímica União e das demais empresas que constituem o Pólo de Capuava e sua extensão extraterritorial.

A capacidade total da nova central de matérias-primas, que deve entrar em atividade no começo do próximo século, está projetada em 1,2 milhão de toneladas por ano, ou 30% mais de oferta do eteno instalado no País atualmente. O empreendimento deverá consumir US$ 2,5 bilhões até 2003. O Pólo de Capuava não pode perder essa corrida contra o tempo para Paulínia. Isto é: não pode ter expansão protelada, sob o risco de ser atropelado na ocupação de espaços que se abrem no mercado.

A composição acionária do Pólo de Paulínia envolve Odebrecht, Ultra, Itaúsa e Petrobrás. Ao redor do pólo serão gerados 32 mil postos de trabalho. Localizado na região de Campinas, o pólo aproveitaria a proximidade do maior mercado consumidor de produtos petroquímicos do País e a oferta de matérias-primas que a região oferece. Está em Paulínia a maior refinaria de petróleo do continente, a Replan, da Petrobrás, que já anunciou plano de expansão com investimentos de US$ 900 milhões.

A Petrobrás será majoritária na empresa que fornecerá matérias-primas — gás, nafta e outros insumos — ao Pólo de Paulínia. Os grupos privados mais a Petrobrás estudarão todas as alternativas de suprimento do pólo, desde a vinda do gás do campo de Camisea, no Peru, do campo de Urucum (Amazonas) e dos campos de petróleo de Angola, onde a Petrobrás atua, além da Replan.

O projeto prevê a constituição, numa primeira etapa, de três empresas: a Companhia Nacional de Produtos Petroquímicos (CNPP), holding que atuará no pólo, a Companhia Paulista de Petroquímicos (CPP) e a central de matérias-primas Companhia de Matérias-Primas da Indústria Petroquímica (CMPI).

O que a Petroquímica União contesta não é o novo pólo petroquímico em Paulínia, ou em qualquer outro ponto do País, mas o que entende ser desrespeito às leis da livre concorrência. Prevaleceria a concessão de privilégios que criariam dificuldades ao funcionamento e desenvolvimento dos negócios das empresas concorrentes.

A cláusula oitava do acordo é a mais contestada porque prevê que se a Petrobrás decidir entrar em outro projeto dará preferência ao Grupo Odebrecht, através de sua subsidiária no setor, a OPP Petroquímica. Diz o documento da PQU: “A associação, da forma estabelecida em contrato, criará dificuldades incontornáveis ao desenvolvimento do Pólo Petroquímico de São Paulo (Capuava), além de prejudicar a entrada de novas empresas no mercado, impedindo o livre acesso às fontes de matérias-primas e aos canais de distribuição, porque estarão subordinados somente aos interesses da associação prevista. Não há qualquer garantia de que a concentração da atividade econômica no setor petroquímico, estimulada pelo governo através de sua empresa Petrobrás, venha a trazer qualquer tipo de benefício ao consumidor final quando se compara tal cenário com o de livre concorrência e de participação de outros capitais privados”.

A Odebrecht defende-se no processo que está no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e na SDE (Secretaria de Direito Econômico). Pareceres encomendados a quatro importantes escritórios de advocacia, como o de Ives Gandra Martins, defendem a legalidade do contrato firmado entre a OPP e a Petrobrás.

Um desses pareceres, do advogado Luís Octávio da Motta Veiga, sustenta que o contrato é válido e que o direito de preferência concedido pela Petrobrás à OPP Petroquímica para participar com novos investimentos no setor petroquímico restringe-se exclusivamente ao Pólo de Paulínia e não abrange todo o País. É exatamente aí que a roda pega: 40% da nafta que a Petroquímica transforma em eteno e outros produtos vem da Refinaria de Paulínia. Esse abastecimento poderia ser comprometido diante da eventualidade de desvio da produção da refinaria para o projetado Pólo de Paulínia. Especialistas em petroquímica desconfiam da garantia de abastecimento anunciado pela Petrobrás e pela Odebrecht.

Para Fábio Konder Comparato, jurista contratado pela Petroquímica União, a abrangência estipulada é ilimitada não só quanto ao tipo de investimento ou negócio, como ainda em relação à localidade geográfica em que venha a se realizar. “A rigor, se a Petrobrás tiver interesse em participar como sócia, ainda que minoritária, de alguma empresa produtora de matéria-prima para a indústria petroquímica no Brasil ou no estrangeiro, estará obrigada a reconhecer a preferência da OPP. Se quiser adquirir direito de utilização de patente ou know-how de produção de derivados de nafta, ou de produtos petroquímicos, deverá oferecer o negócio à outra parte. Da mesma forma, se tencionar estabelecer uma relação de pesquisa tecnológica no setor, no que tange ao produto ou ao processo de fabricação” — afirma.

Todo o Pólo Petroquímico de São Paulo, como é oficialmente reconhecido o Pólo de Capuava, atinge faturamento anual correspondente a mais de R$ 2,2 bilhões e recolhimento em impostos estaduais de cerca de R$ 260 milhões/ano. A Petroquímica União centraliza todo esse complexo industrial com produção de 500 mil toneladas de eteno, o que a coloca em nível de escala equiparável a padrões internacionais, e mais de um milhão de toneladas de outros produtos petroquímicos. Só no ano passado a empresa faturou R$ 770 milhões e gerou R$ 140 milhões de impostos para o Estado de São Paulo.

O gradual esvaziamento econômico do Pólo de Capuava tem relação direta com o poder político e suas variáveis econômicas. Embora localizado no principal centro do mercado consumidor do País, já que o Estado de São Paulo responde por mais de 60% do consumo doméstico de produtos petroquímicos, o pólo participa com apenas 21% da produção de eteno. Capuava perde para os pólos petroquímicos de Camaçari, na Bahia, e de Triunfo, no Rio Grande do Sul. A Copene, central de matérias-primas da Bahia, responde por 50% da produção de eteno. Sua capacidade é de 1,2 milhão de toneladas do produto por ano. A central de matérias-primas Copesul, no Rio Grande do Sul, tem capacidade para processar 685 mil toneladas de eteno por ano, mas até o primeiro trimestre do ano que vem deverá elevar para 1,13 milhão.

Esse disparate — a produção petroquímica concentrar-se basicamente em dois Estados distantes da região mais desenvolvida do País — por si só demonstra o histórico enfraquecimento político do Estado de São Paulo. E coloca mais lenha na fervura de dificuldades que o Grande ABC deverá encontrar para aumentar a capacidade do Pólo de Capuava. A complexidade do setor e possíveis repercussões na intrincadíssima cadeia de produção dificultam o rastreamento de informações. Mas não impedem que incursões analíticas sejam feitas em encontros fechados.

Embora o Pólo Petroquímico de Paulínia seja visto como grande ameaça, até porque poderia provocar desistência de eventuais novos investimentos nas empresas do Pólo de Capuava diante da persistência dos atuais níveis de produção, também o avanço produtivo da Copesul é visto com preocupação. A explicação é simples: não haveria interesse político em permitir o aumento da capacidade de produção do Pólo de Capuava num momento — ano que vem — em que a Copesul despejaria no mercado adicional de mais de 400 mil toneladas anuais de eteno e milhares de outras toneladas de subprodutos.

Água cara, infra-estrutura ruim

O Pólo Petroquímico de Capuava está estrangulado economicamente pela escassez de investimentos em matérias-primas que poderiam aumentar sua capacidade de produção, mas sofre também com o Custo ABC. O abastecimento de água chega a multiplicar os valores em até oito vezes em relação aos outros dois pólos brasileiros, na Bahia e no Rio Grande do Sul. O metro cúbico na região custa entre R$ 4,50 e R$ 4,80. Muito acima dos R$ 0,50 dos concorrentes. Para compreender a diferença, e quanto há de peso sobressalente para as empresas do pólo, a Petroquímica União é exemplo emblemático: a diferença entre seus custos com água e o das outras duas centrais de matérias-primas equivale a cinco folhas de pagamento dos 600 funcionários, de R$ 2 milhões mensais, ou seja, R$ 10 milhões/ano.

A despesa das empresas do Pólo de Capuava com água é tão relativamente pesada que não está fora de cogitação uma composição com as autarquias de água e esgoto de Santo André (Semasa) e de Mauá (Sama) para construção da ERA (Estação de Reuso de Água). A obra, lançada sem melhor detalhamento na administração do prefeito Newton Brandão, voltou a ser debatida e com intensidade nas duas últimas semanas.

Os dirigentes das autarquias e departamentos de água e esgoto da região, que se abastecem da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), realizaram várias reuniões para tentar colocar em pratos limpos proposta que não lhes agrada em nada. A Sabesp pretende atender à demanda de água industrial (não potável) do Grande ABC, não só do Pólo de Capuava, através da ETE-ABC (Estação de Tratamento de Esgoto do ABC), localizada no Bairro de Heliópolis, divisa com São Caetano. Orlando Cassetari, executivo da Sabesp, anunciou disposição de servir à região, mas sem que a distribuição fosse intermediada por autarquias e departamentos municipais.

Dirigentes do Semasa, da Sama, da Saned (Diadema) e dos DAEs (Departamentos de Água e Esgotos) de São Bernardo e São Caetano reagiram à proposta exposta pela Sabesp para rebaixar o Custo ABC. Da reação à ação foi um passo. O Pólo de Capuava, que mais tem reclamado a alternativa de uso de água industrial, derivada de tratamento de esgoto e por isso mesmo economicamente mais rentável que a potável, passou a receber nos últimos dias a perspectiva de retomada dos planos de construção da ERA.

A idéia dessa estação de tratamento de esgotos foi lançada na gestão do então superintendente do Semasa na administração do prefeito Newton Brandão, o engenheiro Ajan Marques de Oliveira. O problema da falta de maior consistência do projeto, tornava-o frágil à medida que a alternativa da ETE-ABC se mostrava interessante.

A viabilidade da obra não está fora do alcance das empresas do Pólo de Capuava. A ERA custaria perto de R$ 35 milhões, contra R$ 70 milhões previstos para as empresas do pólo trazerem água de uma das bacias do Vale do Paraíba. Por trás do empreendimento estaria empresa especializada na atividade. A revitalização da idéia da ERA já teria sido comunicada a essa organização, que estaria estudando a viabilidade técnico-econômica.

Maurício Mindrisz, superintendente do Semasa, resume o posicionamento dos demais diretores do setor dos municípios da região. “A Constituição Federal distribui aos municípios a responsabilidade pela tarefa dos serviços de abastecimento de água. Se aceitarmos a presença da Sabesp sem nossa participação, estaremos incorrendo em ilegalidade” — disse.

A Estação de Tratamento de Esgotos da Sabesp deve estar funcionando no início deste segundo semestre. Mas só no primeiro trimestre do próximo ano deverão estar concluídos estudos para tratamento específico da água que atenderia às indústrias. Os próximos meses devem ser decisivos.

A água industrial da ETE-ABC seria vendida diretamente às indústrias por preços que flutuariam entre R$ 0,80 e R$ 1,20, segundo cálculos de Orlando Cassetari. A variável de preços decorre das especificidades de tratamento para usos igualmente determinados.

A ERA de Santo André, segundo especialistas, poderia atender inicialmente ao pólo, e depois a outras empresas, por preços semelhantes. E a autonomia das unidades municipais do setor estaria preservada. A composição do investimento com uma empresa especializada, como já se projeta, também pode ter participação do próprio Semasa e da Sama, já que a ERA atenderia num primeiro estágio ao grupo de empresas petroquímicas do Pólo de Capuava.

Maurício Mindrisz, do Semasa, jamais descartou a proposta da ERA — ele faz questão de lembrar. “Temos responsabilidade pública para avaliar com toda cautela o que é melhor para cada Município. Alternativas não nos faltam para resolver a questão da água industrial, mas não podemos fugir da legalidade” — explica.

A potencialização do Pólo de Capuava passa também pela logística de armazenamento e distribuição de produtos, proposta que tem no secretário de Desenvolvimento Econômico e Emprego de Santo André, Nelson Tadeu Pereira, o principal incentivador no grupo temático do setor petroquímico na Câmara Regional. Tadeu quer amarrar num mesmo projeto o porto seco do consórcio Wilport/Colúmbia, o transporte ferroviário de responsabilidade da MRS Logística, concessionária que arrematou a antiga malha sudeste da Rede Ferroviária Federal, e as próprias empresas do pólo.

Nelson Tadeu afirma que está avançando na proposta de criar centrais de distribuição de cargas da MRS ao longo do trecho da linha ferroviária, principalmente o que passa por Santo André e Mauá. “Poderemos utilizar terrenos da Rede Ferroviária para implantar entrepostos, aproveitando que estamos no caminho do Porto de Santos e próximos de canais de escoamento de produtos, casos da Via Anchieta, da Via Imigrantes e também da Avenida dos Estados e da Via Dutra” — diz.

Os estudos sobre o assunto ainda são preliminares e encontram barreiras de infra-estrutura numa região cujo sistema viário longe está da agilidade desejada por empreendedores que fazem do just-in-time um dos instrumentos de redução de custos.

Nelson Tadeu Pereira, ex-executivo do Grupo Rhodia que mantém na atividade pública a discrição de quem prefere publicamente mais ouvir do que falar, está procurando juntar as pontas de um aparentemente imenso novelo de improbabilidades. O prefeito de Santo André, Celso Daniel, que coordena o grupo dos petroquímicos na Câmara Regional, está certo de que conseguirá sensibilizar os vários interesses envolvidos de maneira que tudo resulte em benefício para a economia regional. “Temos aproximado os representantes do Pólo de Capuava em busca de alternativas que respondam às necessidades de melhorar a competitividade econômica da região” — explica o prefeito.

Sindicato quer recuperar vagas

A duplicação da produção da Petroquímica União no Pólo de Capuava recuperaria dois terços dos postos de trabalho que o setor viu desaparecer nos últimos seis anos na região. A indústria química e petroquímica do Grande ABC foi abatida em 15 mil empregos desde 1991, segundo estatística do Sindicato dos Químicos. Eram 45 mil funcionários. Agora são 30 mil. O Pólo de Capuava, com a central de matérias-primas da Petroquímica União e as empresas de segunda geração, representa parcela pequena de todo o contingente — são 2,8 mil trabalhadores hoje, contra 4,5 mil seis anos atrás. Mas sua repercussão econômica em toda a cadeia produtiva é estratégica porque alimenta a chamada terceira geração, que se capilariza com empresas de micro, pequeno e médio porte.

Sergio Novais, presidente do Sindicato dos Químicos, acompanha o esfriamento de postos de trabalho desde o início da década. Pesaram no afrouxamento de vagas no Pólo Petroquímico de Capuava os investimentos em novos conceitos gerenciais e as inversões tecnológicas, principalmente após a privatização das empresas. Também foram acionadas novas ferramentas redutoras de custos trabalhistas, por meio de terceirização de algumas atividades de suporte, principalmente de manutenção.

A fragilidade do Pólo de Capuava vista pelo ângulo trabalhista é exemplificada pelo presidente do sindicato. Ele afirma que reconheceu recentemente num vendedor de suco de laranja, num farol movimentado, um ex-operador petroquímico. Há operadores petroquímicos demais no mercado para empregos de menos. Tanto que a Escola Técnica Clóvis Bevilacqua, de Santo André, está formando a última turma de profissionais na área. Provavelmente o derradeiro reduto para quem pretende dominar alguns dos segredos da profissão seja o Senai de Mauá.

É sintomático que os operadores estejam em maus lençóis. A atividade foi duramente atingida pela aplicação de novas tecnologias. Sergio Novais dá números à tragédia da profissão. Só a Unipar reduziu de 44 para 13 o quadro de operadores. Esses profissionais tinham importância muito maior quando as empresas do Pólo de Capuava não contavam com métodos mais atualizados de acompanhamento de produção dos subprodutos da nafta. Com painéis de controle de última geração, obtém-se informação imediata de possíveis desvios da programação e consequente comunicado aos operadores de campo.

Tudo que hoje está nas detalhadas telas de controle era analisado praticamente no campo pelos operadores. Daí a necessidade de número muito menor de profissionais.

Outras funções também acabaram solapadas pela tecnologia. Casos de instrumentistas, eletricistas e mecânicos. Quando a modernidade entra em campo, o melhor a fazer é redobrar conhecimentos para tentar manter-se no emprego. Com a sobrecarga da estagnação da produção da central de matérias-primas do Pólo de Capuava, a situação tornou-se caótica para os trabalhadores.

Mas a reversão está no horizonte do presidente do sindicato. Sergio Novais já fez as contas e chegou à conclusão de que, com perto de 1,1 milhão de capacidade de processamento da nafta distribuída pela Petrobrás, como consta da reivindicação do Grande ABC, o Pólo de Capuava acrescentará três mil empregos aos 2,8 mil atuais. E outros sete mil se espalharão pelas empresas de terceira geração sediadas na região.

O sindicalista não aceita qualquer outra alternativa para a indústria química/petroquímica do Grande ABC senão a duplicação da capacidade do Pólo de Capuava. Embora reconheça que empresas de primeira e segunda gerações não criam muitos empregos, defende a união de esforços para garantir o adensamento de empresas de terceira geração e, principalmente, a elevação das receitas tributárias de Santo André e Mauá, cujos orçamentos dependem demais da atividade.

Sergio Novais reconhece que suas preocupações atuais não podem ser comparadas às dos tempos de diretor do sindicato, quando greves e aumentos salariais eram pontos de honra das campanhas para renovação da convenção trabalhista. Agora a pauta é outra. E o relacionamento com representantes do empresariado do Pólo de Capuava também. As reuniões na Câmara Regional aproximaram as partes. Novais diz que as questões de varejo cederam espaço para a importância do atacado.

Faz parte do atacado a pressão política e institucional para dobrar a capacidade da Petroquímica União. Nesse ponto, Sergio Novais age com a naturalidade de executivo, não de militante sindical. Sabe que a atividade representa 40% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de Santo André e 43% de Mauá. Faz coro também às reclamações contra o custo da água que abastece o Pólo de Capuava. Dá mostras de que acompanha a realidade do setor nos níveis nacional e internacional e fala da necessidade de a Petroquímica União tornar-se competitiva pela veia da produção, além da racionalidade da tecnologia e da gestão, porque escala virou ponto de honra num mercado cada vez mais concorrido.

Tudo isso não significa que Sergio Novais esteja descuidado na representação corporativa. Juntamente com a direção da Petroquímica União, está preparando um seminário que envolveria executivos de recursos humanos de todas as empresas do Pólo de Capuava. Trata-se de um grupo semelhante ao da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), que ao longo dos anos tem tomado deliberações em conjunto para aplicações individuais nas negociações com o sindicato.

Sergio Novais quer debater as questões trabalhistas de forma conjunta e não mais por empresa e esse encontro, encaminhado juntamente com Edson Eden dos Santos, superintendente da Petroquímica União durante encontros da Câmara Regional do Grande ABC, já faz parte do calendário de eventos deste ano.

Está superado o corte de perto de 600 dos 2,8 mil trabalhadores que restam no Pólo de Capuava, previsto com a pretendida desativação de um dos cinco turnos de trabalho. O assunto, que chegou a colocar o sindicato em pé de guerra, já não consta mais da lista de exigências das empresas. Sergio Novais lembra que o peso da folha de pagamentos dos trabalhadores do Pólo de Capuava acaba se diluindo em relação ao faturamento das empresas. Diferente, por exemplo, de empresas que se utilizam de mão-de-obra de intensa manufatura.

Por isso — argumenta o presidente do Sindicato — o corte de um turno não representa peso decisivo na quebra de custos. Ao contrário, a manutenção de folgas diárias para duas das cinco equipes de revezamento de uma atividade cuja produção é ininterrupta ameniza os efeitos nocivos da rotatividade do horário funcional. Por causa dessa questão o sindicato chegou a promover greve de 33 dias na Unipar.

Um quesito — ressalta Sergio Novais — aparentemente de varejo continua na pauta de grandes preocupações do sindicato. É a indispensável segurança que a atividade exige, com minuciosa manutenção das plantas instaladas. “Já tivemos muitos problemas no passado” — afirma o presidente do Sindicato. Ele se refere a vários casos, mas principalmente a um dos maiores acidentes registrados nos últimos anos, que culminou com a morte de um trabalhador por causa de explosão na CBC, Companhia Brasileira de Cartuchos. Foram 21 dias de greve.

Iniciativa privada iniciou pólo

O Grande ABC conhece tão pouco seu parque petroquímico que imagina a Petroquímica União como obra do Estado. Não é exatamente isso. O Pólo Petroquímico de São Paulo, primeira central de matérias-primas do País, entrou em operação em 1972. O Estado, através da Petroquisa, subsidiária da Petrobrás, mantinha o controle da central de matérias-primas e participava minoritariamente da Poliolefinas (hoje OPP Polietilenos), da Oxiteno e da CBE. Mas tudo começou bem antes.

Mais precisamente em junho de 1964, quando foi criado o Geiquim (Grupo Executivo da Indústria Química), que passou a desempenhar importante papel no planejamento, aprovação de projetos e concessões de incentivos para a indústria petroquímica. Era o Estado que se voltava às funções de planejamento macroeconômico e de fixação de diretrizes políticas, deixando a ação executiva para a iniciativa privada.

Essas medidas marcam o ingresso no cenário da indústria petroquímica de grupos privados nacionais de maior expressão empresarial, inclusive associados a grupos estrangeiros. Quando a Petroquisa foi criada, através do Decreto Lei 61.981 de 28 de dezembro de 1967, voltada para desenvolver atividades petroquímicas da Petrobrás, com liberdade para associar-se mesmo que minoritariamente a grupos privados nacionais e internacionais, já estava se desenvolvendo o projeto da Petroquímica União, então apresentado como o maior complexo petroquímico da América Latina e resultado dos entendimentos entre a Philips Petroleum, Grupo Ultra, Refinaria União e Grupo Moreira Sales. Um projeto que exigia grandes esforços financeiro e gerencial dos grupos empreendedores.

Paralelamente, dois fatores envolvendo grupos estrangeiros eram registrados. Primeiro, um projeto de fábrica de eteno da Union Carbide, em Cubatão, começou a acusar sérios problemas técnicos que retardaram sua entrada em operação. Com isso, o empreendimento se tornou inviável, levando a empresa a perder milhões de investimentos e a depender de suprimento de eteno da Petroquímica União. Segundo, o projeto de fertilizantes liderado pela Phillips em associação com o Grupo Ultra teve cronograma de implantação muito dilatado, com acréscimo de custo do investimento. Situação que levou a empresa a retirar-se do projeto da Petroquímica União e a concentrar-se na planta que deu origem à Ultrafértil.

O projeto da Petroquímica União ficou ameaçado com a desistência do Grupo Ultra. A saída foi buscar apoio no Estado. As negociações com a Petrobrás, que já estavam em andamento e envolviam o suprimento de nafta à Petroquímica União e o destino dos subprodutos combustíveis da instalação petroquímica, cuja comercialização estava sujeita ao monopólio da União, passaram a contemplar também, pela primeira vez, a associação do Estado com a iniciativa privada. Foi aí que surgiu a Petroquisa.

A história da indústria petroquímica no Brasil é mais antiga e mantém, desde a fase inicial, forte ligação com a indústria de refinação de petróleo. Em 1932, entrou em funcionamento a pequena Destilaria Rio Grandense, na cidade de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. Em 1936 começaram a operar as refinarias Matarazzo, em São Paulo, e Ipiranga, em Rio Grande, no Rio Grande do Sul.

Em 1938, foi criado o Conselho Nacional do Petróleo, pela mesma lei que nacionalizou a indústria de refinação de petróleo no Brasil. Estabelecia-se que o controle do capital e a administração das empresas deveriam ser exercidos exclusivamente por brasileiros. Eram os tempos de nacionalismo de Getúlio Vargas, à esteira de ideologias análogas na Europa. Também em 1938, outra lei conferiu ao CNP as atribuições de autorizar a instalação de refinarias e de determinar, entre os subprodutos de destilação do petróleo, quais estariam incluídos no sistema de abastecimento nacional e sujeitos a controle de preços.

Com a descoberta de petróleo na Bahia, o CNP implantou a refinaria de Mataripe, que entrou em funcionamento em 1950. No mesmo ano, o CNP começou a implantar uma grande refinaria em Cubatão, inaugurada em 1958. Ao mesmo tempo, grandes grupos privados construíam as refinarias de Capuava, Manguinhos (Rio) e Manaus. A instalação da primeira petroquímica brasileira foi tomada em 1952, quando o CNP decidiu pela construção da fábrica de fertilizantes de Cubatão.

A Petrobrás, criada em 1953, foi o fato mais marcante na história do setor. A lei que criou a estatal não abrangia a petroquímica, mas para que o empresariado se sentisse estimulado a participar, o CNP baixou resolução, em 1954, estabelecendo que, devido à grande diversificação de produtos, a implantação da indústria petroquímica deveria caber, tanto quanto possível, à iniciativa privada.

A segunda central de matérias-primas do País foi fundada em 1972, inicialmente como Petroquímica do Nordeste-Copene e a partir de 1974 como Copene Petroquímica do Nordeste. A central tem 900 funcionários, contra 550 da Petroquímica União, e capacidade para 1,2 milhão de toneladas de eteno. É a maior central petroquímica do Brasil. Tem 50% de participação no total da capacidade do País.

A Copesul (Companhia Petroquímica do Sul) é a central petroquímica do Pólo Petroquímico de Triunfo. Foi criada em 1976 e é a segunda produtora de petroquímicos básicos do País, com 29% de participação no mercado. Iniciou operações em 1982. Desde 1995, a Copesul está investindo na ampliação da capacidade. Após aumentá-la para 685 mil toneladas em 1996, programou nova elevação para os próximos anos. A previsão é de que atingirá 1,13 milhão de toneladas anuais de eteno no primeiro trimestre do ano que vem.

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