Ainda bem que o Brasil
não foi criado em 2000
DANIEL LIMA - 19/03/2024
O “ainda bem” da manchetíssima de hoje se refere especialmente ao desenlace vivido pelo Grande ABC. A questão envolve o PIB de Consumo, uma das infindáveis temáticas de regionalidade que você só encontra aqui com frequência e profundidade que todos conhecem. As demais mídias e academias, quando nãos instituições públicas e privadas, são sazonais e na maioria dos casos viciadas sobre o que interessa para valer. Todos têm medo de ferir melindres nada republicanos.
O fato é o seguinte: desde 2000, quando supostamente o mundo brasileiro do consumo teria sido criado, o Grande ABC de sete municípios apanha feio da média nacional.
Convenhamos que apanhar da média nacional é uma vergonha. Mas continuamos tocando o barco como se o passado, antes de 2000, que nos foi bastante favorável, não houvesse sido sequer tocado, quanto mais dilapidado.
Só enxergamos o copo metade cheio, que se esvazia a cada ano. O copo metade vazio, que enche mais a cada ano, é desprezado.
Vamos diretamente aos dados para, em seguida, organizar as ideias mais detalhadamente.
Nos 23 anos já apurados deste século (de 2000-2023) a Consultoria IPC, maior especialista em potencial de consumo, que é o que chamo de PIB de Consumo, capturou dados que metabolizei. Vejam o que aconteceu numa disputa entre dois territórios, o Brasil como um todo e o Grande ABC também como um todo nesse período, somente nesse período:
Famílias de Classe Rica – O total relativo do Brasil não passou de 0,93% enquanto no Grande ABC o resultado foi ainda mais despudoramente ruim: apenas 0,59%. Traduzindo: para cada grupo de mil famílias, apenas 93 surgiram no solo brasileiro, em média, enquanto no Grande ABC não passou de 59. É muita diferença para não se preocupar.
Famílias de Classe Média Tradicional – De cada 100 residências que surgiram no Brasil desde 2000, 26,36 são dessa categoria econômica. No Grande ABC, o total não passou de 22,72%.
Famílias de Classe Média Precária – No Brasil deste século, essa classe econômica representou 66,50% do total das residências, enquanto no Grande ABC foram 49,84%.
Famílias de Classe Pobre e Miserável – Apenas 6,85% do total de residências brasileiras neste século registraram essa classe social, enquanto no Grande ABC o total chegou a 17,64%.
Antes de partir para a comparação entre o Brasil e o Grande ABC deste século e o Brasil e o Grande ABC do acúmulo de séculos anteriores, convém ressaltar a surra que tomamos nas classes sociais expostas durante esses 24 anos.
Mesmo o crescimento maior da Classe Média Precária, aquela maioria que flutua entre pobres e miseráveis e a classe média tradicional, se dá em decorrência de melhoria da média nacional.
SOMENTE ATÉ 1999
Agora vamos exibir o painel com os dados consolidados do Brasil e do Grande ABC até o século passado, somente até o ano de 1999. Dessa forma, desconsideramos os dois territórios neste século. Reforçando a informação: os 24 anos deste século são atirados num canto. O passado nos favorece e nos engana. É só observar:
Famílias de Classe Rica – O Brasil contava com participação de 4,59% no total de residências e o Grande ABVC com 6,17% até 1999, que é o recorte formulado agora.
Famílias de Classe Média Tradicional – O Brasil contava com 17,78% de participação relativa do total enquanto o Grande ABC contava com 31,37%.
Famílias de Classe Média Precária – O Brasil contava com 31,12% do total de famílias enquanto o Grande ABC registrava 38,23%.
Família de Classe Pobre e Miserável – O Brasil contava com 46,51% do total de residências enquanto o Grande ABC registrava 24,22%.
Apresentados esses dois diagnósticos, está mais que na cara, porque são números, são estatísticas, são verdades consolidadas, que o Grande ABC saiu em 1999 de um mundo razoavelmente confortável, embora já debilitado pela desindustrialização, a partir de 1980, e passou a conhecer um inferno astral prolongado neste século, a partir do ano 2000.
NÚMEROS HISTÓRICOS
Tanto é verdade que o Grande ABC não encontra resistência que, os dados a seguir, que são os números históricos, que ignoram a barreira ou a divisão dos tempos, ou seja, antes e depois do ano 2000, desnudam o Brasil e o Grande ABC que temos hoje. Vejam:
Famílias de Classe Rica -- O Brasil conta com participação de 2,56% no total de residências, enquanto o Grande ABC registra 4,02%.
Famílias de Classe Média Tradicional – O Brasil registra o total relativo de 21,82%, enquanto o Grande ABC chega a 28,04%.
Famílias de Classe Média Precária – O Brasil registra participação relativa de 47,79% enquanto o Grande ABC alcança 49,89%.
Famílias de Classe Pobre e Miserável – O Brasil registra 27,82% enquanto o Grande ABC anota 17,63%.
Agora vamos procurar destrinchar todas essas variáveis, as quais se resumem numa constatação evidente: já fomos muito melhores que o Brasil, perdemos força durante este século e ainda conservamos vantagens que, pelo andar da carruagem, mais dia, menos dias, vão se esgotar.
Ou seja: estamos cada vez mais parecidos com a média brasileira. Não há notícia pior, porque a mediocridade nacional é tudo com o qual não poderíamos sequer sonhar. Somos uma carroça econômica que se mete terreno movediço adentro.
Para dar consistência técnica e empírica à afirmação de que estamos cada vez mais vulneráveis e suscetíveis a nos aproximar do PIB de Consumo médio do Brasil, não custa lembrar o que ocorreu durante este século, entre 2000 e 2023.
VELOCIDADE DE CRESCIMENTO
A velocidade de crescimento nominal do PIB de Consumo (crescimento nominal desconsidera a inflação e é importante porque de alguma forma dá a dimensão das diferenças), o Grande ABC avançou 633,04% enquanto o Brasil ultrapassou a barreira de mil por cento, chegando exatamente a 1.115,46%. Uma diferença de 76,21% favorável ao Brasil medíocre.
Nesse intervalo de 24 anos já consumados, enquanto o veículo de consumo chamado Brasil corria a 100 por hora, o pangaré chamado Grande ABC corria a menos de 40.
A Consultoria IPC de Marcos Pazzini, forrada de dados oficiais do governo federal, tem tudo isso muito bem organizado. E historicamente confiável. O PIB de Consumo do Grande ABC de 1999, na antessala do século que chegou, registrava participação nacional de 2.28420%. De cada R$ 100,00, R$ 2,28420 tinham origem nos sete municípios. Já em 2023, derrocada gradual e inexorável consolidada, o índice foi rebaixado a 1,76098%. Uma queda de 29,71%.
FALTA MUITO
Tenho muito a escrever sobre o PIB de Consumo da região frente a outros endereços. A próxima edição será dedicada a comparações com o Estado mais poderoso do País, o Estado de São Paulo, território no qual o Grande ABC sofre reveses ainda mais agudos.
Como estamos cansados de mostrar, o PIB Per Capital, o PIB tradicional, não o PIB de Consumo, desabou na região frente à média paulista. PIB tradicional e PIB de Consumo costumam andar alinhados, em paralelas que podem não se encontrar efetivamente na igualdade de resultados, porque são insumos diferentes, mas se retroalimentam permanentemente como reflexo da realidade. Para o bem e para o mal. No caso da região, sempre e sempre para o mal.
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