Economia

Veja análise das respostas
do dirigente Fausto Cestari

  DANIEL LIMA - 27/02/2024

Teria muitas dificuldades em dar a cada um dos 10 dedos de minhas mãos o nome de pessoas que poderiam ser apontadas como regionalistas efetivos, na mais imensa amplitude do termo, em conexão indissociável com a Economia dos sete municípios. Principalmente em conexão com o campo de institucionalidades públicas e privadas de representação de poder cooperado.

Pensando bem, apenas os cinco dedos de uma mão já me causariam embaraços, porque seriam impreenchíveis. O dirigente empresarial e médico Fausto Cestari, protagonista de Entrevista Especial que publicamos na semana passada, obrigatoriamente faria parte da lista. Com todas as honras como exemplo de uma preciosidade desperdiçada pelos poderes locais, depois de no passado ter atuado com luminosidade.

Pensando um bocadinho mais, lista é força de expressão. Não consigo enxergar, além dele e de meu próprio umbigo enxerido, mais nenhuma identidade a quem um dos dedos disponíveis apontaria o sinal positivo e mereceria, em seguida, um forte abraço.

AVES RARAS

Fausto Cestari é, portanto, noves fora este jornalista, uma grande exceção na praça ligado diretamente à regionalidade e tendo a Economia em sinergia com instituições como centro de atuação.

Em duas décadas, desde a morte de Celso Daniel, praticamente não sobrou mais ninguém. E olha que Celso Daniel, que entrou para a eternidade do regionalismo porque fez e aconteceu na Administração Pública fora dos limites de Santo André, só despertou a esse novo mundo depois de dois fenômenos sociais.

Sei que bateu nos olhos de cada leitor a curiosidade de conhecer as duas ocorrências transformadoras que ajudaram Celso Daniel a despertar a uma nova relação com a sociedade, depois de um primeiro mandato discreto, quando não frustrante, antes de completar 40 anos.

Primeiro, a criação da revista de papel LivreMercado, antecessora deste CapitalSocial. Segundo, a incubadora de talentos chamada Fórum da Cidadania. Tanto a revista quanto o Fórum da Cidadania pautaram a modernidade gerencial de Celso Daniel nas dimensões territoriais da regionalidade econômica. Não custa lembrar que Celso Daniel criou a Secretaria de Desenvolvimento Econômico que os antecessores sempre descartaram ao atender sugestão deste jornalista.

A curadoria da Entrevista Especial com Fausto Cestari é breve sobre os principais itens das questões que respondeu em apenas cinco dias, quando o prazo regulamentar se estendia a 15 dias.

Acompanhem, portanto, o que chamaria de um excesso de preciosismo deste jornalista: Fausto Cestari é tão competente nas respostas que nem deveria passar por essa triagem avaliativa. Uma triagem levada adiante apenas porque integra o regulamento dessa empreitada jornalística.

VAZIO GENERALIZADO

Fausto Cestari acertou em cheio porque conhece o riscado da regionalidade ao dizer que “temos vivido um absoluto vazio de lideranças da sociedade e principalmente dos agentes políticos, de maneira que as instituições regionais não escapam desse marasmo”. A avaliação se encaixa perfeitamente nesse período desértico que ainda recentemente chamei de “Década dos Patéticos”, que sucede o período da “Década dos Perplexos que, por sua vez, veio em consequência da Década dos Incrédulos”, que se refere especialmente ao período iniciado em meados dos anos 1990 e se estendeu até o começo dos anos 2000. A constatação de Fausto Cestari, ao dizer que consultou os sites de Governança Regional com base na atuação do Clube dos Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico, é um tiro certeira na inapetência.

CONSÓRCIO É PRIORIDADE

Ao se referir ao Consórcio Intermunicipal, batizado de Clube dos Prefeitos por este jornalista, e também à Agência de Desenvolvimento Econômico, Fausto Cestari acerta na veia da objetividade na seguinte frase: “Tem que ser visto com a importância de quem é capaz de encontrar solução a problemas comuns dos municípios e da condução estratégica regional. Não pode ser conduzido como um fardo pelos prefeitos. Caso contrário, não há qualquer razão para manter essas instituições ativas. Acabam se justificando só para a acomodação politicas de aliados e alianças. O que convenhamos, não é de interesse da sociedade”. Acertou na mosca, o entrevistado de CapitalSocial. Só faltou dizer o que afirmamos e reafirmamos ao longo dos últimos anos: o pior dos prefeitos dos prefeitos é o prefeito Paulinho Serra, de Santo André, que transformou o Clube dos Prefeitos e a Agência de Desenvolvimento Econômico em redes do projeto de carreirismo politico de olho em espaços no governo do Estado e nas esferas federais. Paulinho Serra introduziu nas duas instâncias gentes que não têm noção do que é regionalidade e tampouco contam com a cultura regional.

DISPARIDADE DE FORÇAS

Também Fausto Cestari foi cirúrgico ao apontar um equívoco histórico da representação industrial da região, subordinada ao conglomerado Fiesp e Ciesp. Jogou-se às feras do sindicalismo principalmente as ovelhas de pequenas e médias representações empresariais, engolfadas pelos grandes conglomerados que ocupavam o poder na Avenida Paulista. “Lutei intensamente para que os departamentos sindicais da Fiesp e também dos sindicatos patronais tivessem maior aproximação das Diretorias Regionais do Ciesp para a construção de decisões com base nas realidades locais”, -- disse. E completou: “Essa distorção permanece até hoje”. Ou seja: o gataborralheirismo também se manifesta no campo empresarial.

APENAS ARRECADAÇÃO

Fausto Cestari também não poupou os sindicatos de trabalhadores, embora utilizasse de uma diplomacia avaliativa. “Diagnosticamos o Custo ABC há cerca de 40 anos e pouco fizemos para minimizá-lo. Sempre tivemos no Grande ABC bons centros de formação de mão de obra e de geração de conhecimento, mas não convertemos isso em diferencial competitivo. A ação das organizações sindicais de trabalhadores, na luta por seus direitos, introduziu e fez crescer a cultura anti-empresário na sociedade local. As políticas públicas, de forma geral, nunca tiveram a preocupação central de reter empresas. Arrecadar sempre foi o foco.

PLANO INDUSTRIAL

Em apenas um parágrafo Fausto Cestari resumiu o que é lugar comum entre os analistas mais conceituados sobre o anunciado plano de reindustrialização do governo federal. “É mais do mesmo”, disse o entrevista, entre um “Não acredito” inicial e um “o grande incentivo automotivo foi direcionado ao Nordeste”. E tentou ser otimista, mas comedido: “Talvez tenhamos algum benefício efêmero, mas não suficiente para a reversão que precisamos”.

TRIUNFALISMO PROVINCIANO

Ao comentar os efeitos da construção dos trechos do Rodoanel Mário Covas, uma pauta permanente de CapitalSocial em forma de alerta aos prejuízos provocados ao longo dos anos, Fausto Cestari foi cortante: “Questionar uma obra desse vulto e que se propunha como solução logística da Região Metropolitana, de diversas cidades do Estado e até de outros Estados da Federação, parecia um despropósito. Entretanto, alertamos sobre o fato de que precisaríamos avaliar melhor os impactos que a Região do ABC estaria sujeita, em especial os negativos”. E desfiou uma montanha de complicações.  

SAIR DO BURACO

Fausto Cestari ainda mantém um fiapo de esperança sobre o futuro da região. “Talvez ainda não tenhamos chegado ao fundo do poço. A receita pode ser simples: agentes públicos comprometidos, sociedade civil mobilizada e bem representada e meios de comunicação que acompanhem e garantam a transparência a esse processo. A grande dificuldade é reunir esses ingredientes” – disse. Fausto Cestari é um sonhador. A tendência de a região, salvo imponderabilidade distante dos melhores sonhos, engatar uma quinta marcha rumo ao desfiladeiro de novas levas de desindustrialização é mais patente. O setor automotivo deverá ser ainda mais estrangulado pela competitividade descentralizada e favorecida por subsídios governamentais, como agora se observa.

NOTA DA REGIONALIDADE

Fausto Cestari também foi preciso ao dividir em duas partes a nota média que atribuiria à regionalidade gestada a partir da metade dos anos 1990. Estabeleceu dois períodos distintos. O primeiro, de nota oito, envolvendo os anos de 1995 a 2005, quando surgiu o Fórum da Cidadania.  Celso Daniel, pressionado pela novidade, assumiu a Prefeitura de Santo André em 1997 conectado com a nova agenda. Em seguida, entretanto, foi um fracasso. “A fase de implementação, aprimoramento do projeto e preservação do ideário é que foi um desastre, na minha forma de ver. Merecemos um nota dois, com boa vontade” —disse o entrevistado. Esses dois períodos foram distinguidos por CapitalSocial em forma de “Geração Incrédula”, que ainda tinha dificuldades em aceitar ou mesmo compreender a desindustrialização como uma erva daninha, e a “Geração Perplexa”, com a chegada mais visível da quebra da dinâmica social.

BOLSA DE VALORES

Até que Fausto Cestari foi generoso com a região, desafiado a projetar o futuro por meio de uma metáfora em forma de Bolsa de Valores que reunisse confiança de investimentos nos municípios brasileiros. “Apesar de tudo, acredito que se formos capazes de reunir as experiências acumuladas pelos anos de prosperidade, aglutinar as capacidades intelectuais dispersas na nossa sociedade e a importante força econômica que ainda detemos, o Grande ABC poderá retomar o papel de destaque que sempre teve no País”. Também nesse ponto, Fausto Cestari fez concessão ao otimismo de quem não se conforma com a derrocada regional. Entretanto, é muito pouco provável que encontre investidores práticos que decidam mesmo colocar recursos em negócios que agregam mais valores, como é o caso do setor industrial, num território que tem no chamado Custo ABC, de autoria do entrevistado, a síntese das dificuldades de concorrer no mercado de produção.

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