Política

O que une e o que separa
Gilvan e Flávia Morando

  DANIEL LIMA - 03/05/2024

Arriscar o futuro próximo dos dois mais jovens concorrentes às eleições deste ano na região, Flávia Morando e Gilvan Júnior, é flertar com a adivinhação. Por isso, é preferível a especulação, combustível permitido e incentivada na política, diferentemente da Economia, porque as subjetividades concentram a lógica ilógica.

Há diferenças profundas a separar os dois jovens de 30 anos e um bocadinho mais. Quem simplificar e expor ideias de que eles caminhariam na mesma raia de probabilidades quebrará a carta. Quem os distanciar demais, também.

De semelhanças, por assim dizer, além da idade, da imersão no mundo do comércio como fonte inicial de aprendizado profissional, existe somente o fato de que  concorrem como representantes de prefeitos titulares. Entretanto, Paulinho Serra e Orlando Morando estão indisponíveis à nova reeleição. De resto, tudo parece um abismo. Seria isso mesmo?

Para começar, há disparidade tática monumental que levou os dois prefeitos a escolherem Flávia e Gilvan.

ENXADRISMO E PATETICE

Orlando Morando fez um movimento de enxadrista que expliquei recentemente, mas não custa repetir. Paulinho Serra fez uma manobra desastrada que também não custa repetir.

Não custa alertar, entretanto, que não é porque uma coisa foi genial e a outra coisa uma patetice que Orlando Morando chegaria ao sucesso e Paulinho Serra ao fracasso. Nada disso. Situações diferentes e contextos diferentes fazem diferenças. Com perdão da redundância.

No caso de Santo André, o apoio por baixo dos panos e depois mais deliberadamente, até se consumar em petit comitê num restaurante de luxo, metralhou a unidade da Administração de Paulinho Serra. Tanto que um vice-prefeito, um secretário e um vereador de peso se escafederam de revolta. A teoria do Segredo de Polichinelo foi para o espaço sideral e só é brandida por recrutas zero de avaliações e pretensos críticos.

SURPRESA DESNORTEADORA

No caso de São Bernardo, a escolha de Flávia Morando foi uma tremenda surpresa, mantida a sete chaves durante todo o tempo. Desconfia-se que nem mesmo ao travesseiro Orlando Morando antecipou a sacada.  Teoricamente, Flávia Morando, por razões que também já expliquei, provocou um estrago monumental e uma garantia especial.

O estrago foi o rombo na candidatura do deputado federal Alex Manente, que se pretendia, à revelia do prefeito, acolher eleitoralmente a herança de um governo aprovadíssimo.

A garantia especial é que se tornou praticamente impossível Flávia Morando ou o ex-vice-prefeito e ex-deputado federal Marcelo Lima não ir para o segundo turno. Possivelmente o adversário seria o deputado estadual petista Luiz Fernando Teixeira. Manente não está descartado pós-Flávia, mas ele mesmo sabe que o barco de votos adernou. Não conseguirá trafegar no vácuo de Orlando Morando.

O grande lance de Orlando Morando ao catapultar a própria sobrinha à sucessão decorre de pesquisas que colocam o prefeito como detentor de estoque de voto e de repasse de voto estrondosos. Se haveria mesmo esse transplante na proporção imaginada ou projetada é outra história. Mas os números estão como reserva de argumentação.

DRIBLANDO DIFICULDADES

Se Orlando Morando concorresse à disputa tendo como aliado apenas o deputado cassado Marcelo Lima, as dificuldades para contar com representação no segundo turno seriam imensas. Marcelo Lima foi tirado de Brasília num golpe estranho, por troca de partido. O PT, segundo acusou, teria participado da patifaria.

Marcelo Lima não chama o que sofreu de patifaria. Quem o faz sou eu. Quando a burocracia e interesses estranhos fazem de tribunais eleitorais o cadafalso da democracia, não existe outra qualificação mais apropriada. Há casos diversos e recentes que são uma homenagem a ditadores legislativos.

Portanto, com Flávia Morando, Orlando Morando vai para o jogo com duas peças que, mesmo com arranhões internos, acredita-se,  não se desgarrarão mutuamente num eventual segundo turno em que apenas uma estaria representada. Sem Flávia Morando, o risco de ficar fora do baile do segundo turno seria elevado.

PARADOXO DA POLÍTICA

Marcelo Lima seria objeto fácil de adversários que tornariam a cassação sinônimo de corrupção. O que, se sabe, não é o caso. Está mais para aquela coisa horrorosa chamada sacanagem. Uma palavra que provavelmente jamais utilizei aqui. Mas que, no caso, cabe perfeitamente. Até como solidariedade e indignação.

Mesmo com todos esses acertos de Orlando Morando e com todos os erros de Paulinho  Serra na definição do pretendido sucessor, e especulativamente falando, o candidato Gilvan Júnior teria hoje mais probabilidades de sucesso do que Flávia Morando. Pode não ser aquela distância de potencialidade insuperável, mas há vantagem de Gilvan Júnior chegar ao segundo turno sem os imensos obstáculos de Flávia Morando. Mas essa conclusão é temporária. Tudo pode mudar nos próximos tempos.

Como se explicaria essa suposta contradição, ou seja, de um prefeito praticar lambanças monumentais mas mesmo assim ter mais possibilidades de sucesso de disputar o segundo turno enquanto outro, mais habilidoso e estratégico, correr o risco de naufragar?

A resposta são as diferenças do eleitorado de Santo André e São Bernardo e o próprio contexto de concorrentes.

LULA É FATOR FORTE

Em São Bernardo provavelmente com quatro candidatos o jogo fica um pouco mais dramático, porque a esquerda em São Bernardo é mais forte do que em Santo André. Estatisticamente já provei isso. A influência de Lula da Silva em São Bernardo é maior do que em Santo André. A última votação para a presidência da  República mostrou isso.

Flávia Morando teria menos experiência na Administração Pública que Gilvan Júnior em Santo André. Teoricamente, não, na prática. Já em termos de conhecimento de empreendedorismo, que pode ser transplantado para o ambiente público com enormes vantagens (deem uma reparada no governador Romeu Zema em Minas Gerais), Flávia Morando é mais apta que Gilvan Júnior. O candidato de Paulinho Serra dirigiu um mercado de pequeno porte ante uma rede de supermercados de Flávia Morando.

Vivo uma relação bastante envolvente com jovens, porque tenho filhos que acabaram de ingressar no segundo dos três ciclos de 30 anos cada. São impetuosos, criativos, desbocados às vezes, prospectivos e tudo que de alguma forma fomos no passado sem nos dar conta de que exercíamos experiência que se esvaia a cada nova temporada. Ter jovens por perto é sempre uma boa pedida. O risco mesmo é saber quem rodeia os jovens.

ACOMPANHAMENTO

Por essas e outras não acredito em discriminação. E tampouco em privilégios. O eleitorado provavelmente vai estar mais atento a Flávia Morando e a Gilvan Júnior do que aos demais concorrentes. Eles terão de passar por provas difíceis. O escrutínio será intenso.  E isso é muito bom.

O que muitos perguntarão é se por serem jovens e supostamente imaturos à atividade pública eles não seriam um risco adicional em dois municípios que representam 65% do PIB da região. O questionamento é válido, mas o imperativo da desconfiança não me parece apropriado. Até porque, convenhamos, tanto Flávia quanto Gilvan teriam assessoramento de gente experiente. O problema estaria mais concentrado no acompanhamento do que na titularidade.

Portanto, não seria esse o ponto-chave ao que chamaria de competitividade eleitoral tanto de Gilvan quanto de Flávia. O que provavelmente pesariam mais ao eleitorado seriam a individualidade deles e, principalmente, o legado dos atuais titulares.

VOTO E DESEMPENHO

Paulinho Serra e Orlando Morando são bem avaliados pela população. São bons de bilheteria. Um deles, Paulinho, não passa pelo meu crivo quando se invade o território da abrangência de gestão.

Orlando passa facilmente, embora sempre ressalte que não teve na área de Desenvolvimento Econômico o ponto mais apreciável. Longe disso, aliás. Mas, de alguma forma,  é para a histórica da infraestrutura logística de São Bernardo o que representou Celso Daniel para a regionalidade.

Paulinho Serra foi um Lula da Silva no campo assistencialista, com o Bolsa Família em formato de Moeda Verde e assemelhados, que elegeu a primeira-dama Carolina Serra.

Há outras questões que separam a gestão de Paulinho Serra de Orlando Morando.

O titular do Paço de São Bernardo resistiu a uma dura campanha do jornalismo de papel chamado Diário do Grande ABC por razões que não cabe explicar ou interpretar agora.

Já Paulinho Serra contou com o suporte do mesmo jornal em todos os momentos. Virou um prefeito-perfeito.

SOBRINHA DE PAULINHO

Quando se faz um apanhado geral, com rigor, não há como resistir à constatação  de que Morando é muito superior. Tem gente que não gosta que se afirme isso. Alguns bandidos digitais até produzem peças de propaganda eleitoral com ataques ao jornalismo independente.  

Houvesse contado com a genialidade da indicação de Orlando Morando, ou seja, pegar a própria sobrinha e transformá-la em concorrente com os efeitos colaterais já mencionados, Paulinho Serra provavelmente faria o sucessor sem as dores de cabeça que o sequestraram. Para isso, entretanto, teria de contar com uma sobrinha com qualificações, além de liberdade de comando no complexo consórcio de mandachuvas na Prefeitura de Santo André. 

Faltou a Paulinho Serra uma sobrinha com o sobrenome Serra para transportar todo o prestígio popular arrebanhado em duas eleições. Ruim de governo, mas bom de voto, valeria muitos pontos de repasse eleitoral em outubro. Gilvan Júnior espera contar com a influência do padrinho. Tanto que até já adotou mote nesse sentido. Provavelmente deve ter informações de que bagunçaram demais a praia situacionista onde, sem as botafogadas, nadaria de braçadas. Vai ter que remar muito. Se os oposicionistas crescerem o que se imagina, teria o sucesso sob ameaça.

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