Regionalidade

Uma década para o Grande ABC
superar Síndrome de Avestruz

  DANIEL LIMA - 29/03/2021

O leitor que tem compromisso com o Grande ABC deveria arquivar em lugar seguro uma cópia da análise que se segue. Mais que apontar as deficiências profundas da região, o texto é espécie de tratado de responsabilidade com o fim desta década, iniciada no ano passado e que se estenderá até 2029.  

Será que o Grande ABC se desvencilhará em algum grau substantivo da Síndrome de Avestruz que, resumidamente, é a incapacidade de enxergar e de lidar com os problemas de muitas décadas? 

Se nos 11 quesitos listados e analisados com brevidade logo abaixo a situação é de desconforto inquietante, o que teremos ao fim de 2029 em resposta às expectativas de mudanças? 

Síndrome de Avestruz é um desdobramento de Complexo de Gata Borralheira, expressão que criei para mexer com os brios da região. O livro, lançado em abril de 2002, segue atual.  Em síntese, Complexo de Gata Borralheira é o sentimento de inferioridade cultural e suas consequências sociológicas frente à poderosa e vizinha Capital.  A pequenez comparativa deflagra reação igualmente prejudicial: a procura por ferramentas que afastem a desvantagem e criem supostas vantagens comparativas. O provincianismo regional é fruto disso. 

Origem é borralheirismo 

Síndrome de Avestruz é consequência direta de Complexo de Gata Borralheira com letalidade mais agressiva. Há quadro prolongado de anestesiamento generalizado das representações locais. A institucionalidade foi para o buraco sem fundo do desinteresse coletivo. Quem se beneficia são os grupos organizados que não suportam nada com fundamentação em favor do conjunto da sociedade. São extrativistas por natureza e safadeza. 

Na toada em que se afundou, o Grande ABC da terceira década desse novo século não passará de mais uma peça de frustração no tabuleiro de expectativas. Neste março de 2021, ainda em plena pandemia da Covid, a região está em estágio de abandono coletivo colossal. 

Algo precisa ocorrer nos próximos tempos para ganhar a forma de um rastilho de mudanças que impactariam a cadeia de suprimentos de cidadania. O escasso capital social da região mostra-se insuficiente para recarregar baterias. Seguramente, chegamos ao fundo do poço como sociedade desorganizada. Quem enxerga algo diferente dos escombros que estão aí precisa de atenção especial e deve ser combatido.  

A ordem unida do Grande ABC que se pretende para esta década é enfrentar os contraventores da verdade tanto quanto colocar a mão na massa à articulação de retalhos de inconformismo ainda presentes entre algumas dezenas de moradores com poder de participar de fóruns de debates.  

Agora, acompanhem o resumo das 11 enfermidades do Grande ABC e que confluem à formação da Síndrome de Avestruz. A relação não é necessariamente escala decrescente de prioridades, porque tudo entrecruza. Entretanto, a desindustrialização é casa de máquina do descarrilamento regional. Algo como uma pandemia persistente que jamais mereceu a ação de uma força-tarefa porque inexiste sobremodo no setor público municipal alguém que aperte o botão de emergência permanente.  

 ESFACELAMENTO ECONÔMICO 

Qualquer abordagem histórica ou pontual do Grande ABC que jogue para o acostamento a atividade econômica como centro nervoso de fluxos e refluxos das demais, principalmente dos refluxos que parecem indomáveis, incorrerá em gravíssima falha metodológica. O Grande ABC foi destroçado a partir dos anos 1970, quando a evasão industrial ainda era imperceptível. Nos anos 1980 a corda começou a apertar e nos anos 1990 o esquartejamento se tornou dramático com a perda acumulada de mais de 100 mil postos de trabalho com carteira assinada. Neste século, tudo prosseguiu.  

Abençoado pela natureza de uma posição estratégica no meio do caminho do maior porto da América do Sul e berço das montadoras de veículos, o Grande ABC virou referência internacional de poderio econômico e mobilidade social, modalidade na qual os miseráveis têm maiores possibilidades de virarem pobres, os pobres de virarem proletariado, o proletariado de virar classe média e a classe média de chegar ao topo da riqueza.  

Todo esse escalonamento social foi cumprido rigorosamente nos sete municípios, independentemente das desigualdades latentes de planejamento alquebrado. Entretanto, o Grande ABC entrou em parafuso quando a biruta desenvolvimentista virou. Tudo começou com o incremento da guerra fiscal a serviço de políticos oportunistas e despreparados para entender que repartir sem aumentar investimentos e produtividade é um tiro no pé. Sem forças locais habilitadas a reprogramar o projeto importado do governo federal, o Grande ABC se entregou bovinamente às sacolejadas do destino. Buscou na cloroquina do triunfalismo e do negacionismo o antídoto contra a evasão industrial devastadora. As duas primeiras décadas deste século sacramentaram a derrocada.   

 TRIPÉ DESEQUILIBRADO 

Embora jamais tenha sido exemplo minimamente replicável de harmonia construtiva entre Mercado, Estado e Sociedade, o Grande ABC excede-se neste século em disparidade disfuncional e opressiva quando se trata de desenhar o tecido razoavelmente responsável de capital social.  

Há muitas definições do conceito de capital social. O que pode condensar todos é uma conjunção de valores de responsabilidade e governabilidade social que coloca no mesmo patamar de inquietações e soluções, no caso regional, o Poder Público Municipal, a classe econômica de empresários e sindicalistas, e a comunidade em geral.  

O Grande ABC destes tempos, que não pode ser o Grande ABC do final desta década, é um Triângulo das Bermudas. Qualquer resquício de planejamento, de ações, de tentativas de avanços, desaparece ante o imperialismo do Estado representado pelas prefeituras. Não há na geometria dos triângulos literais nenhum desenho que reproduza a desigualdade institucional no Grande ABC.  

Tentei uma adaptação, uma forçada de barra, uma coisa qualquer que expressasse a diferença entre Estado, Mercado e Sociedade. Não encontrei. O Estado é muito, mas muito mesmo, superior aos parceiros que representariam, em harmonia, um impulso ao futuro. Aqui tudo se concentra no mandonismo do Estado em forma de gestores municipais com força descomunal de controle da informação – ou do descontrole da informação da imprensa em geral.    

 ISOLACIONISMO INSTITUCIONAL 

Há apagadíssima constelação de entidades no Grande ABC que festejam aniversários de criação a cada nova rodada do calendário gregoriano. Não passam disso na maioria dos casos, senão a totalidade. Associações que representam comerciantes, empresários industriais, classes específicas, inclusive ou principalmente a OAB tão venerada no País, são penduricalhos.  

Há entre essas instituições mais que o isolacionismo mútuo, fruto de adoração ao individualismo medíocre que se opõe ao coletivismo transformador e independente das forças políticas de pressão. Sobrepõe-se a tudo que representa a inação generalizada um sentimento grupal, dos mandantes de plantão. Os interesses privados de poucos sufocam os caminhos do coletivo de classe. Esse tipo de conexão jamais dará resultados positivos aos representados que, no fundo, nem representados são. 

Foram poucas as situações que levaram algumas dessas instituições a ensaiarem alguma iniciativa conjunta em que a massa crítica mais densa poderia fazer a diferença. Tudo não passou de espasmo que, se iniciado com a fé e a expectativa de mudanças, logo virou a casaca do municipalismo enraizado e comprometimentos políticos e partidários exumados.  

Nem mesmo o maior fenômeno regional de todos os tempos, o Fórum da Cidadania, resistiu às condicionantes de provincianismo institucional do Grande ABC. Aquela organização saída do ventre de um momento excepcional no Grande ABC, em meados dos anos 1990, logo caiu no pântano de divisionismos plantados no próprio interior de seus representantes diante da demanda de terceiros sempre postados nas coxias da política deletéria de controle da sociedade com os cordéis de idiossincrasias diversionistas.    

 DIVISIONISMO SOCIAL 

O Grande ABC é uma frondosa enganação para quem imagina algum tipo de coesão social no sentido participativo da expressão. O movimento sindical transmitiu a falsa ideia de que há engajamento da sociedade do Grande ABC em temáticas que ultrapassam os limites das corporações. Jamais houve. Tudo se resumiu à legitimidade de ações específicas, sobretudo do setor metalúrgico, carro-chefe econômico da região.  

Os movimentos sindicais foram a gênese dessa contradição, embalados pela mídia. Era fácil levar grevistas, por exemplo, à Via Anchieta, interditando-a em defesa de reivindicações salariais e outros benefícios. A passarela estava sempre disponível, facilitada pela logística de cortar em linha reta ou em alguma outra direção a sede das empresas. O marketing sindical deu certo durante muito tempo. Até que a globalização que redefiniu a cadeia de produção de vários setores apareceu em forma de competitividade.  

O Grande ABC viveu os grandes momentos de mobilização com as lentes de aumento da generalização do específico. O Grande ABC politizado jamais existiu além das cidadelas sindicais mais visíveis.  

O Grande ABC é um território socialmente multidividido. A composição de uma classe média de profissionais liberais, pequenos e médios industriais e um operariado cada vez mais privilegiado em renda e direitos além dos constitucionais, compuserem duas bandas de mobilidade social que ficou no passado. Agora, as duas partes estão cada vez mais semelhantes à terceira, que é e sempre foi a cara média do País em estratos socioeconômicas. A desindustrialização iniciada no começo dos anos 1980 e aprofundada nos anos 1990 deixou saldo geral dantesco para a classe média de empreendedores e a classe média ascendente de trabalhadores das grandes montadoras e autopeças, e também para a classe média tradicional.  

Esse separatismo histórico em vencimentos salariais e em vértices ideológicos convergiu para o que não é exagero algum chamar de anestesiamento social. O Grande ABC está entregue às baratas. A sociedade mergulhou num quadro de depressão à espera de solução mágica. O mundo econômico mudou, as cadeias produtivas ditam o ritmo de alocação de investimentos, e o Grande ABC não resiste ao escanteamento geoeconômico em que se meteu, agravando fortemente a desintegração social. Somente os saudosistas mal-informados interpretam os atuais dias do Grande ABC sob ótica que não seja de submissão bovina aos desígnios econômicos exógenos.  

 MUNICIPALISMO ENRAIZADO 

Quem parte e reparte e não fica com todas as partes é ingênuo ou não entende da arte. O municipalismo enraizado que faz do Grande ABC blefe de regionalidade explica em abrangente dimensão porque a soma dos fatores é uma ilusão de ótica.  

Os sete municípios do Grande ABC que já ocuparam o mesmo ventre, primeiro em forma de Santo André da Borda do Campo e em seguida de São Bernardo do Campo, é um desperdício irracional de recursos humanos, técnicos, econômicos e sociais porque insiste em se manter vigorosa e danosamente como pedaços separados que se fingem conectados.  

Duas instâncias que poderiam simbolizar regionalismo de anedota do Grande ABC atuam em frentes diferentes e igualmente inconciliáveis na gestão do propósito programático. A Fundação do ABC, criada há mais de meio século pelas prefeituras de Santo André, São Bernardo do Campo, é espécie de Clube de Saúde. São mais de R$ 3 bilhões do SUS para atender a região.  

As escaramuças por controle de departamentos e pela subjugação da presidência a interesses escusos sintetiza o ambiente de guerra interna. A Fundação do ABC é uma feira-livre de corrupção. Agentes direta ou indiretamente mais interessados em se apropriar do dinheiro público esforçam-se para sustentar espaços a cotoveladas, quando não a tiros. 

O outro péssimo exemplo de regionalismo movido a municipalismo mequetrefe exercita pecados na forma do Clube dos Prefeitos, oficialmente Consórcio Intermunicipal de Prefeitos. A pandemia da Covid oferece oportunidade de ouro para que atuem prospectivamente em favor do conjunto da região. Entretanto, a aproximação virtual dos prefeitos não tem correspondência com o planejamento coletivo. A retórica toma o espaço da eficiência no combate ao vírus chinês. O Clube dos Prefeitos reproduz em tempos de guerra pandêmica o que sempre fez em tempos de combate à degringolada econômica regional: mal sabe rastrear os caminhos da eficiência e capacidade transformadora.  

 MÍDIAS FRAGILIZADAS  

O Grande ABC está longe de obter imunidade às mudanças que a tecnologia impõe nas mídias em geral, particularmente nos jornais impressos. Mais que isso: está na linha de frente de combate de baixa resistência. As redes sociais estão no espaço da informação de forma cada vez mais avassaladora em detrimento da precisão informativa, mas quem imagina que tudo é obra do voluntarismo democrático da liberdade de expressão desconhece o modus operandi da mídia convencional e tradicional. Não há beatificados nesse antro de interesses.  

O jornalismo profissional é mais confiável que o amadorismo das redes sociais, mas está longe, em regra, de plantar-se no altar da verdade intocável. O que coloca os dois movimentos em cantos diferentes é a habilidade e o adestramento dos profissionais da imprensa em lidar com as demandas nem sempre republicanas.  

Sem mídia de massa desde que surgiu no espaço urbano do País ao lado de uma Capital concentradora de investimentos na área, o Grande ABC vive à deriva em busca de identidade própria. Os veículos de informação impressos e digitais são cada vez menos relevantes como formadores de opinião. 

Embora tenham ganhado musculatura com a chegada de aplicativos digitais, o jornalismo regional sofre com a multiplicação da pauta. Os consumidores de informação estão cada vez mais dispersos, pouco municipalistas e quase nada regionalistas.  

Quem acompanha as redes sociais da região entende o que se passa sem ilusão. A política nacional e a política estadual praticamente aniquilam a pauta regional. O fenômeno da invasão de domicílio eleitoral pelo gigantismo e potência dos veículos de comunicação de grande porte e seus braços digitais arrefece preocupantemente o senso crítico direcionado aos agentes públicos da região.  

Os guetos municipalistas e regionalistas das redes sociais são exceção à regra geral. Grupinhos organizados não fazem verão. Reproduz-se em escala miniaturesca e com os mesmos vieses o que se importa dos grandes veículos. Com a desvantagem de que sem respaldo financeiro de anunciantes que evaporaram, as mídias da região em larga escala são caixas de ressonância dos agentes públicos da vez. Há um deserto de argumentação e interpretação dos fatos, e um enxame de textos relatoriais, oficialescos. Esse é o padrão. 

 SUBALTERNIDADE POLÍTICA 

A classe política não pode reclamar dos eleitores porque os eleitores são o reflexo da classe política e, também, da inconsistência de capital social municipal e regional. Os prefeitos eleitos no ano passado na região registraram apenas 38% dos votos disponíveis, base bruta de mais de dois milhões. Ou seja: uma minoria os elegeu. Trata-se de fenômeno nacional, mas no Grande ABC está mais acentuado. O apagão midiático é uma das razões, mas há outras invisíveis. 

Um exemplo que poucos conhecem: os políticos da região com alguma pretensão e potencial de votos estão cada vez mais subordinados aos respectivos interesses das legendas que os contemplam, sobretudo no âmbito estadual. Os chefes político-partidários de alta patente estadual descobriram agora com mais ênfase o filão de votos e de outras prendas que o Grande ABC pode reservar a quem quer expandir poderes.  

Não há um prefeito atual que bata no peito e proclame independência partidária. Por trás de cada um deles há graduados interlocutores estaduais. A autonomia possível depende de amarras que precisam ser superadas. 

O prefeito de Santo André, Paulinho Serra, é exemplo visceral do quanto a política estadual com imbricamento nacional norteia o segundo mandato iniciado em janeiro. Sob a tutela do ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, mandachuva do PDS, Paulinho Serra tem ofertado nacos da gestão a aliados egressos da Capital. Mas não é apenas isso. Há mais que isso.  

Mas o mais que isso não pode ser traduzido em texto sem comprovação material, embora sinais exteriores de riqueza se explicitem a olhos mais atentos. E sinais exteriores de riqueza não são sempre e necessariamente o que se imagina, mas o que resplandece na objetividade de qualquer um. 

A subordinação dos políticos da região à teia de projetos e propostas dos caciques eleitorais da Capital é uma isca lançada por forasteiros para fortalecer governos locais ante eventuais contratempos judiciais que ultrapassem, como sempre ultrapassam, o território local. Contar com o guarda-chuva de uma representatividade impermeável ou menos vulnerável é uma ação preventiva que exige contrapartidas. Não se sai na chuva de periculosidades cada vez maiores da atividade política sem proteção prévia.   

 EVASÃO DE CÉREBROS 

Os cálculos mais modestos e também menos atualizados estabelecem perda de quase um terço de cérebros do Grande ABC em direção à vizinha Capital a cada jornada de trabalho. Fuga de cérebros talvez não seja uma expressão qualitativa sustentável no sentido de produtividade e geração de riqueza. Muitos desses trabalhadores atuam em funções menos sofisticadas. Mas mesmo uma minoria faz muita falta à cidadania do Grande ABC na medida em que, mais preparada tecnicamente e mais escolarizada, acentuam o desgaste regional na quebra de institucionalidades, ou seja, de organizações coletivas que poderiam respirar ares de modernidade.  

Santo André, ainda segundo aqueles cálculos, é quem mais sofre com a perda de profissionais em centenas de atividades – e de consumidores diários de informação e sobretudo de interação social. Mais da metade da força de trabalho de Santo André evade-se em direção à Capital e a outros municípios do Grande ABC. Nada de anormal nesse refluxo: Santo André é o Município do Estado de São Paulo que mais sofreu historicamente com o rebaixamento de produção industrial. Traduzindo: é recordista em desindustrialização a partir dos anos 1970. 

Não é preciso ser especialista em sociologia ou em qualquer ciência que dê conta do comportamento humano para chegar à conclusão automática: esse vácuo diário de trabalhadores se deslocando à Capital e a outros locais da região provoca orfandade municipalista sem ganho algum de regionalismo.  

A produtividade do trabalho é duramente afetada pelo arruinamento da qualidade de vida num dos centros mais extenuantes de mobilidade urbana do planeta. Santo André e o Grande ABC como um todo são um convite a estudiosos que pretendam medir as avarias provocadas pelos excessos de uma metrópole. A população da Grande São Paulo é maior que a do Chile e o dobro de todo o Estado do Rio Grande do Sul. O Grande ABC está no interior dessa barafunda sem contar com pelo menos uma dezena de cabeças premiadas insurgentes contra a omissão dos culpados.  

 CULTURA DESFIGURADA 

É pretensão demais, ou desprezo à lógica orçamentária das prefeituras e às adversidades institucionais, acreditar que a cultura resistiria à quebradeira econômica e ao desfiladeiro social do Grande ABC. Os orçamentos das prefeituras reservam cada vez menos valores às atividades do setor, quarto de despejo em meio a prioridades sociais.  

A Santo André dos anos 1960-1970 de multiplicadas atividades que se contrapunham à sisudez industrial já não existe mais há muito tempo. Esforços isolados demonstram apenas tentativas de sobreviventes. Nem Diadema, que nos primeiros tempos de gestões socialistas do PT fez de manifestações de arte extraordinário mecanismo de combate à criminalidade crescente, resistiu ao empobrecimento regional. 

Se é verdade que as prefeituras da região arrecadam cada vez mais quando o contraponto são outras atividades e a queda sucessiva de repasses estaduais e federal, por outro lado não sustentam mais o volume de demandas.  

Entre a permanente e crescente demanda e desigualdades sociais que desembocam nas áreas de saúde, habitação, educação, entre outras, e o que sugerem como supérfluo em forma de arte, é irresistível permanecer ao lado daqueles.  

Há na cultura, como na economia, ufanistas de plantão a apontar algumas individualidades dinamitadoras dos limites da região ao ganharem fama e prestígio na cinderelesca capital de emissoras de TV sempre dispostas a novas atrações. Tudo não passa de ilusão doutrinadora de falsa realidade. Os nichos de cultura nos municípios da região não têm força-motriz para engatar sequer uma segunda marcha de atratividade de seguidores.  

Do passado de riquezas o Grande ABC exibe apenas um acervo de unidades construídas para encantar as plateias que, além de reduzidíssimas, não contam com calendário de atrações a ponto de sensibilizar a sociedade num período em que a televisão e suas variantes de streaming são um mundo à parte de oferta do melhor da arte em todas as ramificações.  

Temos consumidores de cultura a contrabalançar protagonistas de cultura. Nos bons tempos o Grande ABC contava com consumidores e protagonistas que se retroalimentavam e despertavam paixão pelas veredas do teatro, da música, da dança e de tudo mais.   

 MEIO AMBIENTE À DERIVA 

Daqui a pouco, em 2025, a Represa Billings vai completar um século de inconformidades ambientais. Quem sugerir mudanças significas precisa ser catalogado como ingênuo. A importância dos mananciais que representam mais da metade do território da região jamais foi objeto de compreensão tendo a linha de horizonte de médio prazo como âncora de avaliação.  

Como em tantos outros setores de atividades econômicas e sociais do Grande ABC, a ausência de institucionalidades em forma de organizações representativas para valer, não exclusivamente representação legal, coloca-se como empecilho a qualquer proposta de correção de rotas já exaustivamente percorridas. 

O entorno da Billings deve ser observado com atenção redobrada porque incorpora desde sempre a deterioração do meio ambiente. Ou seja: o que à distância parece um ancoradouro de qualidade de vida, a Billings vista de perto conta com vizinhança de degradação ambiental agressiva em qualquer manual de preservação da natureza.   

Mesmo sob o risco de avaliação inapropriada no mundo das redes sociais, não é exagero sugerir que a Represa Billings deveria merecer de quem mora no Grande ABC atenção mais que redobrada em relação à mobilização em torno da Amazônia.  

Para quem mora na região e está diretamente ligado à realidade da Billings, o reservatório e o entorno deveriam ser tratados pelos poderes municipais e a comunidade como um todo como prioridade absoluta no coquetel de medidas para valer ao encaminhamento diferenciado ao Grande ABC nesta década. Não há pecado algum em imaginar o território de mananciais do Grande ABC contemplado por indústrias seletivamente alinhadas à doutrina ambiental e uma vasta rede de acervo direcionada ao entretenimento. A agenda ambientalista de proteção pura e simples deu no que está dando.  

 LOGÍSTICA INSANA 

O macroquarteto da logística produtiva do Grande ABC é um quasímodo à competitividade municipal e regional. A Avenida dos Estados é um pé quebrado, a Avenida Anchieta é um braço sem forças, a Rodovia dos Imigrantes impacta apenas tangencialmente e, para completar, o trecho sul do Rodoanel, apêndice geográfico, é um presente de grego.  

Com esses vértices em estágio de decadência ou de baixa atratividade, o Grande ABC está manietado economicamente. Ainda aí idiotas de plantão partidário e, portanto, sem essência crítica que evocam o passado de Aeroporto de Cumbica próximo, e de Porto de Santos na esquina, como suposto viés de resiliência.  

Pior, muito pior que esses retardatários que deveriam seguir em gavetas de desprezo que cheiram à naftalina, são os tomadores de decisão que acreditam no que eles, esses farsantes de conhecimento, dizem.  

Pior mesmo é levar vários deles a sério quando agitam a bandeira de uma infâmia espacial, econômica e ambiental: a construção de um aeroporto regional de porte. Até cálculos são feitos para projetar investimento extraordinário. Só falta combinar com os interessados e com a exigibilidade de vários vetores.   

Logística há muito tempo deixou de ser apenas e exclusivamente a menor distância entre dois pontos. A premissa valia em tempos de economia fechada, de protecionismo nacionalista. Com o mundo multicompetitivo, não é mais necessariamente a distância mais curta entre dois pontos. Transformou-se no menor custo de movimentação e distribuição de riquezas entre dois ou mais pontos, independentemente do espaço que os separa.  

E, gostem ou não os industrializadores de ilusões grudados nas partes baixas dos prefeitos de plantão, a métrica convencional entre Grande ABC e pontos cardeais como aeroportos e portos não é mais a equação principal. Logística não é tudo. Outros valores de produção e comercialização são levados em conta pelas empresas. Endereços além dos limites da região oferecem vantagens que agregam facilidades de circulação.  

Mais de uma década depois de inaugurado o trecho sul do Rodoanel, autoridades públicas do Grande ABC jamais se mobilizaram interesse para acabar com as fundas implicações de quebra de uma competitividade deprimida neste século. Dados estatísticos comprovam que a passagem do Rodoanel pelo Grande ABC (São Bernardo, Diadema, Santo André e Mauá) só agravou a deserção empresarial.  

As alternativas que se colocam num outro campo de batalha, do transporte público em forma de BRT (de ônibus de alta velocidade em corredores específicos rumo a estações metroviárias da Capital) completam o cerco ao esvaziamento regional --, agora de consumidores rumo a endereços mais nobres, também da vizinha poderosa.  

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