Imprensa

Diário mistifica atuação
durante Regime Militar

  DANIEL LIMA - 01/04/2024

O Diário do Grande ABC tem a sazonal mania de querer aparecer na fita do movimento dos militares que há 60 anos tomaram o poder do populista João Goulart. Há 10 anos CapitalSocial fez um mergulho na história do jornal tendo como foco exclusivo o comportamento da publicação naquele período.

Conclusão? O Diário do Grande ABC praticamente ignorou os acontecimentos na fase de News Seller, criado que foi em 1958, e, com a nova marca, manteve política editorial de apoio aos militares. E, quando o regime já se exauria, passou a produzir conteúdo menos ostensivamente apoiador.

O conjunto da obra do Diário do Grande ABC durante o Regime Militar ou Ditadura Militar foi bastante discreto, para não dizer distante. Uma abordagem aqui, outra abordagem ali, principalmente na reprodução de notícias de terceiros, de agências especializadas, não traça o perfil editorial de publicação alguma. É o caso do Diário do Grande ABC durante aquelas mais de duas décadas.

Como é possível chegar à conclusão de que o Diário do Grande ABC mantinha laços doutrinários, por assim dizer, com o Regime Militar? As explicações e provas estão logo abaixo, em sete textos.

Antes de reproduzir o material que completa 10 anos, não custa lembrar um breve trecho do livro de Fausto Polesi, durante 40 anos comandante da Redação do Diário do Grande ABC. Os detalhes, também, poderão ser vistos em seguida. Vejam o que escreveu Fausto Polesi:

“Claro que o governo revolucionário não pode ser injusto consigo próprio, ipso facto, com a sociedade brasileira, anistiando criminosos confessos, marginais contumazes. Mas um único brasileiro encerrado numa cela por punição injusta, consequência da obscuridade e violência de algum mentecapto dotado de poder, será o bastante para incriminar o governo. Pois se errar é reflexo da falibilidade humana, persistir no erro, mantendo injusta situação a inocentes, é usar do poder, arbitrariamente”.

Agora, seguem os sete textos especiais que constam do acervo de CapitalSocial:

“Ditadura militar” não existiu no

Diário. Até prova em contrário

 DANIEL LIMA - 22/04/2014

Mesmo correndo o risco de ser mal interpretado, inclusive por um amigo do peito com o lastro moral e técnico do jornalista Ademir Medici, não resisti à tentação de conferir uma afirmativa do Diário do Grande ABC em matéria publicada na edição de domingo de Páscoa. Manchetou o jornal em páginas duplas internas: “Prestes a completar 56 anos, Diário desafiou o regime militar”.

A matéria é assinada pelo memorialista Ademir Medici e por Evaldo Novelini.  Uma das retrancas (matérias auxiliares) é mais contundente: “Jornal chamava ditadura o golpe que a concorrência dizia ser revolução”. Outra retranca: “Polesi definiu foco e manteve a defesa da pluralidade em época de restrições”.

Para começo de conversa, a matéria do Diário do Grande ABC comete o erro de ser pouco profunda, quando não rasa. Ademir Medici é um inesgotável estudioso da cultura regional, cultura no sentido mais amplo do verbete. Por isso, quero crer que o texto em parceria tenha sido produzido apenas como aperitivo para eventual material mais denso, que estaria sendo preparado para comemorar mais um aniversário da publicação mais tradicional da região, em 11 de maio próximo.

Sendo essa suposição correta, Ademir Medici terá tempo de sobra para fazer o que mais gosta e pratica com superioridade profissional inquestionável: pesquisar, pesquisar e pesquisar.

FALTA SUBSTÂNCIA

O texto do Diário do Grande ABC de domingo não me convence porque além de escasso em informações, pinça frases que pretendem justificar uma ação editorial de confronto do jornal contra a implantação do regime militar e seus desdobramentos durante os 21 anos de arbítrios. Duvido do material exposto porque a Imprensa nacional de grande porte estava manietada pela censura e pela autocensura. O News Seller longe estava de constar da lista dos grandes jornais do período, mas certamente reproduzia o estado de inquietação nos meios de comunicação, causado pelo regime militar.

Ouso dizer, com base em provas irrefutáveis, que o Diário do Grande ABC jamais se opôs tão declaradamente, e mesmo dissimuladamente, ao regime militar. “Ditadura militar” certamente foi uma expressão que saltitou aqui ou ali nas páginas noticiosas do jornal, provavelmente emitida por algum entrevistado, algum sindicalista, mas não se traduziu numa linha editorial crítica, declaradamente assumida pela direção editorial. O léxico analítico do Diário do Grande ABC não registrou essa empreitada desafiadora. Muito pelo contrário.  “Golpe militar”, “ditadura militar” e outras expressões comuns não permearam os editoriais do Diário do Grande ABC. “Governos revolucionários”, “Revolução”, estas sim caracterizaram aquele período.

BRIGADOR DOS BONS

Vou fazer jus à dedicatória de Fausto Polesi quando do lançamento do livro “Editorais”, em 23 de setembro de 1982, para prosseguir com este texto. Escreveu aquele que foi um dos fundadores e por mais de 40 anos comandante da redação do Diário do Grande ABC, responsável pelo posicionamento da publicação à página quatro: “Ao amigo Daniel de Lima, que é brigador dos bons, na defesa de ideais, o meu abraço”.

Se a memória não me falha, o evento foi na Livraria Alpharrabio, um dos raros pontos de encontro de intelectuais da Província do Grande ABC. Isso não significa que seja um ponto revolucionário. O capital social destas terras está aniquilado pela associação de covardia, comodismo, ladroagem explícita e vagabundagem institucional.

O contexto profissional daquela dedicatória é importante: estava este jornalista com 31 anos de idade e, escolhido por Fausto Polesi, deixei a Editoria de Esportes, na qual atuava já havia mais de uma década. Passei a atuar como Coordenador de Produção. “Coordenador de Produção” foi um quadradinho informal que Fausto Polesi criou no organograma do Diário do Grande ABC para a direção compartilhada do dia a dia da Redação. Dividia as operações com Ademir Médici (Coordenador de Matérias Especiais) e Valdir Santos (Coordenadora Editorial).

Não sei se as nomenclaturas atribuídas a Ademir Medici e a Valdir Santos estão corretas, mas exprimem as tarefas definidas por Fausto Polesi. Éramos os três os comandantes do jornalismo do Diário do Grande ABC. Com a supervisão de Fausto Polesi, claro, um chefe que raramente nos incomodava, preso a uma jornada de estivador no andar superior do prédio da Rua Catequese.

HONRANDO A DEDICATÓRIA

Honrando pois a memória daquele que foi um dos principais profissionais da Imprensa da região ao longo do século passado, eis-me aqui a avocá-lo, pós-morte, para contestar a matéria publicada na edição de domingo do Diário do Grande ABC.

“Editorais”, o livro no qual Fausto Polesi reproduziu aqueles que considerou os textos mais importantes até aquela data à frente do Diário do Grande ABC, inclusive do período News Seller, reúne vários artigos de âmbito regional e nacional, principalmente sobre a política, e em nenhum utiliza a expressão “regime militar” “ditadura militar” ou assemelhados. Nenhum, absolutamente nenhum.

Mais que isso: trata o regime militar com expressões esconjuradas pelos esquerdistas de ontem e de hoje: “Revolução”, “Governo revolucionário” pipocam nos artigos de Fausto Polesi. Tive o cuidado de ler todos os textos neste final de semana e anotar cuidadosamente, como sempre o faço, os trechos mais importantes sob a ótica em questão.

Sabem os leitores o que encontrei? Que Fausto Polesi não selecionou um único artigo que abordasse de forma contundentemente crítica o regime militar. Fausto Polesi era um jornalista cáustico, muito mais cáustico do que este que lhes escreve. Ler “Editoriais” é um exercício de comprometimento com a cidadania. Fausto Polesi distribui catiripapos à direita e à esquerda, sem contemplação. Legislativos e Executivos, então eleitos democraticamente, apanhavam o tempo todo porque aquele Brasil e aquele então Grande ABC, hoje Província, encavalavam escândalos.  Mal imaginavam os críticos que a classe política nacional treinava exaustivamente para repassar às gerações seguintes uma base sólida de como corromper com sofisticação e em permanente desafio às tecnologias de comunicação que alguns malucos inventariam para tornar tudo mais transparente.

SÍNTESE DO PERÍODO

Convenhamos que, fosse o Diário do Grande ABC uma das poucas exceções entre os jornais brasileiros, impondo-se com coragem ao regime militar, o diretor de Redação que durante décadas o liderou não cometeria o desatino de desprezar, numa coletânea de textos, suposto posicionamento de rebeldia ao autoritarismo fardado. Principalmente ao editar aquela obra durante uma temporada – 1982 – em que o regime militar já dava claros sinais de fadiga de material. Provavelmente faltavam insumos. Ou os insumos não eram apropriados à perpetuação da espécie crítica.

Mesmo com a possibilidade de ser mal interpretado, mas fiel aos termos da dedicatória de Fausto Polesi numa obra que guardo com todo cuidado, ouso reproduzir alguns parágrafos de um dos “Editoriais” daquele jornalista para que, diferentemente da matéria do Diário do Grande ABC de domingo, não se estabeleça juízo de valor equivocado sobre o que se imprimiu naquele período de exceção.

Lembro aos leitores que tomei cautela para selecionar os parágrafos que se seguem sem correr o menor risco de descontextualizar os enunciados de Fausto Polesi. Ou seja: não produzi um filtro técnico para sustentar a tese de que o Diário do Grande ABC não se opôs ao regime militar, nem tampouco se referiu ao período com a expressão condenatória de “ditadura militar”. 

À página 93 de “Editoriais”, sob o título “Anistiar não é jogar na Bolsa”, Fausto Polesi parece expressar sem retoque o pensamento editorial do Diário do Grande ABC ao longo daquele período de treva democrática:

 Para certos assuntos – cassações de mandatos, recesso do Congresso, leis especiais – o governo revolucionário é expedito, rápido, fulminante. Entretanto, para outros – punições de corruptos, contenção dos atos de violência com o consequente enquadramento de seus autores nos rigores da lei, revisão de medidas discricionárias, anistia – a lentidão, o protelamento, a indiferença quase é o comportamento corriqueiro e costumeiro. Deveria ser diferente, mas não é.

 Ultimamente o tema que vem ocupando as atenções é o da anistia aos presos políticos, aos exilados e banidos pela Revolução. O Ministério da Justiça, em nota ultrarrápida, contestou o número de brasileiros nas condições citadas – o qual, segundo o professor Dalmo Dalari, atinge 10 mil – comprovando que para certas questões a máquina revolucionária funciona com precisão absoluta. Adiantou ainda a nota ministerial que nada havia de errado no comportamento dos órgãos oficiais, relativamente aos brasileiros que, no estrangeiro, estavam tendo problemas de renovação de seus documentos, o que lhes dificulta a própria subsistência.

 Além da manifestação do Ministério da Justiça, nada aconteceu até agora no sentido da revisão dos excessos cometidos pela Revolução, na sanha de punir os “subversivos”. Em torno da anistia, o que se vem ouvindo é de lamentar, embora as diversas opiniões contra a concessão do benefício reflitam o estado de coisas do regime, ou seja, a falta de parâmetros de ação. Há muita gente dizendo, por exemplo, que o momento não é propício para o governo fazer as aberturas pleiteadas pelos que condenam as injustiças; com argumentos simplistas – naturalmente porque as punições não lhes dizem respeito e nem a familiares – colocam o problema da reparação dos erros praticados na categoria dos assuntos que sofrem as oscilações momentâneas, algo assim como jogar ou não jogar na Bolsa, aguardar o tempo certo para investir neste ou naquele papel.

 Ora, corrigir uma injustiça, cometida contra alguém, é obrigação permanente de quem a praticou. Não há por que esperar momento mais condizente, condições psicológicas favoráveis; a vítima da injustiça é um ser independente de fatores externos à sua pessoa. Por outro lado, moralmente falando, o que puniu injustamente carrega em si o estigma da perversão de poderes que usou, enquanto não se redimir do pecado. Se a Revolução cometeu excessos, puniu inocentes ou aplicou penas rigorosas demais para faltas de pequeno grau, o seu permanente dever é refazer o ato impróprio.

 Portanto, dizer que o momento não é o mais oportuno para falar-se em anistia é o mesmo que defender o arbítrio, como arma indispensável aos governantes. Está comprovado que a Revolução cometeu erros e com isso há muitos brasileiros sofrendo penas injustas. Não importa se se trata apenas de um cidadão ou de 10 mil; o que deve imperar no ânimo do governo é o desejo de reparar as suas falhas, tão logo estas são denunciadas e provadas.

 Claro que o governo revolucionário não pode ser injusto consigo próprio, ipso facto, com a sociedade brasileira, anistiando criminosos confessos, marginais contumazes. Mas um único brasileiro encerrado numa cela por punição injusta, consequência da obscuridade e violência de algum mentecapto dotado de poder, será o bastante para incriminar o governo. Pois se errar é reflexo da falibilidade humana, persistir no erro, mantendo injusta situação a inocentes, é usar do poder, arbitrariamente.

Diário e “ditadura militar”, um

tema que deve ser enriquecido

 DANIEL LIMA - 24/04/2014

Na próxima segunda-feira vou voltar a escrever sobre a política editorial do Diário do Grande ABC durante (e sobre) o regime militar. Há novas informações a repassar e eventuais incursões analíticas a expor. Os desdobramentos são naturais. Nem poderia ser diferente. O título que formulei à matéria publicada nesta semana (“Ditadura militar” não existiu no Diário. Até prova em contrário) significa um portal à democratização de posicionamentos e ideias, não o encarceramento arbitrário de interpretações.

O jornalista Milton Saldanha atuou no Diário do Grande ABC nos dois períodos mais abrasivos do regime militar. Ou seja: quando da implantação das medidas contrapostas ao governo de Jango Goulart e, no extremo oposto, de movimentação em torno da abertura política, nos anos 1980. Milton Saldanha é experiente, militou nos movimentos de resistência e reúne informações importantíssimas sobre a atuação editorial do Diário do Grande ABC como veículo de menor importância estadual e nacional nos tempos de News Seller e de relevância metropolitana incontestável na reta de esgotamento dos militares.

As manifestações de Milton Saldanha são oportunas e elucidativas.  Reservo tudo para segunda-feira. Na matéria que assinei na última segunda-feira não chego a afirmar peremptoriamente que o Diário do Grande ABC dos tempos do regime militar não foi o que a matéria publicada na edição de domingo do jornal sugeria, ou seja, uma fortaleza de resistência. Mais que isso: sugiro de forma discreta, com base no livro “Editorais”, do jornalista Fausto Polesi, fundador e diretor de Redação daquele jornal, a existência de um fosso de sustentabilidade à atuação expressa pela edição de domingo do jornal.

LEITURAS APROPRIADAS

Para tanto, recorri à leitura de todos os artigos daquele livro que faziam referência ao regime militar, tratado por Fausto Polesi como “governo revolucionário” ou “Revolução”, jamais como “ditadura militar”. Não é minha intenção, nesse caso, estabelecer juízo de valor desabonador sobre as linhas traçadas pelo diretor de Redação. Ante aquela situação político-constitucional, revelava-se espinhosa a duplicidade de função, de empresário e jornalista. Fausto Polesi atuou dentro dos limites de razoabilidade, dos quais, provavelmente, também este jornalista não abriria mão. Até porque, Fausto Polesi representava apenas um naco das ações da empresa que ajudou a criar, certamente com liberdade vigiada no comando da redação, assim como os demais nas respectivas searas de distribuição de funções.

Mas não é especificamente sobre novos lances da conduta editorial de Fausto Polesi que pretendo escrever na próxima segunda-feira. Vou me fixar nas duas mensagens eletrônicas enviadas pelo jornalista Milton Saldanha, autorizadas à reprodução neste espaço.

É claro que também gostaria de receber mensagens senão explicativas, porque isso pareceria coercitivo, mas colaborativas, dos autores dos textos de domingo do Diário do Grande ABC. Ademir Medici, um irmão camarada, e Evaldo Novelini, poderiam se juntar ao adensamento do temário. Como memorialista respeitável, desses que conferem ampla credibilidade a cada parágrafo, Ademir Medici saberá contextualizar aquele material jornalístico aos entrechoques de debates que poderiam ser estimulados porque representariam o aprofundamento investigativo da linha editorial da publicação mais tradicional da região.

O surgimento de Milton Saldanha fortalece o diálogo social que indelevelmente os jornalistas precisam manter com a sociedade consumidora de informações.

Para completar, uma provocação: notaram os leitores que sempre me refiro ao intervalo de arbitrariedades no País como “regime militar”? Não pretendo esmiuçar agora subjetividades e objetividades da expressão, mas não está fora do horizonte o salto do muro da conveniência estratégica. 

Diário e a “ditadura militar”: uma

bola de neve que requer cuidados

 DANIEL LIMA - 28/04/2014

O Diário do Grande ABC não prescinde de uma mais que provável edulcoração político-ideológico para ser maior ou menor historicamente em mais de 50 anos de circulação, contando-se a fase de uma década do News Seller, semanário que lançou as estacas da publicação mais importante da região ao longo do século passado. Por isso mesmo o Diário do Grande ABC não deve forçar a barra para tentar vender a ideia de que foi um baluarte em defesa da democracia pós-1964, opondo-se rigorosamente ao regime militar.

Essa é a conclusão a que cheguei após uns dias de trocas de e-mails instigantes com outros dois jornalistas experientes, os quais pretendo consultar mais uma vez quanto à liberação de informações que julgarem relevantes, excluindo-se portanto tanto no meu caso quanto nos deles algumas inconfidências. Retirar os penduricalhos pessoais permitiria clarear um quarto ainda à meia luz sem tropeçar na cama de inconfidências ou esbarrar no guarda-roupa do desabafo. 

Estou cada vez mais convicto de que o News Seller e o Diário do Grande ABC não tiveram participação relevante durante quase todo o período do regime militar.

Aliás, durante quase todo aquele período, de 1971 a 1986, convivi naquela Redação. É verdade que jamais me engajei à movimentação política, editor de Esportes que era, mas não um alienígena. Tanto que até participei de uma malfadada greve dos jornalistas, quando a direção do jornal tratou a todos duramente com demissões em massa. Opunha-me à iniciativa, mas segui com os grevistas. Não me arrependo.

Esquerda e direita são doutrinas que devassei e ainda devasso com leituras sistemáticas em busca de posicionamento seguro e sem cair no reducionismo de frases feitas, de slogans marqueteiros.

TÍTULOS EXPLICATIVOS  

Cheguei à conclusão (e um teste ideológico, por assim dizer me deu as respostas de que precisava) que sou uma fusão diria bem acabada entre porções em que prevalecem os mandamentos do Estado e outras em que o capital é que entra em campo. O título desta publicação, CapitalSocial, não é obra de imaginação nem de criatividade: é o espírito jornalístico que traduz o profissional responsável por cada parágrafo aqui editado.

Mas o que importa mesmo é que, para colocar de vez um ponto final na questão, prefiro acompanhar eventuais desdobramentos editoriais do Diário do Grande ABC sobre a avocada resistência ao regime militar. Trata-se, essa projeção, de uma temeridade informativa, totalmente dispensável, principalmente se submetida à tortura de subjetividades para comprovar uma tese.

Sei que sei, porque sou a soma de informações filtradas sob o conceito de legitimidade analítica, que os autores da matéria que sugeriram rebeldia do Diário do Grande ABC contra o regime militar não seriam capazes de oferecer aos leitores colorações artificiais. Ademir Medici, que conheço bem, e Evaldo Novelini, que não conheço mas está bem acompanhado, não cometeriam deslizes ao apresentar aos leitores um diagnóstico desgarrado dos fatos, ocupando-se, como espertalhões semânticos que não são, de dados seletivos completamente fora do roteiro integral.

A credibilidade de um profissional de imprensa e também de um veículo de imprensa não é resultado de uma jornada eventualmente curta mas destacada de brados contra determinados abusos, entre outros tópicos. O conjunto da obra é que estabelece juízo de valor de identificação do produto em relação às demandas da sociedade.

REALIDADE SONEGADA

O Diário do Grande ABC passou décadas negando a desindustrialização da Província que este jornalista, à frente de LivreMercado e deste CapitalSocial há um quarto de século, provou exaustivamente com dados, declarações, análises e tudo o mais. Não será uma eventual preciosidade de exceção do jornal, numa determinada matéria própria, num artigo de terceiros ou mesmo num editorial, que alteraria a realidade histórica dos fatos sobre a atuação durante o regime militar.

O Diário do Grande ABC contribuiu imensamente para uma enganação geral sobre a situação econômica da região. A resistência em adequar a linha editorial em relação à realidade dos fatos atrasou imensamente o embarque e a trajetória de recuperação institucional de um Grande ABC que virou Província.

Ao lembrar a desindustrialização negada pelo Diário do Grande ABC e por quase todas as fontes de informações, que entendiam ser a notícia um petardo contra os interesses regionais, pretendo transmitir a mensagem de que não poderei aceitar uma nova, mesmo que involuntária, falsificação dos fatos, agora no âmbito político-ideológico.

Confesso aos leitores que não me sinto à vontade ao tornar público as informações mais substantivas que pipocaram em meu computador nos últimos dias, daí a necessidade de obter principalmente de Ademir Medici e de Milton Saldanha, expositores e debatedores destes dias, os pontos que poderão ser expostos ao público, e os que devem ser retirados, já que o que parecia uma contribuição coletiva para reunir a maior densidade possível de informações, acabou se tornando, também, uma espécie de desabafo.

CONTRAPOSIÇÃO INCÕMODA?

Passei quase um terço de minha vida profissional no Diário do Grande ABC, espaço no qual vivi grandes momentos profissionais e pessoais. Não tenho prazer algum – muito pelo contrário – em envolver o jornal numa polêmica, mas, como escreveu o diretor de Redação daquela publicação durante 40 anos, naquela dedicatória do livro “Editoriais”, costumo ser bom de briga. Quando minha intuição, somatório de conhecimento técnico e vivência prática, me diz que há angu nesse caroço, ou caroço nesse angu, não resisto a exercitar o direito de contrapor ideias.

Tomara que não seja preciso (seria permitido tal tarefa?) vasculhar os arquivos mais antigos do News Seller e do Diário do Grande ABC. Nem tampouco vasculhar fontes de informações, como algumas que já se manifestaram e me alimentam com massa crítica suficiente para dizer provisoriamente o que posso tornar definitivo num futuro breve: o Diário do Grande ABC jamais teve compromisso tácito, irrevogável, cristalino e desimpedido com o combate ao regime militar. Será que os “Editoriais” de Fausto Polesi já não são suficientes ao simplesmente tratarem aquele período como “governo revolucionário” e “Revolução”?

Sobre o fato de o Diário do Grande ABC ter sido o maior veículo regional da Província no século passado e não sê-lo mais, por consequência, neste século, convém observação que já fiz em outros artigos: antes o Diário era monopolizador das atenções; hoje, com a disseminação das tecnologias de comunicação em associação com o enfraquecimento dos veículos impressos em todos os quadrantes do planeta, inclusive na região, seria puxa-saquismo deslavado dizer que o Diário exerce a mesma centralidade de antes.

A soma dos demais veículos disponíveis é bem maior que o conteúdo informativo e analítico (analítico?) do Diário do Grande ABC. Essa é uma constatação elementar, não uma ofensa, falta de respeito ou suposto revanchismo que os idiotas de plantão identificam nos poucos que se atrevem a contrapor-se ao politicamente correto ou ao economicamente vantajoso. 

Saldanha também opõe-se à versão

de que Diário desafiou “ditadura”

 DANIEL LIMA - 06/05/2014

O experiente jornalista Milton Saldanha não é leitor crédulo da cartilha que procura colocar o Diário do Grande ABC como oponente do regime militar instaurado no País em 31 de março de 1964. Nesta Entrevista Especial, esse militante de esquerda com vasta carreira em grandes e médios veículos afirma categoricamente que, até prova em contrário, supostamente o período de 10 anos do semanário News Seller, embrião do Diário do Grande ABC, não concorda que o jornal tenha confrontado as forças que depuseram o governo João Goulart.

Os jornalistas Ademir Medici e Evaldo Novelini escreveram no Diário do Grande ABC de 20 de abril último, sob o título “Com quase 56 anos, Diário desafiou o regime militar”, breve reportagem sobre o comportamento do jornal mais tradicional da região, instalando-o num pedestal de oposição aos generais que governaram o País durante mais de duas décadas. CapitalSocial reagiu com fundamentação. Nada melhor que entrevistar Milton Saldanha, ouvido pelos jornalistas do Diário.

CapitalSocial preparou esta Entrevista Especial assumindo com o entrevistado um compromisso tácito: abandonou nesta apresentação a postura interpretativa das declarações do entrevistado, colocando-se voluntariamente apenas como retransmissor do pensamento de um profissional com larga bagagem contra o regime militar.

Preferimos deixar para amanhã não só algumas abordagens sobre as respostas de Milton Saldanha como, também, os textos impressos pelo Diário do Grande ABC. Mais que isso: decidimos adotar ação editorial preventiva, levando-se em conta eventuais possibilidades de aquela publicação insistir numa melodia completamente fora das paradas de sucesso de resistência ao militarismo implantado no País. Nada que não tenha sustentação: troca de e-mails entre este jornalista e um dos autores da matéria, Ademir Medici, indica resistência a adoção de pelo menos uma medida: a admissão de que não existem elementos históricos sistemáticos que caracterizem a suposta resistência do Diário do Grande ABC ao regime militar, ou então provas jornalísticas que coloquem sem subterfúgios semânticos a publicação no estreitíssimo grupo de oposição àquela nova ordem constitucional.

O Diário do Grande ABC completa neste domingo 56 anos de circulação, 10 dos quais como News Seller, e, na tentativa de seguir a navegar em águas turbulentas, poderia repetir, em maior escala, subjetividades, imprecisões e manipulações registradas na reportagem de abril. Espera-se que não amplie com documentação igualmente seletiva e historicamente maltratada o erro já cometido. A emenda da embromação poderá soar pior que o soneto da mistificação.

E tudo a troco de nada. Um jornal que amealhou tantas conquistas mensuráveis e incontestáveis ao longo do tempo jamais deveria meter-se atabalhoadamente em seara que pertence a poucos protagonistas do mundo empresarial e a um numeroso contingente pessoal e profissional de inconformados, caso de Milton Saldanha. 

CAPITALSOCIAL -- O Diário do Grande ABC, desde os tempos de News Seller, se comportou como publicação que ergueu barricadas contra o regime militar ou atuou mais ou menos no recorte dos jornais conservadores?

MILTON SALDANHA – Não sei como era a linha do News Seller, que agora estou curioso em pesquisar depois de conversa informal que tive que o professor Antonio Andrade, da Universidade Metodista. Ele já vem fazendo essa pesquisa há algum tempo. Não vou comentar nada sobre as conclusões dele porque não estou autorizado para isso. Quero apenas saber melhor sobre aquele período, que talvez tenha sido diferente das outras fases do jornal, a conferir.

Para o leitor entender, esclareço que trabalhei no Diário em três períodos completamente diferentes, tanto do porte do jornal, como da situação política que se vivia em cada momento. A visão de cada pessoa sobre o jornal pode ser bem diferente. Ora, militei contra a ditadura, fui contra ela desde o dia do golpe em 1964, quando iniciava no jornalismo; meu jornal foi fechado e tive que me esconder, em Porto Alegre; atuei na política estudantil de esquerda; fiz jornais estudantis, de oposição; colaborei com a imprensa alternativa como associado, pagante, do Coojornal, de Porto Alegre; militei em trabalho político clandestino durante a ditadura; fui preso político no DOI-Codi. Logo, não posso concordar, do que acompanhei do Diário, que o jornal tenha confrontado a ditadura.

O que se tinha eram brechas, usadas por alguns editores, como eu, para plantar o que fosse possível, com prudência, sem avançar demais o sinal. E isso fazia toda a diferença quando se comparava com os jornais da Capital: o Estadão e Jornal da Tarde sob severa censura, e a Folha de S.Paulo tão aliada com a ditadura que sequer precisou de censor.

Além disso, o Diário era pequeno, como qualquer jornal de interior, mesmo sendo regional. Não chamava a atenção da censura, que nunca nos incomodou. Ela se dedicava a tentar destruir os pequenos jornais, alternativos, que faziam o verdadeiro combate ao regime. A Folha de S.Paulo, quando falar mal da ditadura já era chutar cachorro morto, com hiperinflação e muita corrupção, adotou uma sensacional estratégia de marketing e liderou a campanha das Diretas Já, nos anos 1980. Hoje, tenta passar a mentira de que foi sempre assim. Todavia, isso foi oportuno e muito bom para a retomada do processo democrático.

A linha editorial do Diário mudou na campanha das Diretas Já, pegando carona na jogada da Folha. Eu era editor-chefe e tive a felicidade de convencer o Fausto Polesi, o diretor de redação, da necessidade de inserir o jornal na campanha. Só vai entender que isso foi verdade quem perceber que o Fausto Polesi, que era um ótimo sujeito e meu amigo, inclusive tentou nos ajudar no episódio da prisão, era um jornalista-patrão, capitalista, com os anseios e ambições normais de qualquer patrão. A luta ideológica para ele não era uma prioridade. Seus editoriais eram moralistas, o que é diferente de ser engajado.

Eu, ao contrário, era um editor altamente politizado, com essa história de vida e profissional que resumi acima. Os primeiros anos da minha carreira, mal saindo da adolescência, foram num jornal de esquerda, que apoiava João Goulart e Leonel Brizola, na contramão da mídia inteira, exceto a Última Hora, no Rio Grande do Sul. Sofremos a violência do golpe, Santa Maria é um poderoso centro militar, o dono do jornal foi preso, eu me escondi, com apoio da minha família. Havia prisões por toda a parte. No dia do golpe, 1º de abril, falei no rádio, pela Rede da Legalidade, ao lado do meu amigo Tarso Genro, atual governador gaúcho. Poucas horas depois, o Exército ocupou a cidade e calou a Rede. Mesmo sendo garotos, éramos figuras públicas na cidade. O jornal, “A Cidade”, tinha só o dono, Clarimundo Flôres, e eu, além de meia dúzia de gráficos.

Nas Diretas Já a ditadura já definhava, desgastada pela grave crise econômica, com hiperinflação, e muita corrupção. Assim que sai da reunião com o Fausto Polesi, reuni a redação e outras áreas sob minha responsabilidade e fiz o anúncio, com estas palavras mesmo, de que o jornal a partir daquele momento estava engajado pelas Diretas Já. Considero isso um grande momento da minha carreira de 50 anos no jornalismo. Estou com 68 anos. Depois deixei o Diário e fui trabalhar na chefia de reportagem da Rede Globo, em São Paulo. Lá o papo era outro, como conto no meu livro de memórias, em detalhes.

CAPITALSOCIAL – O senhor era chefe da Sucursal do Estadão quando Lula começou a emergir no noticiário. O Diário do Grande ABC insiste em propagar que a grande imprensa foi omissa naquele período, que só descobriu Lula bem depois. O senhor admite que, trabalhando na região, não percebeu o movimento sindical desabrochar ou o Diário do Grande ABC constrói um enredo que lhe favorece certo exclusivismo?

MILTON SALDANHA – Primeiro, é preciso entender como funciona uma sucursal. A gente produzia matérias, previstas num roteiro da manhã, mais as imprevistas ao longo do dia, e jogava tudo no telex, para o Estadão, Jornal da Tarde, Agência Estado e Rádio Eldorado. O aproveitamento fugia do nosso controle, era critério de cada editor das diferentes áreas. A agência resumia tudo e distribuía, sempre, usando telex e teletipos.

Prova do meu interesse pelo setor sindical é que “roubei” do Diário uma repórter da área, que chamava minha atenção, a Valdir dos Santos. Tornou-se a setorista da sucursal. Quando o sindicalismo abeceano explodiu como assunto nacional e internacional, eu já tinha uma repórter lá dentro, com ótimas fontes. E olha que minha equipe não passava de seis jornalistas, portanto não podia me dar ao luxo de ter setorista em algo que não fosse realmente importante. Ela foi a única repórter que entrou na Scania, com o delegado do Trabalho, na eclosão da primeira greve, que começou lá, em 1978. Foi essa greve que projetou Lula.

O Diário tem razão. Era um parto, no Estadão, conseguir aproveitamento das nossas matérias sindicais. Mas a Agência Estado distribuía para cerca de 170 veículos do país, seus assinantes. Entre eles o Diário, que deu muitas das nossas matérias, e sem elas teria sido furado. Naquele espírito competitivo normal, das redações, isso nos deixava furiosos. Porque saia no Diário e não em nosso próprio jornal, o Estadão.

Eu tinha trabalhado na Agência, era amigo de todos lá, e certo dia pedi que cortassem do Diário o fornecimento desse tipo de matéria, que tornava as coisas fáceis para eles. Pô, a turma do Diário tinha que trabalhar! O Diário custou um pouco para perceber, levou vários furos enquanto isso, até que reclamou e foi religado. Afinal, era um cliente, pagante. Foi uma besteirinha, coisa da competição, éramos todos jovens.

Essa resistência do Estadão à cobertura sindical, e que a Sucursal não seguia, continuava mandando matérias todos os dias, só mudou a partir dessa greve de 1978, porque aí se tratava de notícia obrigatória e qualidade do jornalismo. O ABC era notícia, e mais do que isso, manchete todo dia. E, modéstia a parte, a Sucursal, só com seis repórteres, e dois reforços que pedi à matriz, deu show de cobertura. Tenho até hoje guardados os elogios, por escrito, dos editores, principalmente do Miguel Jorge, que era o editor-chefe.   

CAPITALSOCIAL – Qual a sua avaliação histórica sobre a direção empresarial do Diário do Grande ABC, levando-se em conta os três períodos nos quais trabalhou na redação?

MILTON SALDANHA  – O Diário começou micro, dizem que Édison Danilo Dotto entregava o jornal de casa em casa, com carrinho de mão. Fausto Polesi foi empalhador de cadeiras. Eram muito jovens, e só puderam pagar a gráfica, na primeira edição do News Seller, graças a um anúncio, acho que de um banco. O jornalista e pesquisador Ademir Medici é quem conhece bem essas histórias. A transição para uma empresa de grande sucesso financeiro e comercial foi muito rápida. A grande receita vinha dos Classificados. Isso, pelo menos na teoria, dá independência ao jornal, que não fica exposto às pressões dos grandes anunciantes, entre eles órgãos públicos.

Em 30 anos, o jornal já era uma potência e tinha seu nome conhecido também fora do ABC. Trabalhar no jornal, na primeira fase, recém-diário, final dos anos 1960, foi uma delícia. Um dos melhores períodos de toda a minha carreira. Tínhamos pouca experiência, mas uma vibração incrível. Cheguei a dormir na redação, sobre papel jornal, para sair na madrugada com Pedro Martinelli, o Pedrão, para reportagens de aventuras, nas matas da Billings. A equipe era muito unida. Foi maravilhoso!

Dos quatro sócios, o único jornalista era Fausto Polesi, mas sem experiência de reportagem, nem de jornal anterior. Aprendeu tudo na marra, de forma empírica. Quando meu irmão, Rubem Mauro, e eu, assumimos a redação, tivemos que treinar todo o pessoal, principalmente em texto, porque ninguém conhecia regras básicas. O jornalista Renato Campos é desse tempo, que ele chamava como “escolinha”, é testemunha disso. Dirceu Pio e Hildebrando Pafundi, também.

Os donos tinham objetivos empresariais e muita ambição. Eram, antes de tudo, empresários, com um olho no custo e outro no lucro. Mas não nos pagavam tão mal, comparando com a média salarial dos jornais da Capital. Nos meus empregos anteriores, Diário Popular e Shopping  News, como repórter, eu ganhava menos. Se tivessem ficado unidos, teriam construído um império de comunicação, até com TV, como é hoje a RBS, no Sul, que começou de forma parecida. Naqueles primeiros anos a gente previa isso, principalmente quando compraram a Rádio Independência, em São Bernardo, que virou Rádio Diário do Grande ABC. Mas não aconteceu.

Os conflitos deles e os problemas sucessórios estancaram o crescimento empresarial. Um detalhe interessante: essa Rádio Independência certo dia foi tomada por Carlos Marighella, que deixou um gravador repetindo um manifesto contra a ditadura. O Diário da Noite, dos Associados, reproduziu o manifesto, como manchete, e isso custou a cabeça do seu diretor de redação, o Hermínio Sachetta, um comunista histórico e que foi meu chefe.

CAPITALSOCIAL – Como interpreta o mea-culpa da TV Globo por conta das Diretas Já?

MILTON SALDANHA – Não foi por conta das Diretas Já e sim da ditadura. A Globo apoiou a ditadura e foi apoiada por ela. Serviu como instrumentos dos militares no poder para fazer a apologia do Brasil potência, fase do chamado milagre e outros que tais. Todo mundo sabe disso, não estou dizendo nenhuma novidade. Nas Diretas Já, demorou muito para fazer uma cobertura com qualidade. No meu livro conto sobre essa parte e das pressões que nossa redação, em São Paulo, fez sobre o comando, no Rio.

Não se pode apagar a História, nem reinventá-la. Isso vale para a Globo, Diário, Folha, Estadão e outros. Mas do ponto de vista político acho excelente que a Globo tenha feito esse pedido de desculpa. Isso quebrou sua tradicional imagem de arrogância e agrega uma notável contribuição ao processo democrático, porque é uma atitude pedagógica. Os jovens devem perceber: se a Globo pede desculpa, é porque a ditadura foi um grande erro, lesivo ao país. Ruim seria se ela insistisse em justificar o injustificável.

CAPITALSOCIAL – Se o senhor fosse diretor de redação do Diário do Grande ABC durante mais de quatro décadas, como Fausto Polesi, e decidisse lançar um livro que reunisse os editoriais mais importantes da trajetória da publicação, todos feitos por você, o período do regime militar seria mais que minimizado, substancialmente omitido como época de constrangimentos legais? O livro que o senhor escreveu é um retrato de sua vida profissional. Por que o livro de Fausto Polesi não seria e, portanto, não anularia qualquer tentativa de transformar o Diário do Grande ABC, numa linha histórica, não circunstancial, em paladino antimilitares?

MILTON SALDANHA – Não tenho como falar pelo Fausto Polesi. A vida dele, e a minha, tiveram trajetórias completamente diferentes, só unidas circunstancialmente pelo fato de eu ter sido empregado na empresa dele em alguns momentos. Fui à missa de sétimo dia do Fausto, em Santo André. No final não me contive e chorei, sem conseguir falar, abraçado a seu filho e meu amigo Alexandre Polesi, hoje dono de jornal em Guarulhos.

Eu gostava do Fausto. Ele sempre foi afetivo comigo, e me respeitava muito profissionalmente. Não teria me confiado tanta autoridade na redação se não fosse assim. Foi me buscar em outro emprego, onde eu estava bem, com um projeto de melhorar a edição. Ficamos três meses negociando, em sigilo, com encontros no Terraço Itália, regados a vinho. Mas éramos cabeças diferentes. E cada vida, a seu modo, teve emoções, e também frustrações, diferentes. Sempre vi o Fausto como uma pessoa de direita moderada, mais liberal. Em hipótese alguma um homem de enfrentamento contra a ditadura. Mesmo que tenha feito alguma eventual crítica ao regime, de forma velada ou ostensiva.

Como já comentei, seus editoriais eram moralistas, o que nada tem a ver com contestação ao regime. O moralismo não é ideológico, pode estar tanto na direita, como na esquerda. Eu, ao contrário, sempre vislumbrei o jornalismo como uma trincheira para a luta política. No Estadão? Na Globo? será lícito questionar. Sim, porque todas as empresas são iguais, capitalistas. Em todas, sem ser tolo nem louco, eu tinha família para sustentar, procurei ocupar os espaços possíveis, sem perder o senso da realidade.

Muitas vezes, espaços que só um jornalista de esquerda tinha olho crítico para perceber. Isso explica, por exemplo, porque remei contra a postura interna do Estadão na questão sindical. Só eu sei o trabalhão que me deu, na coordenação da cobertura das grandes greves dos metalúrgicos, lidar com um editor que era reconhecido por todos como de direita e patronal, o Itaborai Martins, já falecido. Ele foi colocado lá justamente para frear nossos eventuais arroubos. Havia cordialidade e respeito no diálogo, mas era difícil. Tudo, na cabeça dele, parecia perigoso. O pior jornalismo é o medroso. Mesmo assim a cobertura do Estadão foi impecável, e ganhava de lavada da concorrente Folha.

O Fausto Polesi não me passava a imagem de ter esse medo, mas também não era arrojado. Não sei como foi com outros editores, mas no meu caso ele respeitava minha bagagem profissional. O Estadão tinha sido minha tremenda escola, e levei para o Diário tudo que tinha aprendido com grandes feras do jornalismo, a começar pelo rigor da apuração. Assumi o Diário no auge de uma briga infernal com um prefeito de Santo André, o Lincoln Grillo. Havia matérias sem critério, tolices até para falar de buracos de ruas, e aquilo desmoralizava o jornal. Dei um basta: denúncias, só fortes, documentadas e bem apuradas. Se o Fausto me desautorizasse, juro que pediria a conta. Emprego bom não me faltaria, como nunca faltou.

Diário faz aniversário domingo.

E a barrigada da “ditadura”?

 DANIEL LIMA - 07/05/2014

O Diário do Grande ABC completa 56 anos de circulação neste domingo, 11 de maio. Contabilizam-se os 10 anos de News Seller. Os fundadores da publicação, todos fora da administração há pelo menos 10 anos, merecem respeito pelo arrojo, dedicação e empenho em construir a publicação mais tradicional da região.

Nada, entretanto, mais apropriado que comemorar 56 anos de forma ética. A fantasia de que o jornal teria desafiado o regime militar não pode passar em branco na edição de domingo, porque é recente, de 20 de abril, retirado de intempestiva conclusão dos jornalistas Ademir Medici e Evaldo Novelini. O que fazer ante a situação?

Para não dizerem que não sou colaborativo, justamente eu que naquela casa estive durante 16 anos e na qual ocupei todos os cargos possíveis de redação, apresento as seguintes alternativas no sentido de que o bom senso permeie a edição de 56 anos com a escolha da mais óbvia, lúcida e sensata, a qual mostraria componente de responsabilidade social que se espera a cada nova manhã que o jornal chega aos leitores:

1. Que o jornal assuma publicamente ter se precipitado ao se autoproclamar desafiador do regime militar, ou da “ditadura militar”, como apontou aquela reportagem de 20 de abril. Nada melhor que declarar, com todas as letras que, levando-se em conta pré-requisitos definidores de política editorial, jamais e em tempo algum sustentou escaramuças contínuas e marcantes com os governos autoritários.

2. Que o jornal, constrangido por ter sido colhido em delito informativo, ou em descuido informativo, simplesmente se omita no esclarecimento exigido pelos leitores mais críticos, esquecendo o que publicou em 20 de abril e jamais, jamais mesmo, tocará no assunto incômodo.

3. Que o jornal, desprezando aqueles que não são ingênuos nem burros, muito menos idiotas e covardes, ou descuidados e descerebrados, volte à carga e procure intensificar manipulação de informações com semânticas e seletividades a provar histórico de resistência ao regime militar, ou à “ditadura militar”.

FAÇAM  SUAS ESCOLHAS

Qual dessas alternativas será escolhida pela direção editorial do Diário do Grande ABC na edição especial de aniversário deste domingo? Façam suas apostas, leitores.

Quem quiser saber deste jornalista uma opinião sincera sobre o desenlace não necessariamente final, diria que, pela conotação de trocas de e-mails recentes, o Diário do Grande ABC seguirá com mistificação suicida.

Acreditar que o Diário do Grande ABC pautou a política editorial pela resistência durante o período de caça às liberdades democráticas tendo tido como teve um comando empresarial e, sobretudo, um diretor de Redação, Fausto Polesi, alinhado à centro-direita, tem sentido semelhante a sugerir que o gorducho Leandro Hassum, humorista global, vai disputar para valer, com aquela pança toda, a Maratona de Boston.

Tenho cá comigo que o Diário estaria reservando para a edição de aniversário deste domingo uma reportagem em que vai pinçar notícias publicadas durante determinados períodos, as quais dariam conta da pluralidade ideológica, tentando nos fazer crer que uma coisa e outra coisa são as mesmas coisas.

O que quero dizer é que pluralidade nas páginas do jornal não tem nada a ver com uma cruzada contra determinado regime político. Um artigo qualquer de um sindicalista ou uma notícia relatando uma greve não configura e jamais configurará alinhamento a determinada causa. Muitas vezes não passam de insumos à desqualificação nos editoriais. O que pesa na definição de uma linha de desempenho informativo de jornal é o posicionamento editorial clássico.

EDITORIAIS CONFESSIONAIS

Como já escrevemos aqui, Fausto Polesi, jornalista sério que combateu a corrupção principalmente no setor público durante toda a carreira, e retratou essa preocupação no livro “Editoriais”, lançado em 1982, jamais e em momento algum dedicou ao regime militar a acidez e o inconformismo destinados, por exemplo, à Administração Lincoln Grillo, em Santo André. Tanto que se referiu ao movimento que em 31 de março despojou João Goulart dos poderes presidentes como “governo revolucionário” ou “Revolução”. Jamais se utilizou de “ditadura militar” ou expressões equivalentes.

A reportagem que o Diário do Grande ABC publicou em 20 de abril colide com os princípios de clareza, objetividade, isenção e correção. Está completamente fora da órbita de esclarecimento. Foram pinçados alguns parágrafos sobre a suposta resistência do Diário do Grande ABC ao regime militar, mas uma leitura atenta dinamita os pressupostos dos autores.

A transcrição entre aspas de alguns trechos do material exposto como prova de bravura do jornal não ultrapassa o corredor da objetividade. Selecionar trechos em detrimento do contexto da íntegra do material e do contexto que o envolve é uma maneira de corromper a legitimidade da informação. É algo como supor que o queixoso detentor de um dedão ferido num jogo de futebol seja o proprietário de um corpo a ser exumado.

ESPERAR É MELHOR

Muito teria a escrever hoje nesse novo capítulo sobre a pretensa resistência do Diário do Grande ABC ao regime militar, principalmente após a Entrevista Especial publicada ontem neste espaço com o jornalista Milton Saldanha. Entretanto, vou aguardar a edição de domingo do jornal para voltar ao assunto. Estou apostando na alternativa da mistificação, mas ganha corpo também a possibilidade de o jornal esquecer um assunto tão desastradamente colocado à mesa. Reconhecer o erro informativo é a última possibilidade na escala de projeções.

Só faltava o Diário do Grande ABC informar aos leitores que atuou duramente também contra o esvaziamento econômico da Província do Grande ABC quando, de fato, se aliou aos mistificadores públicos e privados para tentar encobrir o persistente esgotamento industrial denunciado e analisado pela revista LivreMercado, então sob meu comando, e também por esta revista digital.

A “barrigada” da “ditadura militar” do Diário do Grande ABC não é algo que ocupe as últimas posições na escala de valores informativos do jornalismo regional porque, não fosse contestada, poderia soar como verdade absoluta e, pior que isso, histórica. O furo nágua apontado por CapitalSocial se reveste de obrigação funcional, mesmo que isso custe estremecimento nas relações com um profissional respeitado como Ademir Medici, a quem a Província do Grande BC deve muito, muitíssimo, pela prospecção do passado. 

Saldanha faz passeio pelo passado

do Diário e só registra incoerências

 DANIEL LIMA - 08/05/2014

O jornalista Milton Saldanha, entrevistado aqui nesta semana, deixou uma porta democraticamente aberta à convicção plena de que o Diário do Grande ABC não atuou durante o regime militar da forma com que foi anunciada outro dia nas páginas da publicação pelos jornalistas Ademir Medici e Evaldo Novelini. Respondeu Milton Saldanha que lhe faltava apenas, para confirmar o diagnóstico de alguém, como ele, que sentiu na própria pele e na alma as dores do regime de exceção, um passeio pelo passado físico e indiscutível do jornal.

Foi o que fez, ao acompanhar o professor Antônio Andrade e um aluno da Universidade Metodista de São Bernardo em leituras de edições do News Seller e do Diário do Grande ABC. A conclusão de Milton Saldanha é especialmente respeitável não só pelos conhecimentos técnico-profissionais, mas porque aceitou um convite formulado por quem defende, acessoriamente, as premissas dos jornalistas do Diário do Grande ABC. Mais que inflexibilidade, Milton Saldanha deu uma demonstração de aguçado senso de responsabilidade social. Não é a todo momento que encontramos gente disposta a contrariar supostas verdades estabelecidas apressadamente.

A coleção do jornal que neste domingo completa 56 anos de circulação, 10 dos quais com a marca de News Seller, não alterou o posicionamento do experiente profissional de Imprensa. E, convenhamos, não alterará o pensamento e a convicção de um caminhão de jornalistas sérios como ele que decidirem repetir a experiência de vasculhar as entranhas da publicação.

O que os autores da matéria que elevaram o Diário do Grande ABC ao pedestal de defensor dos pobres e oprimidos pelo regime militar precisam providenciar para salvar a reputação é formalizarem pedido de desculpas aos leitores da melhor forma que o exercício da profissão recomenda: uma nova matéria, desta feita sem onirismos. O Diário do Grande ABC não pode festejar mais um aniversário de fundação sem prestar contas aos leitores sobre um caso maltratado como esse.

ZIGUEZAGUES HISTÓRICOS

O que Milton Saldanha constatou de mais grave no passado do Diário do Grande ABC está consolidado em meu acervo físico pessoal, com mais de três mil pastas, às quais recorro de vez em quando: o comportamento editorial da publicação registrado durante o regime militar, pendularmente à direita (muito mais) e à esquerda (muito menos) repete-se em tantos outros temários que dizem respeito aos interesses da sociedade regional.

Exceto em algumas editorias que ao longo dos tempos pautaram atividades pela coerência, estabelecendo por conta própria modus operandi disciplinadamente coerente com o contexto social, político e econômico, o que mais se verifica no jornal é que a alta rotatividade de profissionais o torna refém de contradições que muitas vezes ganham a cara marquetológica de pluralidade, quando de fato são frutos de desorganização e improvisação.

Apenas a título de exemplo, quando ali naquela publicação estive pela última vez, como diretor de Redação entre julho de 2004 e abril de 2005, recebi um quadro de recursos humanos debilitadíssimo. Nada menos que mais de 100 anos de experiência naquela redação foram desperdiçados com demissões voluntárias ou impostas.

Uma publicação regional que comete tamanho desatino não reúne um grupo diretivo com sensibilidade à importância do produto. Foi por isso que, numa reunião de diretoria, disse sem meias palavras que os leitores do Diário e de qualquer bom jornal que se preza não estão preocupados com a identidade dos diretores acionistas, mas com o conjunto de nomes que integram a alma das páginas impressas – o quadro de jornalistas. Agora, com a devida autorização de Milton Saldanha, reproduzo o e-mail que recebi nesta manhã:

Caro Daniel Lima. Na agradável companhia do professor Antônio Andrade e do estudante Henrique, fiz um passeio no tempo, nesta quarta, sete de maio, mergulhando no passado através das páginas do News Seller e do seu sucessor Diário do Grande ABC. Quero compartilhar com vocês minhas impressões, da forma mais isenta o possível, sem me investir de dono da verdade. Respeito opiniões e visões diferentes. E espero o mesmo tratamento para as minhas.

Óbvio que só numa tarde não daria para examinar a coleção do jornal em sua totalidade. Mas considero o que vi uma amostragem significativa e suficiente para conclusões muito claras.

Estes comentários não são em off. Podem ser utilizados, apoiados, contestados, etc, no melhor espírito democrático. Com eles, acredito que se esgote minha participação neste assunto. Mas fico ao dispor caso seja solicitado novamente a contribuir de alguma forma.

1) Reitero meus elogios à abordagem da matéria do dia 20 de abril pela forma como tratou o tema, chamando a “Revolução Redentora” de quartelada e golpe. Nota 10 aos autores pela coragem e visão crítica.

2) Não concordo, contudo, no plano factual, que o Diário tenha desafiado o regime militar. Bem que eu gostaria que tivesse sido assim. Mas infelizmente não foi. A História está repleta de versões e polêmicas, sobre os mais variados episódios. No caso do jornal não há margens para interpretações, porque está tudo lá, escrito, impresso, encadernado e arquivado. E os textos são claros, principalmente porque nos seus primeiros anos, tanto o News Seller, como o Diário, ainda não conheciam a velha regra do jornalismo impessoal: os textos eram opinativos e adjetivados. E não estou falando de artigos, refiro-me às notícias.

3) O News Seller foi repleto de incoerências. Fiquei pasmo de encontrar na edição de sete de julho de 1963 um editorial em defesa da UNE. Tremenda ousadia, sem dúvida. A entidade, presidida por Serra, era reduto da esquerda radical, atuante e rebelde, tinha causa. E era, lógico, inimiga declarada de Carlos Lacerda, governador do extinto Estado da Guanabara. Pois bem, na manchete de 23 de fevereiro de 1964 esse mesmo jornal elogia Lacerda, exibindo sua foto, e classificando-o como “político de indiscutíveis qualidades”.

4) Lacerda, o elogiado, era inimigo número um de Jango, que saiu na capa, com a esposa Maria Tereza, na edição de 15 de março de 1964. A matéria era sobre o famoso comício do dia 13 daquele mês, e dizia nosso News Seller: “O comício das reformas alcançou plenamente seus objetivos”. Durma-se, pois, com um barulho desses...

5) Um editorial, em 22 de março de 1964, portanto às vésperas do golpe, intitulado “O problema das reformas”, foi um blá-blá-blá confuso. Li, e reli, e não cheguei a nenhuma conclusão, se era a favor ou contra, ou antes pelo contrário. Deu a impressão que o autor não dominava o assunto, não tinha convicção sobre nada, e ficou enchendo linguiça.

6) Em 19 de abril de 1964, portanto com o golpe fresquinho, saiu um editorial sobre vereadores cassados da região. Citava o general golpista Amaury Kruel, e vejam como se referia a ele e ao golpe: “Pediu o grande militar ponderação e comedimento, a fim de não empanar o brilho da conquista democrática”.

7) No editorial de 7 de setembro de 1969, com um título que mais parecia de livro de moral e cívica – “As formas de amar a pátria” – o jornal expressava, vamos chamar assim, simpatia pelo regime.

8) A grande surpresa, sem dúvida, confirmando esse festival de contradições, foi a manchete de 31 de julho de 1968, entre aspas, coisa rara numa manchete: “Brasil vive ditadura”. No texto explicava que a frase era do general Amaury Kruel, pronunciada num evento, ou algo parecido.

9) Haveria mais, mas vamos ficar por aqui para não ser cansativo. Quem pinçar isoladamente cada uma destas edições poderá dizer que tem ali uma prova da oposição do jornal. Ou, ao contrário, do quanto era golpista. Basta escolher.

Que cada um tire suas próprias conclusões. Se é que dá para tirar alguma conclusão.

Diário repete Sandoval Quaresma e

perde nota 10 já na ponta da língua  

 DANIEL LIMA - 12/05/2014

Estava prontíssimo para dar nota 10 ao Diário do Grande ABC de domingo, no caso envolvendo a suposta participação da publicação como fortaleza da democracia durante o regime militar, quando, nos últimos parágrafos, enxerto extravagante em matéria sóbria, fui obrigado a recuar. Não dei zero, claro, mas a nota foi rebaixada à discrição de um cinco. O 10 era exagero benevolente. Afinal, o Diário deixava de publicar que incorreu em erro em matéria anterior. Entretanto, vieram os parágrafos finais e tudo desandou. Um texto digno dos melhores momentos de Sandoval Quaresma, aquele que saia do máximo para o mínimo em instantes.

Sem entrar em detalhes sobre o conceito que o Diário do Grande ABC decidiu assumir no conteúdo da matéria da edição de domingo, o conceito de que há 56 anos luta em defesa do Grande ABC, certo mesmo é que o jornal deixou de dar estardalhaço à bobagem de que teria se oposto ao regime militar. O assunto está mais que batido neste espaço. Esperei a edição de domingo para ver qual seria a resposta editorial do jornal à repercussão nesta revista digital à intempestiva e completamente fora da realidade histórica arremetida do jornal contra os militares.

Seria justo preparar uma nota 10 que fugisse do espectro de frustração de Sandoval Quaresma, aquele brilhante e em seguida desastrado aluno da Escolinha do Professor Raimundo, notavelmente dirigido pela inventividade de Chico Anísio. A nota 10 minimizaria o fato de o Diário do Grande ABC ter deixado de incorporar ao texto comemorativo dos 56 anos de circulação sinceras desculpas pelo erro de informação contido na matéria de 20 de abril, quando se descreveu uma saga antimilitares que jamais existiu.

Mesmo sem que o Diário do Grande ABC recorresse ao expediente que exige humildade editorial, lhe daria nota 10 porque ao menos desistiu da fanfarronice contraproducente à lógica capitalista da qual o jornal, como todos os jornais, ou quase todos os jornais, jamais abriu mão. Mas eis que entra em sala de aula o Sandoval Quaresma dos parágrafos finais com informação manquitola: “À cobertura dos fatos, soma-se a coragem do jornal em se posicionar ao lado dos interesses do Brasil. No regime militar (1964-1985), por exemplo, o Diário chega a chamar de “Ditadura”, na manchete de 31 de julho de 1978, o que alguns classificavam de Revolução. Em 1979, critica em Editorial a intervenção do governo federal nos sindicados e as prisões dos trabalhadores” – escreveu Evaldo Novelini.

O jornalista que insistiu na besteiragem sabe que tanto uma citação quanto outra não estão associadas à realidade dos fatos. A descontextualização poderia ser evitada. A resistência em assumir o erro anterior se agravou com a edição desse enunciado. Como afirmou categoricamente ainda outro dia neste espaço o jornalista Milton Saldanha, este sim um adversário claro, contundente e resiliente do que chama de ditadura militar, não existe nos arquivos do Diário do Grande ABC nada que dê suporte à insistência mesmo que marginal, suplementar, como na matéria de domingo, de que a publicação se posicionou para valer contra o regime imposto em 31 de março de 1964.

Mais que isso – e agora é este jornalista quem faz a afirmação, ou a repete tendo em vista textos anteriores – o Diário do Grande ABC tratou ao longo do período os governos militares com desvelo editorial. “Governo revolucionário” e “Revolução” são rios que passam pela vida dos editoriais assinados pelo diretor de Redação Fausto Polesi, inclusive em forma de livro.

Pretendia tanto dar nota 10 ao Sandoval Quaresma, mesmo uma nota 10 excessivamente generosa, mas, como a vida imita a arte, Chico Anísio deve estar a se remexer no tumulo porque lhe usurparam a criatividade.

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