Regionalidade

Clube dos Prefeitos: estranho
no ninho fantasia histórico

  DANIEL LIMA - 03/06/2021

O secretário-geral do Clube dos Prefeitos do Grande ABC, Acácio Miranda, é um mistificador da classe política. Esse é o retrato de um novo capítulo envolvendo a realidade do Grande ABC. Em artigo assinado no Diário do Grande ABC, o executivo rebocado da Capital por injunções político-partidárias pelo prefeito Paulinho Serra, também prefeito temporal dos prefeitos da região, construiu um edifício de regionalidade que não fica de pé. 

Quem o leu e não se irritou provavelmente estaria na mesma situação de ignorância informativa do autor ou chegou a tal ponto de exaustão que já não sente qualquer reação diante de barbaridades que agridem a história.  

Já escrevi tanto sobre o Clube dos Prefeitos ao longo de 30 anos (a entidade foi criada sob a liderança de Celso Daniel em dezembro de 1990, poucos meses depois do lançamento da revista LivreMercado) que voltar ao assunto é sempre repetição desagradável. Mas é necessária diante de manipulações que encontram guarida apenas entre suspeitos de conluios partidários. Acácio Miranda conhece tanto a regionalidade do Grande ABC quanto este jornalista conhece os buracos da Lua.  

Longe da verdade 

Não vou reproduzir aqui o conjunto de parágrafos escrito ou assinado por Acácio Miranda, como faço rotineiramente diante da necessidade de oferecer contrapontos aos leitores.  

Posso resumir o artigo por meio de um paradoxo: fosse tudo o que descreveu o secretário-geral Acácio, mesmo assim o texto poderia ser inserido nos anais de fragilidades do Clube dos Prefeitos.  

Imaginem então o que se apresentou, tendo como base incongruências, desconhecimento e generalizações insustentáveis.  

Acácio Miranda, secretário-geral de Paulinho Serra no Clube dos Prefeitos, afirma que o trecho sul do Rodoanel se deve às ações da instituição. Bobagem: as divisões políticas e partidárias sempre operaram em sentido contrário aos interesses coletivos da região.  

Orlando Morando  

Foi a liderança do então deputado estadual Orlando Morando que trouxe o Rodoanel ao Grande ABC. E mesmo assim com um enquadramento físico-ambiental que tornou a obra um presente de grego, como estou cansado de afirmar e provar estatisticamente. Perdemos competitividade econômica ainda maior desde a implantação dessa serpentina de asfalto que passa apenas tangencialmente no Grande ABC. A Grande Osasco, a Baixada Santista e outras regiões nos tomaram mais fábricas.  

Uma prova provada de que a regionalidade supostamente organizada não teve influência na chegada do Rodoanel Mário Covas está na vitória obtida pelo então prefeito de Mauá, Oswaldo Dias, que, em ação individual, estendeu o traçado como espécie de puxadinho em direção ao Bairro Sertãozinho, em conexão com o extremo Leste da Capital. Mauá estava fora do jogo do Rodoanel. É um dos raros pontos do Grande ABC que ganhou alguma musculatura desde então.  O secretário de Desenvolvimento Econômico de Mauá, Paulo Eugênio, teve participação decisiva. 

O secretário-geral Acácio Miranda também afirma que a Universidade Federal do Grande ABC veio a reboque de ações do Clube dos Prefeitos. Outra bobagem: foi o PT que se mobilizou à parte daquela entidade, e convenceu o presidente Lula da Silva a implantar um sonho antigo que também virou pesadelo. A UFABC apenas está no Grande ABC, não faz parte da cultura produtiva do Grande ABC. Com viés de modelo de passarelas internacionais, a UFABC descolou-se do grito de emergência econômica regional, notadamente do setor químico e petroquímico tão desejado.  

Até o Hospital Mário Covas, demanda muito antiga, é colocado na conta de ativos do Clube dos Prefeitos. Fundado em 2001, reconstruído a partir de escombros de obras inacabadas, o Mario Covas não virou realidade por força do colegiado de um Clube dos Prefeitos fora da curva de ineficiências, porque sob a influência de Celso Daniel. Foram representações de fragmentos da sociedade civil desorganizada que atuaram nesse sentido.  

Divisionismo notório  

Sem perder o foco, mas aprofundando-se no caso, vejam alguns trechos de análise que escrevi para a revista LivreMercado de novembro de 2011 sobre a situação emblemática com que o Hospital Mário Covas sempre foi tratado na região. Sob o título “Governador e prefeitos ignoram festa de 10 anos do Mário Covas”, desabafei: 

 A cerimônia comemorativa dos 10 anos de inauguração do Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André, foi esquecida por todos os prefeitos da região e também pelo governador do Estado. Nem mesmo Orlando Morando, figurinha carimbada regional em eventos dos tucanos, deu as caras nessa festividade partidariamente ecumênica, embora historicamente relacionada ao PSDB. O lançamento de uma edição especial que recupera o histórico do Hospital Mário Covas e apresenta a grandeza dos serviços prestados contou com convidados menos notórios.  A chegada do Hospital Mário Covas após mais de duas décadas de idas e vindas, de promessas que pareciam eternas, é um marco regional. Conselheiros de CapitalSocial elegeram a obra, no começo deste ano, a mais positiva da região na primeira década do século 21. Um contraponto ao fato mais negativo, o assassinato do prefeito Celso Daniel. (...).  O que interessa mesmo é o apagão institucional que fez do Hospital Mário Covas vítima.  Nenhum prefeito da região, nada de governador, nada de secretário de Estado ou representantes? Convenhamos, é de lascar. (...).   

Pergunta-se a razão de as autoridades terem esquecido o Hospital.  Será que o evento, muito mais que a simbologia da data, um marco na saúde pública da região, não constava da pauta do Clube dos Prefeitos? Se constava, não foi levado a sério? E não foi levado a sério porque do Mário Covas já extraem tudo que é possível e, portanto, não resta nada a complementar?   

Projetos sem execução   

Alguns penduricalhos apontados pelo secretário-geral Acácio Miranda para lustrar a regionalidade pretendida a bordo do Clube dos Prefeitos só confirmam a história reticente e de baixa capacidade resolutiva da instituição. Os projetos que saíram do forno de reuniões de especialistas temáticos que convergiram em direção a um Grande ABC só confirmam a frustração da dificuldade imposta em os transformar em realidade.  

Entre projetos e realizações há um longo caminho a percorrer. O Clube dos Prefeitos é um pangaré de organização e sensibilidade num ambiente de demanda regional que recomenda um manga-larga de planejamento e execução. 

O trololó ufanista do secretário-geral Acácio Miranda visava mesmo retirar o traseiro de inconformidades, descuidos e incompetências generalizadas do Grande ABC em combater o Coronavírus. Tanto que o título do artigo (“Um milhão de olhares à regionalidade”), referindo-se ao total de doses de vacinas que já ocuparam braços na região, pretende exatamente isso: vender a ideia de que somos um território de extraordinária habilidade no combate à pandemia.  

Trata-se um tapa na cara da verdade, porque perdemos até do Distrito de Sapopemba, da Capital, quando se faz a conta certa e inegociável de tomar o total de mortes em confronto com o número de habitantes. O resultado é letal a qualquer tentativa de embromação.  

O secretário Acácio Mirando é uma réplica de sinais trocados do conselheiro Acácio, de O Primo Basílio, de Eça de Queirós: se as obviedades do personagem ficcional eram irritantes, as conjecturas do representante do Clube dos Prefeitos são a linguagem de negacionistas dos fatos.  

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