Regionalidade

Filippi foge do ônus petista em
Diadema e ignora Economia

  DANIEL LIMA - 03/07/2023

Esse enredo editorial já é conhecido e não encontro no mercado nacional nada parecido. Pegamos pelo colarinho do contraditório uma entrevista publicada em outro veículo de imprensa e entramos em campo com uma curadoria, ou seja, uma investigação jornalística pautada pelo contraditório.   

Para entrar no círculo de fogo dessa modalidade é preciso que a entrevista tenha ligação direta ou nem tanto com a geografia regional em múltiplas plataformas de relacionamentos.   

Nesta edição, quem está submetido a esse regime de esquartejamento analítico é o prefeito de Diadema, José de Filippi Júnior. Prefeito pela quarta vez. Um tetracampeão de votos. A entrevista foi publicada na edição de ontem do Diário do Grande ABC. Como encontrei furos a dar com pau, decidi esmiuçar tudo aqui.  

Primeiro repasso a apresentação da entrevista do Diário do Grande ABC. Em seguida, faço um resumo resumido da análise que detalho mais abaixo. Veja o texto de abertura da página do Diário do Grande ABC sob o título “”Filippi acredita que história vai reunificar região via Consórcio”:  

DIÁRIO DO GRANDE ABC -- São duas as preocupações de momento do prefeito de Diadema, José de Filippi Júnior (PT). Uma delas é superar os obstáculos que impedem a administração de captar empréstimos que ajudariam a tocar obras de seu plano de governo, especialmente na área da saúde. A outra é a perda de unidade do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, abalada com a decisão de Orlando Morando (PSDB) e José Auricchio Júnior (PSDB), respectivamente chefes do Executivo de São Bernardo e São Caetano, de abandonarem a entidade. O petista acha que os colegas agiram movidos pela emoção e pela paixão. “A história vai fazer com que esses dois municípios voltem para o Consórcio. No momento, estamos vivendo uma situação ruim, de desarticulação”, conjectura o diademense.  

CAPITALSOCIAL – O prefeito José de Filippi Júnior sabe que a história de Diadema precisa ser contada sem truques, mas não foi isso que fez em entrevista especial ao Diário do Grande ABC de domingo. Filippi, que ocupa o cargo pela quarta vez em 41 anos de petismo em Diadema (Gilson Menezes foi o primeiro prefeito eleito pelo partido em 1982) prefere transferir os danos de desequilíbrios inquietantes entre Desenvolvimento Econômico e Desenvolvimento Social aos efêmeros oito anos de dois mandatos de Lauro Michels, liberal que pegou a bomba de elevadíssimos custos administrativos da cidade. Filippi também tem  visão com fortes traços de miopia quando o assunto é a regionalidade. Não há prejuízo algum, do ponto de vista temporal, com a saída dos prefeitos Orlando Morando e José Auricchio Júnior simplesmente porque o Clube dos Prefeitos, em raras situações, jamais atuou como qualquer coisa que possa merecer o título de regionalidade construtiva. Com sete prefeitos ou com cinco, como agora, o Clube dos Prefeitos é um fracasso prolongado com raros momentos de ações efetivas.   

DIARIO DO GRANDE ABC -- Diadema segue sendo uma das cidades mais densamente povoadas do Brasil, segundo o Censo. Como encaixar tamanha demanda social a um orçamento cada vez mais enxuto? 

FILIPPI -- Já faz 20 anos que Diadema é a primeira ou a segunda cidade do Brasil com maior densidade populacional. Esse dado mostra a importância de aperfeiçoar as políticas públicas que desenvolvemos. É há outro dado que precisa ser acrescentado: além de possuir 13 mil habitantes por quilômetro quadrado, quase metade das famílias tem renda de dois salários mínimos para baixo. É preciso fazer com que o cidadão tenha a capacidade de, com renda própria, construir o seu dia a dia com independência, sem onerar o setor público. 

CAPITALSOCIAL – Não existe conexão de causalidade entre densidade demográfica e a obrigação de o morador de Diadema ter capacidade de construir seu dia a dia com independência, sem onerar o setor público. Demografia é uma coisa, Economia é outra. Por mais que se pense em eventual complementaridade entre uma coisa e outra, não há como juntar uma coisa à outra. Diadema poderia ter transformado densidade demográfica em forte aliada, como cidade compacta, sonho de urbanistas mais renomados. Basta ver São Caetano, semelhante nesse aspecto, cidade totalmente diferente. Mas nem assim, ou seja, no caso de São Caetano, a explicação de diferenças entre os dois endereços está no número de habitantes por quilômetro quadrado. A resposta do prefeito não tem pé nem cabeça. E, pior ainda, atribui aos moradores a responsabilidade de resultados de renda para não depender do setor público. Afinal, desde que há quatro décadas o PT controla a Prefeitura de Diadema (com exceção de oito anos que não alteram o perfil) o que mais se ouviu foi que o partido tomaria à frente na transformação social. Que não se faz sem renda. E renda produtiva vem de Desenvolvimento Econômico. Que Diadema procrastinou em nome de um socialismo administrativo que se esgotou.  Tanto que comprometeu o futuro. No Campeonato Brasileiro de Gestão Fiscal, como chamamos o Índice Firjan, que reúne especialistas de várias áreas, Diadema ocupa a posição 1.922, com média geral de 0,6328 ponto (quais mais próximo de 1,0, melhor) no ranking nacional.  

DIÁRIO DO GRANDE ABC -- Como fazer para que o cidadão tenha renda melhor de modo a não depender tanto do poder público?  

FILIPPI -- Sessenta e dois por cento do nosso orçamento vão para saúde e educação. A receita de Diadema está comprimida. Estamos retomando a capacidade financeira e também torcemos para o ambiente econômico do Brasil ajudar e, com isso, que o País saiba repartir melhor e equilibrar investimentos.  

CAPITALSOCIAL – A declaração do prefeito é a consumação da realidade dita com constrangimento: o modelo administrativo do PT em Diadema, de tudo pelo social e o Desenvolvimento Econômico que se virasse, ruiu com o tempo, um tempo de custos excessivos que solaparam a capacidade de crescimento da arrecadação por conta da contínua queda de investimentos privados. Diadema é um caso raro de, entre outros pontos, contar com logística excepcional, com as rodovias Anchieta, Imigrantes e Rodoanel, e nem assim ganhar impulso industrial estando como está, também, tão próximo do Porto de Santos.  

DIÁRIO DO GRANDE ABC -- Como retomar a capacidade financeira do município diante de uma sociedade totalmente refratária ao aumento de impostos? 

FILIPPI -- Primeira coisa: estou comprando uma camisa para entrar na torcida organizada pelo ‘Baixa Juros’. Vou lá bater bumbo. Se a economia voltar a crescer, todos vão se beneficiar. O detentor do capital, os fundos de investimentos, os bancos, as incorporadoras, as grandes corporações e a indústria vão ter mais ânimo, coragem, incentivo e racionalidade para investir. Se os juros caem, estimula o espírito capitalista. Como a principal receita de Diadema, e do Grande ABC, é o ICMS, que vem da atividade econômica, estou otimista e torcendo muito para que isso aconteça.   

CAPITALSOCIAL – Essa bola da receita para sair do buraco em que Diadema se meteu é uma bola furada. O prefeito Filippi traz o circunstancial em forma de estrutural. Os juros relativamente altos, mas que estão longe de autofagia (tanto que centenas de municípios crescem sem parar, mesmo com o Estado atrapalhando) não passa de desculpa esfarrapada. Diadema não soube construir o futuro que chegou depois de ensaiar uma revolução que combinaria social e econômico em patamares semelhantes. A ideologia esquerdista/estatista cultivou experiências patéticas, como a municipalização do transporte coletivo,  entre outras aventuras. Agora o prefeito se mete a buscar subterfúgios. E até mesmo se esquece que,  neste século de derrocada econômica de Diadema, 14 anos foram administrados pelo PT Federal.  

DIÁRIO DO GRANDE ABC -- O ponto são os juros baixos? 

FILIPPI -- Estamos estruturando financeiramente a Prefeitura para que ela não só tenha mais força econômica, mas que também possa voltar a ter crédito. Diadema, pela regra de endividamento dos municípios, poderia buscar até R$ 750 milhões. Hoje a Prefeitura tem dois bloqueios que impedem o acesso ao crédito: o CRP, Certificado de Regularidade Previdenciária, e o Capag, a capacidade de pagamento. Essa é regra da Constituição que diz que um ente público não pode ter custeio acima de 95% da receita. Sabe com quanto recebemos (a administração)? Cento e dez por cento. No primeiro ano, derrubamos para 96%. Mas esse é um jeito burro de avaliar a gestão, na minha opinião, porque se faz uma média dos últimos três anos. Os meus 96% de 2021 são, na verdade, 87%. Mas, na média, de 110% para 87%, fica em 96%. Então quer dizer que não reconhecem o meu esforço! 

CAPITALSOCIAL – O prefeito de Diadema transfere a exceção cronológica de comando do Município (os oito anos de gestão do liberal Lauro Michels) em regra geral. Diadema só está na situação financeira calamitosa que está recorrendo a dinheiros de terceiros, porque plantou raízes  frondosas de gestões próprias que se descuidaram dos balanços. Diadema não se preparou e nem se organizou para combater a desindustrialização da qual foi beneficiária num primeiro período, agregando empresas de outras localidades da região, e da qual foi vítima numa etapa subsequente, principalmente, vejam só, durante o período de PT Federal. O Município caiu para a 236ª posição no ranking de PIB   per capita no Estado de São Paulo em 2020, depois de ocupar a 78ª posição no ano 2000. No mesmo ano 2000 em que, por exemplo, Diadema contava com PIB per capita (em valores nominais) de R$ 10.807,00, enquanto Sorocaba não passava de R$ 8.754,00. Agora, em 2020, últimos dados disponíveis, Diadema conta com PIB per capita de R$ 35.282,92, enquanto Sorocaba subiu para R$ 53.427,50.   

DIÁRIODO GRANDE ABC -- O sr. pode explicar em que pé está a questão do rombo na Previdência? 

FILIPPI -- Pegamos o Instituto de Previdência com situação muito grave. O fundo de reserva, se o governo passado tivesse cumprido a sua obrigação, estaria com mais de R$ 600 milhões. Recebi com R$ 270 milhões. (Um déficit de) R$ 100 milhões por ano. Não fizeram a receita crescer como deveria. Acabaram financiando o custeio da Prefeitura com o calote na Previdência. Para obter crédito, a regra diz que não pode ter déficit mensal na conta da Previdência. Não consigo. Estamos trabalhando. Saímos de R$ 120 milhões para R$ 19 milhões em 2021 e quase R$ 60 milhões no ano passado. Neste ano, a projeção é de R$ 30 milhões ou R$ 40 milhões, para daqui um a dois anos chegarmos a zero. Quase metade dos municípios do Brasil tem Previdência própria – desses, 20% estão em situação difícil como a nossa. Estamos propondo ao secretário do Tesouro Nacional (Rogério Ceron) uma flexibilização da exigência de ter zerado o déficit anual com a Previdência para obter crédito. Até porque, com acesso ao crédito, vamos ter mais força financeira para equacionar o déficit.  

CAPITALSOCIAL – A memória contábil do prefeito de Diadema é seletiva. Os oito anos de oposicionismo no comando da Prefeitura não alteraram o descompasso entre receitas e despesas que começaram a degringolar a partir da vitória de Gilson Menezes em 1982. O PT construiu o caos econômico-financeiro que está aí. Transferir danos a terceiros que pouco interferiram, até porque a velocidade de transatlântico de finanças públicas não permite grandes guinadas, é fugir da responsabilidade histórica de equívocos no campo econômico.   

DIÁRIO DO GRANDE ABC -- Estamos entrando no segundo semestre do terceiro ano de sua gestão. Qual a grande aposta administrativa para o último ano e meio da gestão? 

FILIPPI -- Saúde, educação, segurança, habitação, cultura, esportes, transporte e segurança alimentar. São ações políticas de bem-estar social. Saúde é nossa principal destinação de recursos. As pessoas perguntam: por que precisa de crédito? Porque vamos preparar três UPAs (Unidades de Pronto Atendimento). Diadema não tem nenhuma! Uma UPA inaugurada em 2011 foi fechada em 2015, há oito anos! Por isso a cidade não está habilitada a receber recursos do Ministério da Saúde. Vamos abrir três. A UPA Central, que vai ser ao lado do Quarteirão da Saúde, com cerca de 60 leitos, será a principal referência em urgência e emergência. A UPA da região Norte, que terá 22 leitos com possibilidade de as pessoas ficarem em observação por 72 horas, para resolver seus problemas e não onerarem os leitos hospitalares. E a UPA da região Sul, com 20 leitos. Vamos investir perto de R$ 30 milhões nas UPAs. E vamos construir o Hospital Municipal. O projeto, que durou um ano e meio, prevê quase 26 mil metros quadrados, um prédio de 12 pavimentos que vai ser construído ali no Paço Municipal, uma área nobre, no Centro da cidade e ao lado do corredor de transporte e da (Rodovia) Imigrantes, com acesso melhor a todos os moradores da cidade. Para construir, serão três ou quatro anos.  

CAPITALSOCIAL – Reparem que o prefeito é incapaz de enxergar e de expor, quanto mais de reconhecer, que a fonte de soluções para municípios com o perfil de deterioração econômico-financeira de Diadema, é o Desenvolvimento Econômico. Não há uma resposta sequer de Filippi que faça menção ao empresariado de Diadema, maltratado ao longo dos anos. Há um viés socialista rastaquera como se Diadema contasse com uma Casa da Moeda que a socorresse. De fato, essa Casa da Moeda virou o suporte do Estado, agora sob o controle do PT, e o endividamento autofágico.  

DIÁRIO DO GRANDE ABC -- O sr. enfrentou problema de saúde grave, mas dá para se ver que está plenamente recuperado. É candidato à reeleição em 2024? 

FILIPPI -- Se depender da saúde, sou candidatíssimo. Mas é que, para ser candidato, a saúde é uma condição necessária, mas não suficiente. É preciso ter apoio político. Sinto que tenho apoio político. Tenho conversado com os vereadores. Primeiro que o governo está com uma avaliação muito melhor do que estava há um ano. Temos algumas pesquisas, inclusive a de vocês, e a eleição (de 2022). Entre quem votou, 60% votaram no Lula no segundo turno. Nossos candidatos a deputado estadual e federal tiveram o dobro dos (votos de) outros candidatos da cidade. Os de oposição, foram reprovados. Um (Márcio da Farmácia) tinha mandato, perdeu. Isso mostra que a cidade se manifestou eleitoralmente, na minha opinião, mostrando muito mais sinais de aprovação do nosso mandato do que não. Vamos crescer ainda mais, o governo vai se fortalecer. Acho que é condição política para estruturar conjunto de forças para enfrentar a eleição. 

CAPITALSOCIAL -- Diadema, assim como todo o Nordeste, e demais periferias empobrecidas das metrópoles, é campo fértil ao discurso populista que coloca o Estado como salvador da pátria. Seria surpreendente se Diadema, apesar de todos os pesares, dos ônus e dos danos, voltasse a perder o comando da Prefeitura como em 2012. 

DIARIO DO GRANDE ABC -- Vamos falar um pouco de regionalidade. Como o sr. vê a perda de unidade do Consórcio? 

FILIPPI -- Lamento a decisão dos dois prefeitos, de São Caetano e São Bernardo, que se retiraram do Consórcio. Foi uma decisão, na minha opinião, muito emocional, muito passional, em função de uma avaliação que fizeram durante 15 dias e no momento da votação, em que escolhemos o (prefeito de Mauá) Marcelo Oliveira para ser nosso presidente, e a história vai mostrar que a decisão deles está errada. A história vai fazer com que esses dois municípios voltem para o Consórcio. No momento, estamos vivendo uma situação ruim, de desarticulação. Era muito melhor estarem os sete municípios juntos. Vamos ver agora como vai ser com o governo federal. Se tiver incentivo para o PAC Regional, vai ser debatido no Consórcio. 

CAPITALSOCIAL – O rompimento no Clube dos Prefeitos tem a ver com a falta de capacidade de articulação do prefeito de Santo André (Paulinho Serra), que liderou o processo de sucessão e fez das ações atos de partidarismo, não de regionalismo. O erro de origem, portanto, é outro. No fundo, não se trata de  situação nem dramática nem surpreendente. É preciso ser cego de ofício para negar: o Clube dos Prefeitos raramente contou com unidade. Os prefeitos geralmente não participavam de ações, exceto o prefeito dos prefeitos da vez, ou seja, o titular da instituição, e os resultados em três décadas são pífios. O próprio prefeito de Diadema jamais se interessou loucamente pelo Clube dos Prefeitos. Tanto que somente em 2003 ocupou a presidência e agora, em 2023, abdicou da função em acordo preliminar que negou em seguida para apoiar o prefeito petista de Mauá.   

DIÁRIO DO GRANDE ABC -- O que pode prejudicar quem estiver fora... 

FILIPPI -- Pode prejudicar quem estiver de fora. Como vai ser (destinado) o recurso para São Bernardo e São Caetano? Espero que superem esta divergência e voltem. O governo do Estado e o prefeito de São Paulo (Ricardo Nunes, MDB) estão chamando uma reunião na região metropolitana, ou seja, valorizando os consórcios já existentes, com a presença do governador Tarcísio (de Freitas, Republicanos) para falar da região metropolitana. Espero que eles reconsiderem. É importante ter a interlocução entre nós, prefeitos. A regionalidade é o caminho de todas as áreas metropolitanas, o de ter uma governança regional. 

CAPITALSOCIAL – Em tese as declarações do prefeito de Diadema estão encaixadíssimas no processo de vantagens da cooperação entre os municípios locais, mas a história do Clube dos Prefeitos prova que de alguma forma sempre há investidas individuais para resolver problemas específicos no governo estadual e no governo federal. O Clube dos Prefeitos realmente coletivo, pragmático na condução de estratégias e tecnicamente preparado para despertar investimentos de esferas estaduais e federais é um sonho jamais consumado. 

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