Economia

SANTO ANDRÉ: DUAS FACES
DE UMA GRANDE TRAGÉDIA

  DANIEL LIMA - 05/05/2025

Vamos mostrar para você duas Santo André. A primeira é preocupante. A segunda é dilacerante. Depois de ler o que se segue, muita gente, finalmente,  deixará de olhar a classe política e o entorno de conveniências que a sustenta com a indolência, quando  não com o aplauso, de sempre. O descaso vai dar lugar à estupefação. Talvez seja tarde para mudar o futuro, contaminado pela presente.

O resumo da ópera está em dois cenários, o segundo muito mais complexo que o inquietante primeiro. No segundo, que explicaremos logo abaixo, Santo André cresceu em termos de domicílios residenciais quase o dobro do que São Caetano registrou em 2024 como resultado ao longo da história.

O drama dessa versão mais verdadeira de Santo André, que é São Caetano duas vezes, é que 70% dos domicílios são ocupados por moradores da Classe Média Precária, que trafega entre a Classe de Pobres e Miseráveis e um pouco mais distante da Classe Média Tradicional. Uma classe, portanto, à beira de um ataque de nervos quando a economia tropeça.

BONS TEMPOS

Nos tempos de glória do presidente Lula da Silva, alguns sociólogos imprudentes decidiram chamar esse extrato social de Nova Classe Média. Preferi adotar  nomenclatura mais apropriada: Classe Média Precária. Uma classe inchada pela decadência da Classe Média Tradicional e pela redução da Classe de Pobres e Miseráveis. Uma mistura de frustração e de esperança. Classe Média Precária, não esqueça dessa marca social.

Há duas faces de Santo André que vou expor com exclusividade, por mais que já tenha analisado a ex-capital econômica do Grande ABC ao longo dos anos. A abordagem é contundente. Documentada. Apurada e checada. Quem não divide Santo André em dois períodos estará entregue à rapadura do autoengano.

A Santo André que você pensa que conhece é muito pior do que a Santo André integralizada pela cronologia convencional. Há uma Santo André do pós-Plano Real muito pior que a Santo André fundada há mais de quatro séculos. E há também uma Santo exclusivamente circunscrita pós-Plano Real que é uma tragédia. Você vai entender tudo. É só continuar a leitura.

PIB DE CONSUMO

A base técnica dessa análise é o PIB de Consumo, especialidade da Consultoria IPC, comandada pelo pesquisador Marcos Pazzini. PIB de Consumo também é conhecido como Potencial de Consumo. É tudo que um determinado endereço municipal, estadual e nacional tem para gastar a cada temporada. É o que também poderia ser chamado de riqueza econômica acumulada.

O PIB de Consumo  é diferente do PIB Convencional. Trata-se de uma riqueza de determinada população não necessariamente  integralmente construída nesse mesmo determinado endereço. Diferente do PIB Convencional, que exclusiva a riqueza de criação de produtos e serviços no endereço específico.

Essa distinção é relevante. Pode caracterizar eventuais diferenças entre o PIB Convencional e o PIB de Consumo. Correlações podem sofrer interferências nos placares finais.

Mas vamos ao que interessa. E o tom didático desta análise é proposital. O que se lerá adiante poderia parecer intrincadíssimo demais quando operado por acadêmicos que, em geral, não abrem mão da precisão como fórmula explicativa, e não se incomodam com a forma de exposição. O jornalismo é a fórmula mais bem-acabada à compreensão de situações aparentemente nebulosas. Se você está com dificuldade de compreender esses enunciados, talvez precise voltar algumas linhas. Pense no PIB de Consumo de forma simples: é, no presente caso, o que a população de Santo André tem para consumir num determinado ano porque conta com respaldo de acumulação de recursos financeiros.

FACE DUPLA

A Santo André que vai saltar em face dupla nesse estudo é tanto a cidade construída ao longo da história, a partir da fundação há mais de quatro séculos,  até a Santo André do ano passado, 2024. E a segunda Santo André reunirá dados do corte temporal que decidimos introduzir a partir de um fator de grandes transformações sociais e econômicas no Brasil – o ano de 1995, primeiro sob os efeitos do Plano Real. São, portanto, 29 novos seguidos.  Ou seja: a partir de 1995. Esqueça, portanto, o passado que se encerra também em 1995. Trocando em miúdos: uma Santo André de 1553 a 2024 e a outra de 1995 a 2004. Entendido?

Independentemente dessa divisão, são duas faces da mesma tragédia, mas não são faces independentes, sem conexões. O primeiro cenário, embora faça incursão por todos o período histórico da fundação de Santo André, também está sob os efeitos do Plano Real. O segundo tem a linha de partida restrita a partir de 1995. É a Santo André dos últimos 29 anos.

Pode parecer confusa a temporalidade dessa análise, mas é essencial à cristalização de duas verdades socioeconômicas inabaláveis.

A primeira, do cenário número um, é que a Santo André de quase cinco séculos tendo o Plano Real como incômodo marcador intermediário, é uma Santo André debilitadíssima. O cenário número dois, com a largada de 1995, esticando-se o tempo até 2024, é o estouro da boiada. Tudo indica que passou a ser o novo indexador do tempo subsequente.

Portanto, quando se enxerga Santo André pelo ângulo histórico integral e quando se observa Santo André exclusivamente pós-1995, o que temos são duas realidades  -- uma pior que a outra.

ATÉ O PLANO REAL

A base dessa  primeira análise é o PIB de Consumo do Grande ABC em 1995. Observar atentamente os números que a partir de agora vão servir de plataforma de embarque às constatações registradas é fundamental. Como era, portanto, a Santo André de 1995 ainda sem os efeitos mais contundentes do Plano Real?

A Santo André de 1995 contava com 171.591 domicílios residenciais para uma população de 637.594. A Classe Rica contava com 12.234 famílias, que representavam 7,12% do total de residências. A Classe Média Tradicional contava com 55.252 domicílios, ou 32,20% dos domicílios. A Classe Média Precária registrava 61.203 domicílios, ou 35,68% das moradias. Já os Pobres e Miseráveis ocupavam 42.882 domicílios, ou 24,99% do total das moradias.

Guardar esses números de 1995 é fundamental. É no desdobramento que os envolve que se manifestarão as desventuras de Santo André. Naquele 1995, Santo André contava com PIB de Consumo Per Capita de R$ 5.447,68 em valores nominais.

A ausência da dados antecedentes, indisponíveis no mercado quando se trata de PIB de Consumo, impede que se tenha sobre 1995 os desgastes anteriores. Naquela temporada,  Santo André já registrava perdas profundas, iniciadas ainda nos anos 1980 com o processo de desindustrialização. Os anos 1990 foram os piores, claro. A pequena indústria foi praticamente dizimada nos rescaldos do Plano Real. Principalmente do setor automotivo.

O Índice de Participação Relativa de Santo André no PIB de Consumo no País registrava 0,87500%. Ou seja: de cada R$ 100,00 para se consumir no País, quase R$ 1,00 tinha a digital de Santo André.

CIDADE PREOCUPANTE

Os 29 anos que se seguirão à implantação do Plano Real e as agruras de Santo André e do Grande ABC como um todo revelam uma situação bastante problemática. Os números do PIB de Consumo de 2024 mostram uma Santo André bastante debilitada. Essa conta ainda leva em conta todo o período da história de Santo André, não custa repetir.

O número de famílias de Classe Rica de Santo André registrado em 1995 caiu para 5,33% na temporada de 2024. Passaram a ser 15.258 famílias de um total geral de 286.368 residências. Como se observa, o total geral de moradias em Santo André de 2024 teve acréscimo de 114.777 unidades familiar quando confrontado com os dados de 1995. Um crescimento de 66,88% no período de 29 anos.

O crescimento em número absoluto de 3.024 moradias de Classe Rica no período ficou muito abaixo, portanto, do crescimento geral das residências. Muito abaixo. Eram 7,12% antes. Passou para 5,33% depois. Para manter a participação relativa de 1995 deveria contar com 20.401 moradias.

A Classe Média de Santo André em 2024 também perdeu fôlego quando comparada à Classe Média de 1995. Passou a 31,45% dos moradores, ante 32,20% da origem dos número. Eram 55.252 moradias em 1995  e subiu em números absolutos para 90.057. Para manter participação relativa após  29 anos,  o total deveria ser de 92.210 unidades.

Já no segmento de Classe Média Precária, Santo André registrou crescimento em números absolutos e relativos. Ante os 61.202 moradias que representavam 35,68% da população total de 1995, passou para 141.962 moradias em 2024, com participação relativa de 49,57%.

Finalmente, completando o ciclo socioeconômico, a Classe de Pobres e Miseráveis de Santo André foi consideravelmente reduzida (como de resto no País principalmente por causa do Bolsa Família e do aumento do Salário Mínimo) no mesmo  período de 29 anos. Houve aumento  em número absolutos e funda redução em números relativos no período pós-Plano Collor. Eram 24,99% do total de moradias, com 42.882 famílias, e passou para 39.091. Uma redução participativa drástica, como se observa  --- 13,65% do total de moradias.

CIDADE EM TRANSE

O segundo cenário de Santo André no PIB de Consumo está restrito aos 29 anos pós-Plano Real. Esse é o período de resultados alarmantes que, observados de perto, são muito mais inquietantes que as quedas registradas no período linear da história. Nesse período exclusivo e restrito, são levados em conta apenas os danos socioeconômicos de 29 anos.

Uma cidade que supostamente teria sido descoberta e ocupada a partir de 1995. Uma cidade que, paradoxalmente, ajuda a ditar o ritmo da cidade fundada por João Ramalho e que foi impactada ao longo do tempo pelo Plano Real.  Essa é a Santo André exclusivamente pós-Plano Real.

E que cidade é essa? Catastrófica sim. É um território com conta com o total de 114.777 moradias. Praticamente o dobro da vizinha São Caetano. Desse total de moradias,  apenas 2,63% conta com participação relativa da Classe Rica. São 3.024 moradias. A Classe Média Tradicional contabiliza 34.805 moradias, representando 30,32% do total de moradias. Já a Classe Média Precária, de 80.739 moradias, participa com 70,34% total dos ocupantes. E  a Classe Pobre e Miserável, registraria queda de 3.791, ou 3,30% do total de moradias.   

PARTICIPAÇÃO NO PAÍS

Observada a Santo André exclusiva de 29 anos e sem passado, não custa nada voltar aos dados históricos, desde a chegada de João Ramalho. Ou seja: sem o recorte de apenas 29 anos, que é o pior quadro para o Município.

A participação relativa do PIB de Consumo de Santo André foi reduzida em 2024 para 0,56490%. Bem menos, portanto, que o número registrado em 1995, de 0,87500. O PIB de Consumo per capita da Santo André em 2024 registrou R$ 54.241,33. Comparado, sem efeitos inflacionários, com o PIB de Consumo de 1995, o avanço foi de 895,68%.  A média do PIB de Consumo do País chegou a R$ 35.590,00 em 2024, com crescimento nominal de 1.055,11% sobre o PIB de Consumo de 1995, que registrou R$ 3.81,89. Resultado: a participação relativa do PIB de Consumo per capita da média brasileira no PIB de Consumo per capita de Santo André em 1995 era de 56,57%. Já na temporada de 2024 a participação média nacional avançou para 65,56% ante a média de Santo André. 

RESUMO GERAL

Então, para sintetizar toda essa análise, veja como ficou a participação relativa de cada classe social de Santo André no PIB de Consumo:

CLASSE RICA – Eram 7,12% do total de moradias em 1995, passou para 5,33% em 2024 e caiu para 2,63% quando restrito aos 29 anos do Plano Real.

CLASSE MÉDIA TRADICIONAL – Eram 32,20 do total de moradias  em 1995, caiu para 31,45% em 2024 e caiu para 30,32% no período de 29 anos do Plano Real.

CLASSE MÉDIA PRECÁRIA – Eram 35,68% do total de moradias em 1995, subiu para 49,57% em 2024 e subiu para 70,34% no período restrito de 29 anos do Plano Real.

POBRES E MISERÁVEIS – Eram 24,99% do total de moradias em 1995, caiu para 13,65% em 2024 e chegou a -3,30% no período restrito de 29 anos do Plano Real.                                                        

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