Esportes

São Caetano perde o eixo
após saída de Saul Klein

  DANIEL LIMA - 01/12/2023

Vamos combinar uma coisa para que a coisa combinada restaure a verdade histórica? Se você não entende nada sobre o futebol vitorioso do São Caetano, hoje na Sétima Divisão do Futebol, ou se você pensa que sabe alguma coisa, preste atenção: sem o empresário Saul Klein, e por algum tempo sem o prefeito Luiz Tortorello, morto em 2004, a chamada “Namoradinha do Brasil” ou “Azulão” não teria existido. Ou, no máximo, seria o que é hoje.  

E o que é o São Caetano hoje, considerando-se que o hoje também pode ser chamado de recentemente? É uma vergonha dentro dos campos. Espera-se que a retomada que restaure um pouco da história seja acelerada. Voltar para a Série A-2 já seria um bom começo.  

Os outros três times mais importantes da região está na Série A-1, a Primeira Divisão Paulista, como expliquei ainda outro dia. O São Bernardo na liderança como integrante da Série C do Campeonato Brasileiro.  

Essa recomposição de situar o prefeito Luiz Tortorello e principalmente Saul Klein na trajetória do São Caetano se faz necessária porque não falta quem pretenda subverter a realidade dos fatos.  

PASSADO INSUPERÁVEL 

Subestimar ou mesmo esquecer a participação discreta, constante, despojada e fanática de Saul Klein no São Caetano é algo estúpido demais.  

É muito pouco provável que o São Caetano volte a brilhar como brilhou no passado a começar dos primórdios destes século. Integrante da Série A-3 do Campeonato Paulista, o que de fato é a Terceira Divisão do Estado, abaixo das quatro divisões nacionais, o São Caetano é quase um fantasma que pretende se erguer contando com a mística de campeão paulista e de vice-campeão da Libertadores, entre outras conquistas que supostamente serviriam de alavancagem ao processo de recuperação.  

Por mais que existam dúvidas sobre a origem do dinheiro com que a nova direção do São Caetano procura voltar ao estrelado estadual, sempre será menos do que o necessário para repetir a trajetória iniciada por Luiz Tortorello e Saul Klein e que se esticou depois sob os ombros milionários do herdeiro de Samuel Klein, fundador da Casas Bahia. 

MAIOR MECENATO  

Ou alguém tem dúvida de que foram os R$ 500 milhões injetados no clube durante duas décadas, tudo declarado no Imposto de Renda, que turbinaram os resultados do São Caetano? Isso mesmo: R$ 500 milhões.  

Essa é a marca monetária do maior mecenas do futebol nacional. Um mecenas que jamais teve o empenho reconhecido por autoridades de São Caetano. Mais que isso: vítima até provas em contrário de uma quadrilha de mulheres que mais que venderem o corpo, venderam a alma, Saul Klein foi escorraçado da cidade pelo grupo político a quem se opôs como candidato a vice-prefeito em 2020. 

Por isso, quem perguntar quem foi o maior esportista do futebol de São Caetano, se o então prefeito Luiz Tortorello ou o mecenas Saul Klein, não tenha dúvida em responder: o empresário. Tortorello foi a face visível, histriônica, dedicada e impetuosa do Azulão dos bons tempos. Inclusive com recursos públicos ou por influência do cargo público. Mas nada se compara aos desencaixes de Saul Klein. 

Puxem pela memória. Quem não se lembra do Azulão de camisas patrocinadas pela Consul? Havia uma sincronia fina entre Saul Klein e os fornecedores da Casas Bahia. Quando o futebol brasileiro mal se ajeitava na modalidade de patrocínio, o São Caetano brilhava com parcerias.  

LESA-INFORMAÇÃO  

Quem quer que seja que escreva a jornada vitoriosa do São Caetano não pode cometer um crime de lesa-informação ao voluntariamente ou não relegar Saul Klein ao esquecimento. Quem quiser saber informações inéditas sobre o São Caetano de estrelas que brilharam em seguida no futebol brasileiro, não teria uma fonte mais preciosa que Saul Klein.  

Grandes treinadores que já passaram pelo futebol brasileiro dirigiram o São Caetano quando ainda eram anônimos – de Muricy Ramalho a Tite. E quantos jogadores de alto nível mas pouco conhecidos também não saíram do Estádio Anacleto Campanella diretamente para os grandes clubes?  

Mais que um mecenas desmedido, Saul Klein exerceu como incentivador do São Caetano o papel de torcedor comum, apenas com o privilégio de ter relações com a cúpula da agremiação, e também com o prefeito Luiz Tortorello.  Saul Klein era uma peça invisível na maquinaria de resultados do São Caetano.  

FAMÍLIA MILIONÁRIA  

Saul Klein estava tão distante do dia a dia do São Caetano e também das tomadas de decisões da direção executiva do São Caetano que não se apercebeu nem foi informado de que a gestão principalmente durante os longos anos de Nairo Ferreira de Souza se cristalizou como um principado.  

Coincidentemente, Nairo Ferreira da Silva e família ficaram milionários durante o período de desencaixes financeiros de Saul Klein. Há processos judiciais que colocam o então presidente executivo em maus lençóis.  

O São Caetano começou a degringolar dentro de campo a partir da decisão de Saul Klein cortar as doações.  A última conquista da equipe, o título da Série A-2 do Campeonato Paulista, em 2020, ainda foi lubrificada com recursos do mecenas.  

Saul Klein era um apaixonado pelo São Caetano e se desencantou na medida em que apareceram no radar de informações uma batelada de suspeições sobre o comando executivo.  

IBIS PAULISTA  

Ao sair para valer, o São Caetano se tornou uma espécie de Ibis do futebol paulista. Ibis é um time pernambucano que ficou famoso no futebol mundial por colecionar derrotas sobre derrotas. O São Caetano chegou a ficar 23 jogos sem vitória. E foi goleado num jogo da Série D do Campeonato Brasileiro por nove e zero. Tudo depois da saída para valer de Saul Klein. 

O São Caetano também adicionou aos fracassos nos gramados uma série de derrapadas diretivas. A chegada de supostos investidores que jamais entenderam a mecânica do futebol profissional e empresarial abriu as portas a escândalos. Foram vexames atrás de vexames. 

Agora, numa nova experiência empresarial de atmosfera institucional sob suspeição, porque o presidente executivo chegou a ser preso por suposto envolvimento criminal como dirigente da chamada Feira da Madrugada, em São Paulo, o São Caetano acena com retomada.  

Saiu um mecenas e entraram vários investidores que não teriam a consistência clássica de quem faz do futebol de competição um planejamento de fato empresarial. Qualificar os novos dirigentes de aventureiros poderia ser um exagero, mas há um grau elevado de aleatoriedade lotérica quanto aos resultados a serem alcançados.  

VERDADE SUPRIMIDA  

A supressão de uma verdade consolidada nos gramados de futebol por conta de uma série de denúncias sobre o comportamento pessoal jamais confirmadas pelo Judiciário caracteriza estes tempos de assassinato de reputação e de negação dos fatos em áreas distintas e por isso mesmo indevidamente contaminadas.  

É muito difícil acreditar que a nova roupagem institucional do São Caetano reproduza o passado mesmo que de forma mais modesta. Os tempos são outros. Há novos modelos de estruturação de equipes de futebol, notadamente a SAF, Sociedade Anônima do Futebol.  

Os investidores são profissionais do mundo da bola e do mundo das finanças. As agremiações que oferecem maior rentabilidade aos negócios aos poucos se transformam em empreendimentos.  

MODELO EXPLODIDO  

O modelo de mecenato de Saul Klein já não teria vez. A manutenção de equipes de futebol competitivas é cada vez mais dispendiosa e requer rentabilidade e retorno dos recursos financeiros investidos.  

É muito pouco provável, portanto, que o São Caetano destes tempos de rebaixamentos seguidos recupere-se na hierarquia do futebol brasileiro diante da movimentação geral e irrestrita por mais profissionalismo. A transposição do São Caetano em clube empresarial dentro de um figurino de transparência provavelmente não encontraria ressonância.  

Depois do São Caetano de mecenato que jamais poderia ser subestimado, o que temos na praça é um figurino deslocado da espinha dorsal do novo profissionalismo do futebol brasileiro.  

Portanto, o São Caetano é uma incógnita depois do saco sem fundo de dinheiro privado doado e malversado segundo denúncias que percorrem corredores do Judiciário.

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